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Pesquisador da ENSP avalia exposição dos diferentes povos à pandemia do novo coronavírus

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Publicado em:15/07/2020

O último boletim quadrimestral do Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) traz uma entrevista com o pesquisador da ENSP, Paulo Basta, sobre germes que matam mais do que armas em território indígena. Ele também anunciou o lançamento do livro digital 'Pohã Ñana (Plantas Medicinais): Fortalecimento, território e memória Guarani e Kaiowá', em 23/7, produto de pesquisa coordenada por Basta e pela pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, Islândia Carvalho. Confira!

"Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, com foco nas populações indígenas, o médico Paulo Basta avalia a exposição dos diferentes povos à pandemia do novo coronavírus e as múltiplas implicações ambientais, sociais e culturais em torno do problema de saúde pública.

OBSERVAPICS – Quais as consequências da Covid-19 entre indígenas aldeados?

BASTA – A história nos ensina que epidemias causadas por micro-organismos têm consequências catastróficas para povos de origem ancestral. Ao longo dos últimos cinco séculos, diversos grupos foram dizimados ou tiveram perdas populacionais expressivas devido a epidemias de sarampo, varíola, gripe e tuberculose. Em muitas situações podemos dizer que os germes mataram mais do que as armas. Agora, o desafio é o SARS-CoV2. A vulnerabilidade socioambiental acima descrita, a insegurança alimentar presente em muitas aldeias e o limitado acesso aos serviços públicos ofertados pelo Estado favorecem o espalhamento da epidemia e também manifestações clínicas graves da doença que demandam assistência médico-hospitalar de alta complexidade (com a necessidade do uso de equipamentos de ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva, por exemplo), com potencial de provocar elevado número de óbitos. Recente iniciativa do Instituto Socioambiental auxilia no monitoramento da situação indígena na pandemia do novo coronavírus e lembra as consequências das epidemias ao longo da história do Brasil, desde os primeiros anos da colonização portuguesa até a atualidade.

OBSERVAPICS – Que condições sociais e ambientais deixam os povos indígenas da Amazônia, por exemplo, mais vulneráveis nesse momento?

BASTA – Nos últimos meses, garimpeiros se uniram e invadiram terras indígenas e unidades de conservação em várias partes da Amazônia, restabelecendo o cenário vivenciado no início da década de 1980, ainda na ditadura militar, quando houve a primeira corrida do ouro. As consequências sociais, ambientais e para saúde das populações nativas da corrida do ouro foram terríveis, naquela época, e não serão diferentes hoje. Devastação de largas áreas de floresta nativa, ameaça a inúmeras espécies da fauna e da flora local, contaminação dos rios, dos peixes, das pessoas e do todo ecossistema amazônico pelo mercúrio utilizado nos garimpos, além da disseminação de toda sorte de moléstias infecto contagiosas transmitidas pelo contato, incluindo o novo coronavírus. Com a estratégia de confinamento – cientificamente embasada e adotada pela sociedade – e com as recomendações de trabalho em sistema de home office, a frágil estrutura de vigilância ambiental existente no Brasil sofre profundos impactos. Ações de fiscalização dos territórios poderão ser interrompidas, abrindo fronteiras não só aos garimpeiros, mas a madeireiros, grileiros e todo tipo de pessoa interessada em explorar a floresta e seus preciosos recursos naturais. Povos tradicionais da Amazônia, incluindo indígenas, quilombolas e ribeirinhos, estão sujeitos não somente aos efeitos da devastação da floresta e da contaminação dos rios e dos peixes pelo mercúrio, como também aos efeitos da ampliação da epidemia uma vez que criminosos não respeitam regras de quarentena, tampouco trabalham em sistema de home office.

OBSERVAPICS – Quais os impactos culturais do manejo da pandemia?

BASTA – A morte do jovem Yanomami (o primeiro caso de óbito por Covid-19 na comunidade indígena brasileira) é bastante ilustrativo da questão. Para atender regras de biossegurança, após constatado o óbito, o corpo do jovem foi rapidamente enterrado em um caixão lacrado no cemitério de Boa Vista (RR), a fim de evitar a contaminação de outros familiares. Todavia, conforme lembra Bruce Albert, antropólogo francês que se dedica ao povo Yanomami há mais de 40 anos, sepultar um Yanomami sem o consentimento de seus familiares e sem a realização de rituais funerários culturalmente apropriados configura grave infração ética, além de um brutal desrespeito às tradições ancestrais. Esse triste episódio inaugurou uma nova fase no enfrentamento à pandemia da Covid-19. Como prevenir as famílias e os membros da comunidade do contágio com o novo coronavírus e ao mesmo tempo garantir o respeito às tradições e aos sentimentos de pesar e luto dos envolvidos? Vale lembrar que o jovem Yanomami vitimado pela Covid-19 era proveniente da aldeia Helepe, situada na bacia do Rio Uraricoera, num dos locais da Terra Indígena Yanomami mais afetados pelo grande fluxo de garimpeiros . Hoje, estima-se que aproximadamente 20 mil homens estejam explorando ilegalmente ouro e outros minérios, dentro do território Yanomami.

