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Conferência da OMS: marco importante para saúde pública

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Publicado em:21/10/2011

Elisa Andries

A conferência mais importante realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) fora do calendário da Assembleia Mundial da Saúde - seu principal órgão decisório - aconteceu no Rio de Janeiro, entre os dias 19 e 21 de outubro. A Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde foi um encontro entre governos e sociedade civil para debater estratégias e metodologias e assumir o compromisso coletivo de combate às iniquidades em saúde, através da ação sobre seus determinantes sociais.

Para a diretora-geral da OMS, Margaret Chan – que deu entrevista coletiva à imprensa e participou da solenidade de abertura e de outras atividades no primeiro dia do evento, em Copacabana –, essa foi a maior Reunião de Alto Nível realizada pela OMS fora de sua sede desde a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata, no Cazaquistão, em 1978.

A seguir, trechos da entrevista coletiva à imprensa de Margaret Chan e Alexandre Padilha, ministro da Saúde brasileiro, concedida antes da solenidade de abertura da conferência, realizada no Forte de Copacabana. Na ocasião, Chan ressaltou a importância da participação da sociedade civil na construção de políticas de governo capazes de enfrentar as desigualdades sociais. A diretora-geral da OMS destacou o compromisso do governo brasileiro com esse enfrentamento e a importância do encontro, que reuniu ministros de 60 países e representantes de 120 nações.

Por que a OMS escolheu o Brasil para sediar essa Reunião de Alto Nível sobre os determinantes sociais da saúde?

Margaret Chan:
O Brasil representa o lugar ideal para a realização de um encontro dessa natureza, pois o governo tem feito investimentos contínuos na saúde do seu povo, tratando a questão da desigualdade, da inclusão social. Recentemente, em Reunião de Alto Nível sobre doenças não transmissíveis realizada em Nova Iorque, a presidente Dilma reafirmou que a saúde é questão central entre as suas prioridades e defendeu o acesso a medicamentos como parte do direito humano à saúde. E o País vem dando passos importantes em direção à equidade e ao fortalecimento do seu sistema público de saúde. Entre os resultados desse esforço, observa-se a melhoria da saúde da mulher e a redução do número de casos de câncer no País, entre muitos outros. Para uma sociedade sustentável, devemos sempre observar as políticas governamentais do ponto de vista dos direitos humanos.

Como os países podem assumir o compromisso de combate às iniquidades em saúde, através da ação sobre seus determinantes sociais, e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento econômico?

Margaret Chan:
Estamos observando desigualdades crescentes em muitos países, resultado da crise econômica iniciada em 2008. Falta saúde, oportunidades de emprego, principalmente entre os jovens, habitação etc. Por isso, é de extrema importância que os governos de todo o mundo se unam para discutir os determinantes sociais da saúde. É importante garantir o acesso a serviços sociais – como saúde, educação, água e saneamento – e garantir que as pessoas tenham habitação adequada e que as crianças tenham acesso a nutrição de qualidade. Sem isso, não teremos uma boa sociedade. Há uma melhoria imensa de indicadores de saúde quando a preocupação social consta da agenda política. Um mundo desequilibrado na área de saúde não é estável nem seguro.

Podemos pegar como exemplo o impacto que as doenças crônicas não transmissíveis têm sobre a economia: o equivalente a quase metade (48%) do Produto Interno Bruto Global de 2010. Essas moléstias afetam muito o desenvolvimento, pela perda de renda nacional e por empurrar pessoas para a linha da pobreza. O desenvolvimento diz respeito a tudo o que os governos fazem para o seu povo. Mais uma vez, o Brasil é exemplo nessa área.

E o senhor ministro da Saúde, como vê a oportunidade de o Brasil sediar um evento da OMS?

Alexandre Padilha:
É uma honra enorme o País receber tantos representantes de tantos países para participar de um evento dessa natureza. E foi a própria Margaret Chan que nos lembrou que se trata da maior conferência desde a Alma-Ata, o maior evento da OMS fora da sua sede, desvinculado de sua Assembleia Mundial. A realização do evento foi possibilitada pelo esforço de cada um, inclusive do esforço pessoal de Chan, que reconhece o papel de liderança do Brasil no cenário mundial e acredita no esforço que o País tem feito para reduzir as iniquidades em saúde.

Acreditamos que, com esse evento, estaremos escrevendo um novo capítulo da história da saúde, assim como Alma-Ata; fazendo do evento uma importante referência na área de determinantes sociais da saúde. Será um marco para a história da saúde. Estamos juntos pela equidade, em prol da saúde universal e do acesso de boa qualidade para todos.

Desde quando o Brasil está envolvido com o tema dos determinantes sociais da saúde?

Alexandre Padilha:
O Brasil está envolvido diretamente com esse tema desde a criação, por decreto presidencial, da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, em 2006. A comissão era integrada por pessoas oriundas dos mais diversos setores da vida social, econômica, cultural e científica do país. A comissão foi encerrada em 2008, com a entrega de um relatório ao Ministério da Saúde sobre as causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil.

Parte dessa responsabilidade com o tema dos Determinantes Sociais tem a ver com a nossa tradição e com nossos desafios. Tradição, porque no processo de democratização de nosso país construímos uma Constituição que tem um capítulo que destaca a saúde como direito de todos e dever do Estado; e, entre nossos desafios, a própria OMS reconhece avanços, como a redução em 40% da incidência de tuberculose nos últimos dez anos. Essa redução tem a ver com o fato de o Brasil ter tirado 36 milhões de pessoas da pobreza. Essa ascensão social teve impacto direto na redução da tuberculose. Entretanto, mesmo com todos esses avanços, ainda somos um país extremamente desigual. E o acesso à saúde expressa bem essa desigualdade.

