Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

Oficinas Clínicas sobre o Cuidado: Narrando Casos e (Re)Construindo Sentidos para o Trabalho em Saúde

Justificativa

Sabemos que o setor saúde vive hoje sob imperialismo da biomedicina e do mercado de consumo a ela associado. Entretanto, paradoxalmente, identificamos que, embora guiados pela cultura da medicalização e seduzidos pela tecnologia, não é dos procedimentos tecnológicos e dos remédios que os usuários mais reclamam. Suas demandas se relacionam, principalmente, à falta de interesse e responsabilização dos diferentes serviços, e seus respectivos profissionais, para com suas necessidades e formas possíveis de organização da própria vida. Costumam sentir-se inseguros, desamparados, desrespeitados (Franco e Merhy, 2013).
Na mesma direção, Ayres (2004) defende que a baixa eficácia das ações em saúde se deve, fortemente, às dificuldades de criação de diálogos "autênticos" entre profissionais e pacientes. Para o autor, os saberes de caráter tecnicocientífico frequentemente assumem uma centralidade que exclui outras formas de comunicação entre os atores que compõem a cena assistencial. Assim, os trabalhadores se mostram ensurdecidos para as necessidades singulares dos usuários e seus padecimentos, ao mesmo tempo em que veem impotentes diante da intensidade das demandas que lhes são colocadas.
A literatura da área da saúde coletiva no Brasil apresenta importantes publicações que acenam para a complexidade de questões inerentes ao trabalho em saúde. Entende-se que este, ainda que mediado por suportes teóricos, técnicos, metodológicos e tecnológicos, é um campo de ação no qual a subjetividade dos atores envolvidos (profissionais e pacientes) impacta profundamente todos os tipos de resultados. Sabe-se que os estudiosos se diferenciam no que diz respeito às concepções de subjetividade, gestão e clínica, bem como ao enfoque dado às variadas dimensões sobre as quais incidem a empatia, o interesse, a reflexibilidade, a autonomia, a resistência, o pavor, o medo, as fantasias, as pulsões amorosas e destrutivas, enfim, as incontáveis características de nossa humanidade. Entretanto, há certa concordância quanto à consideração de que os encontros intersubjetivos de usuários e trabalhadores e destes últimos entre si devem ser uma espécie de linha-guia para o planejamento e as práticas em saúde (Artman, 2001; Campos, 2000; Furtado, 2007; Merhy, 2002; Onocko Campos, 2005; Peduzzi, 2007; Sá & Azevedo, 2010a, 2010b).
Essas considerações devem ser situadas ainda, no caso dos serviços públicos de saúde, num contexto muito pouco favorável a espaços ou momentos de discussão e reflexão pelos profissionais sobre seu trabalho, uma vez que se vêem diante, simultaneamente, da pressão da demanda, da insuficiência de recursos e de exigências crescentes de produtividade pautadas numa lógica gerencialista, que desconsidera a complexidade da produção do cuidado.
Sensível a essas questões, nosso grupo de pesquisa reconhece a necessidade de oferecer aos profissionais dos serviços um curso que discuta alguns dos principais enfoques sobre as dimensões (inter)subjetivas do trabalho em saúde e juntamente com espaços de elaboração das questões afetivas e relacionais envolvidas nos processos clínico-assistenciais.
Ressaltamos que esse curso já fora desenvolvido em 2015 e 2016. A avaliação que os alunos fazem das aulas e demais atividades é bastante positiva. Explicitam que se trata de um espaço de discussão e compartilhamento de experiências clínicas extremamente necessário, e pontuam que os encontros têm lhes ajudado bastante na reflexão sobre os desafios do cotidiano de trabalho, bem como na elaboração de alguns conflitos e desconfortos advindos das dinâmicas relacionais que envolvem colegas e usuários dos serviços onde atuam. A equipe de professores avalia que os alunos chegaram com necessidade de aprofundamento teórico acerca dos processos de trabalho e do cuidado em saúde, bem como grande carência de oportunidades de apresentação de seus problemas e desafios profissionais e elaboração de experiências que envolvem o manejo diário de situações de morte, mutilação, conflitos entre colegas e intenso sofrimento psíquico. Nas duas ocasiões em que o curso fora desenvolvido, pudemos verificar que seus participantes têm feito apreensões de algumas ferramentas teóricas, têm conseguido construir novos significados para a relação com o trabalho e novos projetos ou estratégias de cuidado.
Além disso, como antecedentes da proposta, apontamos que nosso grupo já teve a oportunidade de desenvolver, em duas ocasiões, uma experiência pedagógica, bem sucedida, de oferta de um laboratório de discussão e elaboração dos aspectos intersubjetivos e inconscientes envolvidos na prática gerencial. Os participantes desse laboratório, gestores de hospitais públicos, bem como os professores, avaliaram essa experiência positivamente, destacando seu potencial para a (re)construção de sentidos do trabalho gerencial e elaboração coletiva de compreensão e soluções para os dilemas da gestão (SÁ&Azevedo,2002; AZEVEDO&SÁ, 2013).
Outra experiência do grupo de pesquisa, a ser considerada, é a oferta anual, desde 2007, da disciplina Subjetividade, gestão e cuidado em saúde, no âmbito pós-graduação stricto sensu da ENSP. Ao longo desses anos, observamos que os motivos pelos quais um número razoável de profissionais de saúde interessados na disciplina não era propriamente um envolvimento com a vida acadêmica, mas a demanda por acolhimento e discussão de impasses, dificuldades e êxitos na sua prática profissional.

Escolas de Governo em Saúde - Pós Graduação Lato--ensu

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