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Pesquisadora da ENSP aponta as principais dificuldades da saúde indígena, antes e depois da Covid-19

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Publicado em:20/08/2020

Pesquisadora da ENSP aponta as principais dificuldades da saúde indígena, antes e depois da Covid-19No dia 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, diversas lideranças e apoiadores do movimento soaram o ‘maracá’ em suas redes sociais, com o objetivo de estimular a solidariedade nacional e internacional em relação à disseminação da Covid-19 entre povos indígenas brasileiros. A ação soma-se a outras frentes no Legislativo e Judiciário, onde a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), parlamentares, pesquisadores e militantes em geral têm cobrado iniciativas para promover o debate e denunciar o que consideram a falta de ações do governo no enfrentamento da pandemia nessas comunidades. Nesta entrevista, Ana Lucia Pontes, professora-pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e coordenadora do Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), explica o contexto da pandemia entre os indígenas e aponta as principais dificuldades, antes e depois da Covid-19. Confira a matéria de Viviane Tavares, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)!
 


Qual era o contexto da saúde indígena antes da pandemia e o que se agravou agora, nesse novo cenário?


O sistema de saúde indígena vem, ao longo dos anos, desde a sua implementação, com alguns problemas estruturais crônicos não resolvidos. Uma questão crônica que ainda não está resolvida e que é uma grande indefinição do sistema é o modelo de execução de contratação [de profissionais]. Eram feitos contratos temporários, inclusive fazendo com que os trabalhadores fossem contratados anualmente. Depois, quando a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] foi criada, passou para um outro modelo, o de conveniados, e que no ano passado, na conjuntura de reorganização do Ministério da Saúde, abriu um precedente de questionamento de ser uma secretaria e não estar dentro da Atenção Primária. Mas, se isso for incorporado, a questão dos  DSEIs [Distritos Sanitários Especiais Indígenas] fica prejudicada. Ano passado, inclusive, era para ter terminado os convênios em novembro mas conseguiu-se prorrogar. Efetivamente, em janeiro de 2020, a gente estava com uma grande indefinição sobre a continuidade do subsistema [de saúde ingígena] a partir de abril. Todos os trabalhadores foram colocados em férias obrigatórias em janeiro e fevereiro e estavam sem aviso prévio em março. A entrada do novo secretário veio junto com uma solução provisória de novo,  que estava prevista para novembro deste ano.


Outra questão que a gente tem visto desde o ano passado, assim como em todo o SUS, é o impacto do tetode gastos [Emenda Constitucional n.º 95]. A gente sabe que as estruturas do subsistema já estavam muito prejudicadas. Com a Covid-19, sabíamos que haveria demanda de espaços específicos para atender assintomáticos, para isolamento, para dar suporte respiratório para pessoas com  quadro de agravamento. É um conjunto de insumos e estruturas que não tinham no subsistema. Então a gente, desde o começo, estava preocupado com essas estruturas. E também já sabendo dessa fragilidade da força de trabalho, somada a de estruturas e também de condições das comunidades para manter esse isolamento.


Outro fator importantíssimo é a questão do controle social porque, desde o ano passado, o decreto 9759/2019 enfraqueceu e extinguiu conselhos. E dentro desse contexto temos o Condisi [Conselho Distrital de Saúde Indígena], espaço que estava muito à frente das discussões e articulações do controle social indígena, que foi extinto. Está na justiça até hoje [a decisão sobre a retomada do conselho] e agora essa discussão [deve ser] retomada na pauta no STF [Supremo Tribunal Federal]. Além disso, tem a questão do diálogo: antes e depois da Covid temos tido dificuldade. Quando a Sesai cria o comitê de crise nacional, por exemplo, não põe nenhuma representação indígena. Isso leva o movimento indígena a demandar representação; daí eles colocam um representante do Condisi. Enfim, é um modo de pensar a política de saúde indígena sem debate ampliado com os indígenas. Antes mesmo da pandemia, o subsistema estava frágil. Ano passado foi um ano crítico para a manutenção da Sesai, com muitas indefinições em relação a como seria a continuidade desse sistema e com definições pouco claras. E o que nos preocupa é [o subsistema passar a] ficar dentro da [Secretaria] Atenção Básica, porque tem um indicativo de que naturalmente vai ser isso. Esse debate obviamente está secundário nesse momento pela questão da Covid, mas é toda uma conjuntura que existia e que nos coloca uma situação de muita preocupação.


