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Covid-19: conheça o panorama da busca pelo tratamento

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Publicado em:27/04/2020
Covid-19: conheça o panorama da busca pelo tratamento *Danielle Monteiro
 
A busca pela cura e as incertezas relacionadas aos medicamentos utilizados no combate à Covid-19 foram tema de sessão virtual realizada no dia 23 de abril pela Área de Políticas, Planejamento, Gestão e Cuidado em Saúde do Programa de Saúde Pública da ENSP. Na ocasião, as pesquisadoras Claudia Osorio e Vera Pepe traçaram um panorama atual acerca das alternativas de tratamento testadas contra o novo coronavírus, que já atingiu o total de 210 países, com confirmação de pouco mais de 2.231.690 milhões de casos e 153.241 mil mortes no mundo.
 
Claudia deu início à palestra destacando uma provável subnotificação de casos e óbitos pela doença em função, principalmente, da limitada disponibilidade de testes diagnósticos. “Cerca de 80% dos afetados são assintomáticos. Dos 20% sintomáticos, aproximadamente 25 a 50% evoluíram para a forma grave da doença e necessita de internação em UTI, onde podem ficar por até 21 dias”, afirmou. 
 
Ela enfatizou que ainda são muitas as incertezas associadas à imunidade e letalidade da Covid-19. Teoricamente, as pessoas ficariam imunes após serem infectadas pelo vírus. No entanto, de acordo com estudos, a janela de proteção de imunidade pode variar muito devido à grande variação de perfil de pacientes. “As pesquisas indicam, por exemplo, que, apesar de indivíduos assintomáticos ou com sintomas leves teoricamente ficarem imunes mais cedo, continuam transmitindo o vírus. E quem tem sintomas graves e está hospitalizado pode transmitir o vírus até os 25 dias seguintes. Então, ainda não sabemos, de fato, quando esses pacientes ficam realmente imunes”, explicou.
 
Claudia comentou que, recentemente, recebeu uma nova referência, que estima 45 dias de contágio pós IgG (anticorpos produzidos quando o organismo entra em contato com algum tipo de microrganismo invasor). “Ainda não sabemos se a negativação viral significa a cura e se, depois de adquirir a IgG, existe algum mecanismo de recidiva (reaparecimento da doença, após período de cura)”, disse. Além de o momento de cura ainda não estar muito claro para a comunidade científica, existe também a possibilidade de resultado falso negativo, segundo a pesquisadora. 
 
Diante desse panorama incerto, várias esferas da sociedade estão mobilizadas na busca pelo tratamento contra a Covid-19. De acordo com a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, é estimado o total de 112 estudos aprovados sobre a doença envolvendo seres humanos, que englobam temáticas como avaliação do impacto do novo coronavírus nos serviços, uso de plasma convalescente no tratamento contra a doença, Covid-19 e gestação, além de pesquisas laboratoriais e com testes diagnósticos, entre outras.
 
Registro e uso de medicamentos: um longo caminho até a aprovação
 
No que diz respeito ao registro e uso de medicamentos, as evidências também estão ainda sendo construídas, segundo Vera Pepe. Ela explicou que os testes realizados com medicamentos para tratar a Covid-19 ainda se encontram nas duas primeiras fases que integram o protocolo padrão de experimentos com fármacos. O caminho é longo até a fase final de todo o processo. A primeira etapa envolve a identificação teórica de um possível novo medicamento. Já a segunda engloba estudos in vitro com testes em moléculas e tecidos, atestando se o fármaco funciona ou não. 
 
A terceira fase indica se o fármaco é ou não tóxico. Se não for, parte-se, então, para a quarta fase, que envolve testes em animais. É essa etapa que verifica se o medicamento é absorvido, onde ele tem ação e se funciona no sistema inteiro. Se os resultados forem positivos, chega o momento de validar a segurança do fármaco, com testes feitos em seres humanos.
 
Os ensaios clínicos realizados em seres humanos são constituídos de quatro fases. A primeira é feita em voluntários, em geral, saudáveis, para avaliar a segurança e tolerância do medicamento. Já na segunda fase, os ensaios são aplicados em pessoas com a doença-alvo, com o objetivo de averiguar a segurança de curto prazo e efetividade potencial do fármaco. A terceira etapa se refere ao ensaio clínico controlado, no qual há um número maior de pessoas, em geral, com a doença-alvo, sendo realizado com o intuito de medir o risco versus benefício de curto e médio prazos, além das reações adversas. 
 
