Busca do site
menu

Periferias e pandemia: Plano de Emergência, já!

ícone facebook
Publicado em:27/03/2020
Periferias e pandemia: Plano de Emergência, já! A integrante do Conselho Consultivo da ENSP e pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/ENSP), Sonia Fleury, e o ex-presidente da Fiocruz e coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), Paulo Buss, alertam, em artigo publicado no site Outras Palavras, para a necessidade de ações especiais a serem levadas à frente em combate ao coronavírus, nas comunidades, onde mora a maior parte dos brasileiros. Eles destacam que a ação do Estado precisa respeitar autonomia local. "As favelas sofrem com um conjunto de carências, mas possuem enorme potência, no sentido de uma cultura de solidariedade, bem como um conjunto de organizações e atores: comunicadores, igrejas, templos e centros, associações de moradores, empresas locais e serviços, grupos musicais, coletivos de artistas e poetas", escrevem. Leia abaixo a íntegra do artigo:
 
CEE-FIOCRUZ
Sonia Fleury e Paulo M. Buss *
 
A pandemia do Covid-19 chegou às favelas. Embora o vírus não discrimine por classe social ou raça, as condições socio-sanitárias serão determinantes para dizer quais estarão em melhores condições de sobreviver e quais estarão destinados a morrer.
 
Favelas e periferias enfrentarão a pandemia em condições mais adversas, decorrentes do descaso dos governos em prover condições adequadas de abastecimento de água, saneamento básico, coleta de lixo, habitação e urbanização, transporte público, atenção à saúde. Não se trata mais de falar na ausência de políticas públicas para esses territórios, mas de uma necropolítica, que condena ao extermínio pobres, negros e mestiços nas favelas.
 
Com a pandemia, torna-se imperioso que o poder público passe a coordenar ações estruturais e emergenciais que impeçam o extermínio massivo dessas populações. No entanto, autoridade não se confunde com autoritarismo e arbítrio, já que em situações de crises como essa, governantes são tentados a exacerbar o poder coercitivo, desrespeitando direitos humanos e sociais. Em uma pandemia o poder de coerção é fundamental, desde que a autoridade legítima atue em defesa da cidadania, compartilhando de forma transparente informações, mobilizando os recursos públicos e privados emergenciais e coordenando, de forma democrática e participativa, os esforços conjuntos para o enfrentamento da situação.
 
As favelas sofrem com um conjunto de carências, mas possuem enorme potência, no sentido de uma cultura de solidariedade, bem como um conjunto de organizações e atores: comunicadores, igrejas, templos e centros, associações de moradores, empresas locais e serviços, grupos musicais, coletivos de artistas e poetas.
 
Até recentemente, o plano de contingência proposto para o combate à pandemia desconsiderou a realidade das favelas, com propostas voltadas à classe média, como isolamento social, trabalho em casa e medidas de higiene, circulação de ar, etc. impraticáveis em situações de falta de água, espaços insalubres e transporte coletivo em condições insuportáveis de aglomeração.
 
Agora que a mídia e as autoridades se deram conta que a direção do contágio pode ser revertida, que medidas concretas precisam ser tomadas?
 
Renda básica de cidadania – Imediata aplicação da Lei nº 10.835, que institui a renda básica de cidadania, com um valor emergencial de 70% do salário mínimo. Sendo de caráter universal, evitará demoras na sua aplicação, ou a exclusão dos informais e autônomos não relacionados no Cadastro Único do governo e que serão duramente afetados. Aqueles que quiserem renunciar à renda básica poderão destinar os recursos ao Fundo Nacional de Saúde.
 
Teto de gastos sociais – Revogação imediata da Emenda Constitucional 95/2016, o que já acarretou perda de mais de R$ 10 bilhões para o orçamento da saúde. O teto de gastos e o contingenciamento de despesas não produziram melhorias econômicas e têm levado à deterioração dos serviços públicos hospitalares e da atenção primária.
 
Comissão nacional – Criação de uma comissão nacional, envolvendo governos e cientistas, visando propor soluções de enfrentamento da pandemia e suas consequências, em suas múltiplas dimensões: saúde pública, investimentos em produtos essenciais ao combate, frentes de trabalho e emprego nas cidades, favelas e periferias, plano habitacional nacional, estadual e local, obras de saneamento básico, transporte, logística etc.
 