   
E como é que tem sido hoje? O que foi feito até agora oficialmente por parte do governo no enfrentamento da pandemia para os indígenas?


O governo, desde meados de março, soltou uma série de dispositivos, notas técnicas e  informes para os distritos. Em março, o plano de contingência nacional soltou as primeiras notas técnicas de orientação para identificação de casos, notificação e procedimentos. O que nos preocupa é que a postura atualmente da Sesai é de que tudo cabe aos distritos. Houve uma certa desresponsabilização da coordenação mais nacional de apoio e garantia de que os distritos teriam mais condições de executar essas resoluções. Os distritos têm poucos  servidores, autonomia bastante limitada, inclusive para realizar  licitação e de  capacidade de execução. O corpo técnico não é dos mais qualificados, tem muita rotatividade. Nos últimos anos vem acontecendo essa tendência de as coordenações de distritos passarem por mais indicação política do que técnica, o que também preocupa na condução das ações. A gente sabia que a estruturação de ações de vigilância no contexto da Covid-19 era central. É preciso  estruturar a vigilância para você detectar casos e minimizar a transmissão, enfim, se ficar focando em só em tratar os doentes não vai resolver.
   


Vai enxugar gelo, né? E era isso que estava acontecendo?


Exatamente. Sendo que você está em um contexto em que o sistema não tem recurso tecnológico para isso. Era fundamental estruturar a vigilância para evitar a entrada do vírus. Mas justamente isso é um tipo de modelo de atuação de equipe de saúde que não é muito consolidada no subsistema. O subsistema de saúde indígena nos distritos ainda trabalha em um modelo que foi criado pela Funai, que é mais de viagens provisórias fazendo atendimentos em campanha, resolvendo emergências, fazendo a remoção de pacientes graves. A atenção primária no subsistema é muito frágil para garantir atendimentos e regularidades. No caso da Covid, a gente sabe que os distritos não iriam conseguir responder a tudo sozinhos, que dependeriam dos municípios e estados para garantir, por exemplo, diagnóstico de PCR, o oxigênio, internação em UTI. Só que essa relação nos níveis local e regional é muito complicada na questão indígena. Em geral, já historicamente, as representações de distritos indígenas não conseguem influenciar e ter tanto peso para receber esse apoio do município e do estado, por isso a saúde indígena é federalizada até hoje. E a Sesai, quando não toma postura de interceder, de brigar de uma maneira contundente, de apoiar essa articulação com o Conass [Conselho Nacional dos Secretários de Saúde], Conasems [Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde] e secretarias municipais e estaduais, fragiliza a capacidade do Dseis de dar respostas. Pelo que a gente ouve das conversas com representantes, muitas demandas dos Dseis não estão sendo atendidas. O total de testes rápidos distribuídos   até junho chegou a cerca de 30 mil, mas a orientação deles não era de testagem ampla, não era vigilância ampla de busca ativa, era só testar quem tinha sintomas. Não é a testagem mais oportuna e nem é feita de maneira ampla. Poderiam agir para evitar a circulação do vírus, mas não é isso que vem acontecendo. A testagem dos profissionais não tem sido feito de forma rigorosa. A gente tem visto distritos, como o de Boa Vista, que tiveram 70% de profissionais contaminados confirmados. Tem outros distritos, como o de  Amapá, que chegou a 50% dos trabalhadores com casos confirmados. Tem pelo menos quatro distritos em que a transmissão em comunidade iniciou com a contaminação de profissionais. Isso a gente está falando de casos confirmados, mas tem ainda aqueles que a gente ouve que estão sem confirmação mas há um forte indício de que aconteceu.
   
E como está a questão dos dados da Sesai? Historicamente isso já é alvo de críticas dos movimentos indígenas.