A OMS propõe investimentos dos governos a partir das necessidades de saúde de sua população. Será possível transformar o capitalismo vigente? E qual é o papel da comunicação em saúde?

Margaret Chan:
Diferentes governos têm diferentes estruturas políticas. De qualquer forma, o poder está nas mãos do povo. Cada povo define o que é importante e a sociedade civil é a responsável pelas mudanças mais importantes. O Brasil é mais uma vez exemplo, pois sua sociedade civil tem papel relevante. E isso tem levado a reformas, principalmente no setor saúde, para reduzir as desigualdades sociais. A própria sociedade americana, que enfrenta múltiplos desafios e vive uma crise, conseguiu ampliar a cobertura da saúde para 43 milhões de seus cidadãos.

Em todos os casos, o papel da comunicação, das mídias sociais de maneira geral, é essencial para disseminar e nivelar a informação na sociedade. Um povo bem informado poderá tomar decisões corretas. O papel da mídia é extremamente importante, pois pode garantir que a população vai receber informação de forma correta.

As doenças não transmissíveis, por exemplo, não recebem atenção suficiente da mídia, embora esse conjunto de doenças esteja muito presente em muitos países. A mídia pode transformar essa realidade, informando a população sobre essas doenças, como evitá-las, como elas se desenvolvem etc.

Como tornar a saúde uma política de Estado que sobreviva às políticas de sucessivos governos?

Alexandre Padilha:
As resoluções que saírem dessa conferência se tornarão política de Estado. Essa não é uma conferência de ministros da Saúde nem de membros de governo, pois buscamos o apoio da sociedade para realizá-la. Essa deve ser uma agenda assumida pelo governo brasileiro, pois a sociedade brasileira assumiu o tema central, a agenda social.

Essa é uma conquista recente do nosso país, onde a política social passou a ser central, a partir do governo do presidente Lula e, agora, com a presidenta Dilma. Nosso objetivo é avançar cada vez mais do ponto de vista institucional. Ou seja, transformar a política em marcos institucionais.

Ao longo de mais de duas décadas, enfrentamos várias crises, mas o Brasil nunca renunciou ao seu sistema de saúde universal e público. Entendemos que a saúde deve ser entregue por um sistema de saúde público e universal. O SUS se tornou parte inerente dos nossos valores e é um forte propulsor dos interesses econômicos do nosso país.

Essa conferência ocorre em momento de crise financeira mundial, em que os países fazem cortes exatamente na área social. Como a OMS vai trabalhar para evitar que a crise agrave as mazelas sociais da saúde?

Margaret Chan:
Não devemos cometer os mesmos erros dos anos 1970, nas sucessivas crises do petróleo, alimentar e financeira. Os resultados foram cortes de investimentos em saúde e educação. E esses cortes ecoam até hoje em alguns países, onde o sistema de saúde é extremamente fraco.

Em 2008, quando estourou a crise americana, organizei reunião para falar da importância da manutenção dos investimentos na educação e na saúde. Todos sabemos que os ministérios da Saúde não são os mais poderosos dentro dos governos, mas precisamos saber como convencer os governos a investir em saneamento, assistência etc.

A OMS não tem autoridade para interferir nos governos. O que fazemos é apontar caminhos para evitar cortes drásticos que atinjam a saúde e, em consequência, o desenvolvimento humano. No Brasil, a parceria público-privada tem ajudado a alavancar investimentos na área. É uma experiência importante que podemos compartilhar nos momentos de crise.

Como o senhor avalia as ações do governo brasileiro para evitar a epidemia de dengue já anunciada para o próximo verão, no Rio de Janeiro?

Alexandre Padilha:
A epidemia de dengue é um ótimo exemplo de como os determinantes sociais podem influenciar na saúde. Em janeiro deste ano, logo que assumi a pasta, atualizamos informações sobre o risco de dengue no País. Fizemos uma série de reuniões, de parcerias com serviços de saúde, ampliamos o controle de vigilância etc. Podemos adiantar que 86% dos focos de dengue estão dentro das casas das pessoas e muitos deles têm a ver com a não regularidade de coleta de lixo, falta de saneamento.

No primeiro semestre deste ano, tivemos redução de 40% dos casos de dengue e de 20% dos casos de óbito por dengue. Estamos dando todo apoio aos estados e municípios que estão seguindo nossas orientações. Este é o momento de agir. Ainda estamos fora do período epidêmico. Identificando as casas que precisam ser visitadas, organizando serviços de saúde, capacitando profissionais, estaremos também reduzindo a ameaça de gravidade da doença e os óbitos por dengue no país.

Margaret Chan: A dengue não é grave apenas no Brasil. Nas últimas semanas estive em muitos países que também têm problemas com a doença. A dengue é um exemplo perfeito, que ilustra a força que a população tem para frear a epidemia. Entender o ciclo da doença é importante, pois ainda não há remédio nem vacina para sua prevenção. A prevenção está nas mãos das famílias, das comunidades.

Ações individuais são importantes, como evitar água parada no prato embaixo dos vasos de plantas. A população não pode esperar que os ministros da Saúde resolvam isso. Medidas simples, como colocar uma colher de açúcar ou de sal no prato embaixo dos vasos de plantas, ajudam a evitar a doença. E esse é um papel que a imprensa deve assumir: informar a população sobre como evitar a doença. Nesses casos, os governos só podem agir depois da picada do inseto.

Foto: Peter Illicev


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