Plano de contingência em favelas e periferias – Apesar das semelhanças em termos de carências de infraestrutura, cada território é singular e possui uma sociedade local diferenciada. Portanto, não se deve falar de favela como um genérico, mas de favelas, com suas capacidades e necessidades. O plano de contingência deve envolver aspectos sanitários, urbanísticos, habitacionais, logísticos e de infraestrutura, dentre outros.
 
Abastecimento de água, luz e coleta de lixo – Governos estaduais e locais devtestes, recursos, culturaem usar seu poder legal para obrigar que as empresas concessionárias adequem o fornecimento de seus serviços imediatamente.
 
Preço do gás – Redução imediata do preço em 60%.
 
Fundo emergencial – Criação de fundos emergenciais estaduais e municipais, com recursos próprios, transferências da União, recursos do Sistema S e doações de empresários e da população, para serem usados em ações prioritárias definidas pelos comitês sanitários. Usar também os recursos destinados à merenda escolar e de outros serviços públicos que se encontrem paralisados.
 
Comitês sanitários – Em cada favela deve ser criado um comitê formado por técnicos do governo e da sociedade, como engenheiros, arquitetos, agentes de saúde, assistentes sociais e lideranças comunitárias, visando identificar as situações de maior vulnerabilidade em termos de moradias sem água, luz ou coleta de lixo, cômodos sem ventilação e com apenas um ponto de água para uso, pessoas com doenças e deficiências que exijam cuidados especiais, famílias em situação de fome e insegurança nutricional, dentre outras.
 
Levantamento dos recursos que a comunidade possui, como comunicadores comunitários, serviços de saúde e assistência social, escolas públicas e privadas, empreendimentos fabris e comerciais, coletivos e grupos de jovens etc. Definição de plano imediato de ação, com abertura de janelas, pontos de água, retirada de pessoas em situação de maior risco e sua alocação em hotéis, distribuição gratuita de cestas básicas e materiais de higiene e remédios, logística para transportar pacientes, dentre outros.
 
Testes em favelas – Priorizar em favelas a aplicação de testes para detecção de pessoas contaminadas e definição de estratégia de isolamento.
 
Comunicação – Utilizar os recursos da comunicação comunitária, de músicos e artistas locais, para mobilizar jovens, crianças e adultos para as medidas de prevenção, em especial a higiene e manutenção do isolamento.
 
Mobilização de recursos públicos e privados, com a requisição do uso de propriedades como hotéis e pousadas, espaços desocupados, empresas de transporte, distribuidoras de gás e outras, para atender às demandas locais.
 
Internet livre – Só será possível manter em isolamento os jovens e adultos se eles puderem ter acesso livre à internet, o que deve ser decretado, obrigando as empresas provedoras a liberação dos serviços nessas áreas.
 
Atividades escolares, culturais, religiosas e de exercícios físicos – Mobilização de professores, artistas, produtores culturais, religiosos e fisioterapeutas para desenvolverem programas de atividades para diferentes faixas etárias, disponibilizados pelo poder público com uso de meios privados e comunitários.
 
Fortalecer a atenção à saúde e à assistência – Reforço do SUS, com contratação de profissionais, treinamento e distribuição imediata de equipamentos de proteção para os profissionais, envolvendo agentes comunitários, profissionais do programa de saúde da família, assistentes dos CRAS e CREAS, unidades básicas e postos de saúde. Fortalecer a gestão do sistema de saúde, visando maior efetividade na transferência de pacientes para os hospitais e reduzindo a peregrinação e os riscos de contágio.
 
Enfim, a pandemia só pode ser enfrentada com mais SUS e mais democracia, ou seja, governo eficiente, transparente, respeitador da cidadania e dos direitos humanos, mobilizador da sociedade e distribuidor de recursos públicos para os que mais necessitam!
 
* Sonia Fleury é pesquisadora do CEE e coordenadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco do Icict/Fiocruz 
 
** Paulo Marchiori Buss já foi diretor da ENSP, é professor emérito da Fiocruz e membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Artigo publicado em 25/3/2020, no site Outras Palavras.
 
Clique aqui para saber mais sobre iniciativas de enfrentamento ao novo coronavírus nas comunidades.

Fonte: CEE

Nenhum comentário para: Periferias e pandemia: Plano de Emergência, já!