Esse é outro problema estruturante da Sesai, a falta de dados. O sistema de informação de saúde indígena é uma caixa preta há anos. Nem os dados demográficos são mais disponibilizados., pelo menos até dois anos atrás tinham os dados demográficos desatualizados inclusive. A gente só tem dados consolidados com informes epidemiológicos da Sesai, mas que não permitem uma análise nem controle porque não tem a base de dados disponível. A Sesai diz que tem transparência, mas, efetivamente, ela dá um dado que é insuficiente. E ainda tem um ponto crítico porque a Sesai está fornecendo dados envolvendo áreas indígenas,  e não o dado geral da população indígena. E a gente sabe que existe um contingente de, pelo menos, entre 300 e 400 mil pessoas que estão fora de terras indígenas.


Outro fator que impacta nesse sentido é a qualificação dos trabalhadores para lidar com isso, que seria uma das ações chave para o enfrentamento da Covid. Os trabalhadores deveriam estar devidamente qualificados com as medidas preventivas e seguindo corretamente os procedimentos de cuidado. Mas o qual é a orientação da Sesai? Ela põe uma lista de consulta online. Agora, pergunta se os trabalhadores têm acesso aos meios de comunicação via internet? Já vou te dizer: não. Eu estou desde o começo da pandemia tentando fazer um skype para discutir com uma comunidade indígena e não consigo. Um dos passos importantes, portanto, dependia de estruturar meios de comunicação, garantir meios para emitir essas informaçõe offline, para que as pessoas pudessem levar ao território indígena. Porque quando você entra em área indígena, raramente tem acesso à internet, tem que estruturar outro meio de comunicação, como a radiofonia, por exemplo. Como você qualifica os agentes de saúde, então? Não dá para naturalizar que esse problema vai ser resolver rapidamente. É uma questão chave. Como você leva informação para os agentes indígenas, que são quem está no dia a dia na comunidade? O que ele vai fazer? Como vai ser o fluxo? Você tem fluxos gerais, mas para o fluxo operacional do dia a dia no trabalho não tem orientação.


Recentemente, o STF aprovou um plano emergencial. O que isso significa e como pode impactar a partir de agora na estruturação dessas ações?


Estão acontecendo três frentes diferentes originadas pelo movimento indígena, que historicamente, vem atuando para influenciar e propor a política de saúde indígena. Eles atuam na frente midiática, em termos de levar essa informação, discutir. Atuam também no legislativo, e com eleição da Joênia Wapichana [deputada federal] no ano passado, abriu-se um uma força precedente, que até resultou numa frente parlamentar em defesa dos povos indígenas. Então, desde o começo da pandemia, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil esteve muito na linha de frente, suspendeu eventos antes mesmo da Abrasco, para você ter uma ideia. Eles estavam ligados e monitorando a situação, inclusive acionaram a gente do GT de Saúde Indígena da Abrasco para entender e pedir subsídios sobre as medidas que tinham que ser tomadas, que tipo de recomendações deveriam ser feitas nas comunidades.  Eles foram muito à frente disso e, obviamente, também estavam tentando entender o que o governo iria fazer. Então, uma pauta que a gente discutiu, por exemplo, foi a antecipação da campanha de influenza porque o governo não tinha posto os indígenas no grupo prioritário. Discutimos isso internamente, foi uma das pautas que o grupo da Joenia pegou, bateu isso em vários documento até que, enfim, depois de um mês que a Sesai pediu, conseguiu-se colocar isso.

 

Foi uma discussão em algumas instâncias coletivas e a Frente Parlamentar começou a ter reuniões semanais regulares sobre a questão da Covid. E eu venho desde o ano passado contribuindo com a Frente e é dentro dessa articulação que surgiu o Projeto de Lei 1.142/20, que foi vetado pelo presidente. Esse projeto foi elaborado em março, mas demorou a ir à votação. Esse é um projeto elaborado em conjunto pela Apib, lideranças indígenas, apoiadores da Abrasco e Fiocruz e outros e também diversos parlamentares. Nessa estratégia foi percebida a importância de se pedir recursos extras, para ações que a gente sabia que o subsistema não teria condições de fazer como,  por exemplo, a questão dos respiradores. Para garantir coisas que eram obrigação da Sesai e que ela não cumpre, como a questão do saneamento básico, que foi vetado também. Isso é mais ou menos a mobilização que está na linha do Legislativo. Rapidamente também a Apib organizou eventos para debater como os indígenas poderiam contribuir com o plano. Então, teve o acampamento Terra Livre, que aconteceu virtualmente no final de abril, surgiu a ideia de uma assembleia, que foi chamada de Assembleia da Resistência Indígena para discutir elementos para construção do plano, que se desdobrou em diversas ações como, por exemplo, o monitoramento amplo do caso de óbitos.