OBSERVAPICS – Que ações governamentais são necessárias para proteção dos povos indígenas?

BASTA – É imprescindível que as autoridades brasileiras passem a considerar os povos indígenas como grupo vulnerável ao novo coronavírus e que se estabeleçam critérios claros para o enfrentamento da doença nos milhares de aldeias indígenas existentes no país. O plano de contingência deve conter ações emergenciais para suprir as demandas da população afetada e ações estruturantes para afiançar que o Brasil vai cumprir a agenda 2030 e atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), notadamente, o ODS 10, que prega a redução das desigualdades, e o ODS 16, que versa sobre paz, justiça e instituições eficazes. É de vital importância que a sociedade brasileira assim como a comunidade internacional sejam sensibilizadas para esse problema e apoiem os povos indígenas na luta contra a invasão de seus territórios tradicionais, contra o garimpo, contra toda forma de violação dos seus direitos e contra o avanço da epidemia de Covid-19.”

 

Paulo Basta fala sobre lançamento de livro digital


O livro digital, a ser lançado pelo ObservaPICS, no dia 23 de julho, Pohã Ñana (Plantas Medicinais): Fortalecimento, território e memória Guarani e Kaiowáé produto da pesquisa Práticas tradicionais de cura e plantas medicinais mais prevalentes entre os indígenas da etnia Guarani-Kaiowá, na região Centro-Oeste, coordenada por mim e por Islândia Carvalho (pesquisadora da Fiocruz Pernambuco). No contexto dessa pesquisa produziu-se também o do-cumentário Mboraihu – O Espírito que nos Une, disponível em https://portal.fiocruz.br/video/2-mboraihu-o-espirito-que-nos-u-ne. Espera-se que os leitores sejam tocados pelas histórias e palavras apresentadas na publicação, valorizando as práticas tradicionais de cura, assim como o diálogo intercultural no campo da saúde, da cultura e dos direitos humanos no Brasil.

A ideia foi registrar o conhecimento tradicional Guarani e Kaiowá, a partir de relatos de experiências ancestrais de rezadores e rezadoras com o uso de plantas medicinais. A obra é um misto de livro-texto e foto livro, para ser lido na academia, pelos povos indígenas e escolares. Foi estruturada em quatro partes: raízes, caule, folhas e sementes.

Na parte I (raízes), os leitores vão conhecer a fonte do conhecimento (rezadores e rezadoras) por meio de suas expressões em retratos cuidadosamente captados nas aldeias e por fragmentos de depoimentos disponíveis no capítulo 1. O capítulo 2 aprofunda a cosmologia, princípios terapêuticos e o xamanismo Guarani e Kaiowá.

Na parte II (caule), o cerne da obra, o capítulo 3 apresenta um catálogo, em guarani e em português, de plantas medicinais utilizadas nas práticas de cuidado em saúde nas comunidades. O capítulo 4 descreve o processo de coleta botânica das plantas medicinais que compõem o livro. No capítulo 5, uma jovem pesquisadora Kaiowá compartilha suas reflexões sobre o uso de plantas medicinais em sua aldeia.Na parte III (folhas), que reúne os capítulos 6 e 7, são descritos os métodos da pesquisa, a importância do território e os aprendizados na interação entre pesquisadores indígenas e não indígenas.

Um conjunto de fotos ilustram os trabalhos de campo em cinco aldeias e numa área de retomada, na região Cone Sul (MS).Na parte IV (sementes), capítulos de 8 a 10, dois jovens pesquisadores, uma indígena e um não indígena, compartilham seus aprendizados ao longo do trabalho. A jovem indígena promove um diálogo intercultural entre os conhecimentos tradicional, dos rezadores e rezadoras, e acadêmico, da interação com a equipe da Fiocruz.

Por fim são apresentadas reflexões sobre potencialidades, limites e desafios para o desenvolvimento de pesquisas no campo da saúde coletiva com populações indígenas.O livro está disponível gratuitamente na BVS e no ObservaPICS: https://go.observapics.org/PohaNana

 

Para acessar o boletim do Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde (Pics), na íntegra, clique aqui.


Fonte: Observa Pics
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