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'Desmatamento e queimadas expõem atraso brasileiro na política ambiental'

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Publicado em:23/09/2020

'Desmatamento e queimadas expõem atraso brasileiro na política ambiental'É possível pensar em preservação ambiental com desenvolvimento? Para Luiz Aragão, pesquisador do Inpe, especialista em ecossistemas tropicais, o Brasil é um “líder adormecido da sustentabilidade”. Ele destacou que crescimento econômico sem desenvolvimento é insustentável. “Nós temos a maior floresta tropical, o maior reservatório de água doce, uma das maiores agriculturas do mundo e não estamos usando esses recursos de forma correta para nos destacarmos”, pontuou durante o seminário “Fraturas Ambientais: Consequências para o futuro pós covid-19”, promovido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Confira a reportagem da revista Radis!                                                       
                                                                                                                                                     

"Considerada a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia está no centro do debate sobre a necessidade de preservação ambiental. Os números, porém, revelam um cenário de devastação crescente. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que os focos de queimada na região aumentaram 28% no mês de julho de 2020 em comparação com o mesmo mês do ano passado — foram 6.803 contra 5.318 focos de incêndio. O desmatamento na Amazônia também cresceu 34,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020, segundo levantamento do Inpe divulgado no início de agosto. Em resposta, o presidente Jair Bolsonaro afirmou (11/8) que o Brasil é criticado de “forma injusta” pela maneira como coordena política ambiental e que “essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira”.


É possível pensar em preservação ambiental com desenvolvimento? Para Luiz Aragão, pesquisador do Inpe especialista em ecossistemas tropicais, o Brasil é um “líder adormecido da sustentabilidade”. Ele destacou que crescimento econômico sem desenvolvimento é insustentável. “Nós temos a maior floresta tropical, o maior reservatório de água doce, uma das maiores agriculturas do mundo e não estamos usando esses recursos de forma correta para nos destacarmos”, pontuou durante o seminário “Fraturas Ambientais: Consequências para o futuro pós covid-19”, promovido no canal do YouTube do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em 30 de julho. Segundo o pesquisador, o país é visto como uma ameaça por sua política ambiental.


A área em que Aragão atua é chamada de sensoriamento remoto. Ela permite, por meio de informações de satélites, detectar alterações na superfície terrestre, como queimadas ou áreas desmatadas. Para o cientista, o conceito de “desenvolvimento sustentável” — proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — não é sinônimo de crescimento econômico. “Para desenvolver, não precisa, necessariamente, ter crescimento econômico. Isso é possível, por exemplo, reduzindo a corrupção, dando mais acesso à educação ou diminuído a degradação ambiental”, ressaltou. Ele explica que a ideia desses dois conceitos como sinônimos apareceu ainda no século 19, com o extrativismo intenso que levou à abertura de terras para o desenvolvimento agrícola e industrial e com o uso de recursos naturais para a geração de riqueza sem distribuição de renda — tudo isso em benefício de poucos indivíduos. “A gente está praticando de certa forma um ciclo parecido com esse do século 19”, afirmou.


Segundo o pesquisador do Inpe, o Brasil já demonstrou que é possível reduzir o desmatamento — o país conseguiu diminuir as áreas desmatadas entre 2004 e 2012, quando houve um decréscimo de 2,5 mil km² por ano, com ações e planejamento adotados na política ambiental. De acordo com nota técnica do Laboratório de Ecossistemas e Ciências Ambientais nos Trópicos do Inpe, assinada por Luiz Aragão e outros pesquisadores, entre 1º de agosto de 2019 e 14 de maio de 2020, uma área de 6.059 km² estava associada com alertas de desmatamento na Amazônia Brasileira — que é 1,7 vezes maior, aproximadamente, que a média entre 2016 e 2018 (3.582 km²). “A contenção do desmatamento torna-se imperativa e emergencial a fim de evitar, além da degradação ambiental, a propagação de queimadas e o colapso do sistema de saúde nos estados amazônicos”, afirma o texto.


Povos sob ameaça


Para Aragão, existe um descompasso entre o Brasil e o restante do mundo quando o assunto é política ambiental. “O que a gente observa em 2020 é o oposto do padrão esperado, pois contraria a legislação brasileira e vai contra o conceito de desenvolvimento sustentável colocado pela ONU e que alguns países estão seguindo como meta”, apontou. Para o pesquisador, esse é o momento do país “acordar” para o tema ambiental, compreendendo que o modelo moderno de desenvolvimento econômico envolve sustentabilidade e conservação da biodiversidade.


Entre as respostas do governo, ainda no início deste ano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, reativou o Conselho Nacional da Amazônia Legal, que foi transferido do Ministério do Meio Ambiente e passou a ser presidido pelo vice-presidente, Hamilton Mourão. Uma das funções é “coordenar e integrar as ações governamentais relacionadas à Amazônia Legal” e “propor políticas e iniciativas relacionadas à preservação, proteção e desenvolvimento sustentável”. Em maio, teve início a Operação Verde Brasil 2, com emprego das Forças Armadas em Garantia da Lei e da Ordem na Amazônia Legal para combater, com ações de prevenção e repressão, crimes ambientais ligados a desmatamento ilegal e também focos de incêndio. A operação deve ser estendida até novembro.


No entanto, na visão do ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, Rubens Ricupero, o atual governo sustenta um conjunto de valores hostis ao meio ambiente. “O que temos de fato é uma fratura em relação à Constituição de 1988. Não existe um projeto de construção, mas sim de demolição”, enfatizou também no mesmo seminário. Na sua opinião, os políticos agem em resposta aos estímulos que recebem da sociedade que, como um todo, ainda se encontra em um nível relativamente atrasado de tomada de consciência sobre o tema ambiental. “Nós sabemos que quando há pesquisas de opinião pública sobre esses temas, há maiorias esmagadoras a favor da preservação da Amazônia, contra as queimadas, a favor dos povos indígenas. Mas é uma maioria superficial, que não está pronta a se mobilizar por essa causa”, criticou.


No mesmo debate, Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), destacou o papel dos povos na conservação do meio ambiente. “No planeta todo, os povos indígenas tradicionais estão conservando e sendo uma barreira para o desmatamento”, ressaltou. Levantamento feito pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e divulgado em agosto apontou que, entre 1982 e 2016, houve menos desmate em terras indígenas demarcadas do que fora delas, o que mostra o papel da demarcação no controle do desmatamento. Manuela lembrou que a Constituição de 1988, por meio do artigo 231, trata do direito dos povos indígenas às suas terras como um direito originário, algo que precede a Constituição. “O Estado teria, portanto, o dever de reconhecer, não de outorgar. O direito às terras indígenas não depende do reconhecimento do Estado. E esse é o subterfúgio, atualmente, que está sendo usado para prejudicar a demarcação das terras indígenas”, pontuou.


Segundo a antropóloga, a omissão do Estado brasileiro sobre as terras indígenas se baseia no argumento de que o poder público só tem “responsabilidade sobre as terras indígenas que foram homologadas, as outras não”. “Isso significa que as terras que estão em estudo, que de certa forma já estão implicitamente reconhecidas ou delimitadas, mas não estão homologadas, que é justamente o que a União deve fazer, todas elas desaparecem da responsabilidade do Estado”, diz. Para ela, os efeitos dessa prática podem ser observados na falta de assistência à saúde indígena nessas terras que ainda aguardam homologação — situação que se agrava com a pandemia de covid-19."


*Moniqui Frazão (Estágio supervisionado)

Foto: Greenpeace
 


Fonte: Radis
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