 

É isso que leva a essa disparidade enorme entre os casos que a Apib aponta e os casos que a Sesai mostra. E que é um ponto importante porque mostra que o subsistema tem algumas fragilidades, mostra que tem uma população indígena que está em área urbana fora do subsistema que não está sendo assistida. E, por fim, tem a atuação do STF para aprovar esse plano, que foi lançado no final do mês passado e, agora, no dia 9 de agosto, foi consolidado com o grande lançamento da campanha no Dia Internacional dos povos indígenas.

 

Dentro do contexto dessa campanha, há uma frente de apoio às ações de saúde, uma frente de comunicação e informação em saúde, de monitoramento, uma frente de política internacional para incidência e de tentativa de pressão sobre o governo. Esse acionamento do judiciário é sem precedente histórico. A Apib aciona com um conjunto de partidos políticos, porque inicialmente esse tipo de ação de direito fundamental só pode ser feita por alguns tipos de instituições e uma delas são os partidos políticos ou categorias de classe. Movimentos sociais não eram reconhecidos para isso e, dessa vez, tentou-se e foi acatado. Então, é uma ação sem precedentes, é uma ação histórica, que visa a uma questão estruturante da política de saúde indígena. O STF sugere um apoio técnico da Fiocruz e do GT de saúde indígena da Abrasco, por conta dessa relação que a gente veio construindo. O ministro Luis Roberto Barroso toma algumas decisões que são importantes. Uma delas é acatar a necessidade de uma sala de situação e barreiras sanitárias para povos isolados e de recém contato, que é uma questão específica. Toda essa construção e discussão está acontecendo. O governo teve duas reuniões com um grupo, apresentou um documento, a Apib, junto a especialistas, fez outras recomendações e o Barroso pediu para o governo refazer o plano, considerando as contribuições da Apib. A outra medida acatada pelo ministro foi a de que a Sesai deveria, de maneira imediata, estender a assistência à saúde a indígenas em terras não homologadas e indígenas em áreas urbanas. A Sesai não respondeu como e se está executando, então, o Barroso pediu para o governo explicar como está conduzindo a atenção para essas pessoas. O grupo de trabalho formado pela Abrasco e Fiocruz tem tido um debate difícil porque recebemos um plano do governo desatualizado com informações de março e nenhum pedido de demanda técnica específica por parte do governo para discutir ou aprofundar. A gente foi obrigado a comentar o plano, fazendo sugestão dentro do que a gente pensava. E o governo teve que refazer esse plano, que foi apresentado na sexta-feira passada (dia 7). No dia 11 de agosto, o Barroso intimou a Apib, Abrasco e Fiocruz para fazerem a análise do plano que o governo mandou para ver o que precisa complementar e o que precisa ser corrigido. Não tem exatamente um diálogo construtivo e necessário de discussão técnica com o governo, a gente vai caminhar para fazer novamente nossas críticas e recomendações.
   
E em relação às barreiras sanitárias. Como criá-las se foi derrubada a parte no plano do impedimento daexploração ilegal de terras, daqueles que os povos indígenas chamam de invasores?


No documento do governo, quando ele fala de invasores, fala como se os invasores apresentassem documentações e passassem. É quase um aviso: “olha, querem invadir aqui”. E existe um pacote de invasores, segundo o documento do governo, que envolve quem circula na terra. Então, tem os invasores, de fato: os indígenas e até os pesquisadores, segundo a avaliação deles.  Não tem como você equiparar as três situações: invasor é invasor, invasor é ilegal, não é você colocar uma barreira com informativo e testar os invasores, não existe isso. Mas, eles colocam assim. Então, a gente vai brigar por isso…
   
Essa disputa acontecerá neste próximo momento? Ainda há disputa quanto a isso?


Sim, isso ainda está em disputa, com certeza vai haver ainda muita pressão porque a gente está com indicadores muito claros de que isso está aumentando, o desmatamento aumentou muito mais do que no ano passado, que aumentou mais do que ano retrasado, o  garimpo está em expansão. E a gente sabe que, historicamente, esses invasores ilegais são meio de  transporte de doenças. Então, com certeza, o garimpeiro, o invasor ilegal, não é uma pessoa cuidadosa e bem de saúde, eles também são pessoas vulneráveis, que não têm assistência médica. Quem está ganhando com isso, no final, é o cara que estava lá na ponta, que está mandando fazer isso. Então, a ação do STF virou fundamental nesse momento agora porque é a possibilidade de garantir essa participação dos indígenas. Essa medida do Barroso garante a participação de um conjunto de atores importantes para o enfrentamento da Covid. Esse diálogo garante algumas ações que tratam essa pandemia com a gravidade que ela precisa ser tratada no caso das terras indígenas. Não dá para naturalizar quando a gente ouve alguns gestores dizerem que é isso, que essa doença vai chegar, vai transmitir rápido, vai matar algumas pessoas…


Diante desse contexto e dessas dificuldades, qual é o papel dos agentes indígenas de saúde e dos agentes indígenas de saneamento? Eles estão conseguindo atuar?


Eu não estou com muito contato com a base dos agentes. Eu acabei entrando na linha de frente mais ampla nacional e não dei conta de ficar com a ponta. Mas uma coisa no geral que a gente vê é o seguinte: historicamente, os agentes indígenas de saúde e de saneamento eram muito desvalorizados, a gente vê uma postura das equipes e dos gestores de “não vale a pena investir todo o dinheiro”, “não vale a pena ensinar para eles ações técnicas”. No curso que fizemos com a EPSJV/Fiocruz [Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio], a gente propôs, por exemplo, que eles fizessem o preenchimento da curva de crescimento das crianças, que monitorassem a vacina para fazer essa ação contínua, ações de vigilância contínua e não focada só quando aparece um problema. Mas a gente encontrou muita resistência em dar esse tipo de atribuições, a gente chegou a entregar material de trabalho a eles, como balança de pesagem, e depois a equipe levou embora dizendo que os agentes indígenas não tinham que fazer nada disso. Existe ainda uma noção muito grande por aí de que o papel deles é dar um apoio logístico, traduzir, fazer alguns serviços gerais no posto de saúde. E, para os agentes indígenas, isso é muito frustrante. Eles já tinham outro papel antes do subsistema, na década de 1980 e 1990. Eram contratados, treinados e eram responsáveis por algumas ações de saúde, tinham muito mais responsabilidade antes do que quando teve a equipe. Não está claro dentro da organização da vigilância quais atribuições vão dar para os agentes. Dentro do contexto da pandemia, por exemplo, eles têm um papel fundamental. São eles que podem passar informações e orientações preventivas, são eles que conhecem a língua, a realidade e o costume e podem avaliar se aquilo vai ser efetivo ou não. Eles podem pensar junto com as lideranças alternativas para o isolamento, se dentro do contexto que vivem dá para fazer algum tipo de isolamento, eles que conhecem quem está circulando ou não, eles sabem muito mais rapidamente quem está com sintoma ou não. Então, com certeza os agentes deveriam ser a base da estruturação das ações de prevenção e educação em saúde para poder fazer as traduções, se comunicar, comunicar com o resto da equipe, identificar as pessoas que estão com agravamento. A gente acha que eles poderiam inclusive implantar medidas técnicas a partir de protocolo  e supervisão. Os agentes indígenas têm total condições de fazer um teste rápido, uma oximetria para monitorar os casos, porque em contexto em que eles estão em áreas muito remotas, você tem que dar esse tipo de atribuição, obviamente supervisionada, para garantir que se identifique um caso grave precocemente e se faça uma remoção. A gente reconhece nos agentes trabalhadores  estruturantes.


Fonte: EPSJV
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