Após a terceira fase, é o momento de as Agências Reguladoras efetuarem o registro do medicamento, caso ele tenha uma boa relação risco x benefício. É a partir de então, já na quarta fase, que o uso do fármaco pode ser analisado na prática clínica por meio de estudos pós-comercialização. É nessa etapa que se averigua o surgimento de novas reações adversas e as estratégias de tratamento. 
 
Mas como adotar esse longo processo no caso de pandemias?
 
Para alívio de todos, as Agências Reguladoras preveem situações de uso emergencial de fármacos. Vera lembrou que a própria Food and Drug Administration – agência reguladora de medicamentos e alimentos do governo americano (FDA, na sigla em inglês) – autoriza o uso de medicamentos experimentais em situações emergenciais, quando não há tempo suficiente para os trâmites normais e alternativas adequadas já aprovadas ou disponíveis. 
 
No Brasil, as agências reguladoras também têm se flexibilizado e permitem, em certos casos, o registro de fármacos antes da produção de ensaios clínicos controlados. “Todos os medicamentos sendo discutidos hoje como alternativas ao tratamento para a Covid-19 estão sendo usados no mundo sob essa lógica da emergência. São fármacos que já existem para outras doenças. É o caso da cloroquina, entre outros”, disse a pesquisadora.
 
Vera lembrou que, no protocolo de manejo da infecção severa respiratória, elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os medicamentos aplicados nos casos de Covid-19 não são recomendados, sendo seu uso indicado somente sob o framework da emergência, com o compromisso de respeitar os seguintes critérios éticos: falta de tempo hábil para iniciar ensaios clínicos imediatamente, existência de recursos disponíveis para garantir a minimização do risco de uso, consentimento do paciente e monitoramento de resultados que sejam compartilhados com a comunidade cientÍfica. 
 
As estratégias de identificação de medicamentos e perspectivas futuras de vacina
 
Como estratégias para identificar possíveis medicamentos, Vera citou a realização de testes com antivirais de amplo espectro já existentes e a possibilidade de desenvolvimento de fármacos-alvo baseados na informação genômica e nas características da Covid-19. “Esta última estratégia, teoricamente, teria maior efetividade, mas o processo pode levar muitos anos”, explicou a pesquisadora. 
 
Entre os medicamentos atualmente utilizados em casos graves de Covid-19, a pesquisadora mencionou o remdesivir, utilizado na epidemia de Ebola, que demonstrou atividade in vitro e in vivo em modelos animais contra os vírus de MERS e SARS, atualmente similar ao SARS-CoV-2. Outra esperança de tratamento é a nitazoxanida (Annita), assim como a cloroquina e a combinação de lopinavir com ritonavir, ambos utilizados no tratamento para HIV. Outra alternativa sendo testada é o uso de plasma de pacientes curados, sendo esSa uma tecnologia mais avançada e promissora. 
 
“Esses medicamentos têm sido usados de forma off label, que significa medicação terapêutica não registrada em nenhum país, com evidência de eficácia e segurança ainda um pouco frágil”, lembrou Vera.
 
De acordo com estudo realizado pelo New England Journal of Medicine apresentado por Claudia, a perspectiva é de uma vacina apenas em 2021. “Ainda temos um ano inteiro de tentativa de modular o tratamento e manejar essa doença e pandemia”, destacou Claudia.
 
Cloroquina: é eficaz ou não?
 
“Ainda não se sabe se a cloroquina funciona ou não”, afirmou Claudia. A pesquisadora lembrou que o primeiro uso do medicamento e seus análogos, como tratamento antibacteriano e antifúngico, ocorreu em 2007, muito antes da pandemia. “Ainda não se sabe, de fato, o que estamos vendo, o que é efetivo, o que não funciona. Hoje, temos doses, contextos e relatos diferentes, além de muitas limitações nos estudos, como amostras pequenas e grupos não comparáveis, sendo, portanto, ainda difícil ter uma ideia concreta a respeito da eficácia da cloroquina”, ressaltou.
 
O mesmo ocorre com a hidroxocloroquina, segundo a pesquisadora. “O ideal seria que todo paciente internado por Covid-19 na UTI, que fez uso da combinação de cloroquina com hidroxocloroquina, se recuperasse e saísse do respirador, mas não é isso que estamos vendo”, aponta. Claudia também destaca que há uma grande variação no uso de doses da combinação, não havendo ainda um consenso a respeito.
 
Nesse contexto, existe, ainda, um protocolo recentemente lançado pelo Ministério da Saúde, baseado no tratamento antimalárico, que, de acordo com a pesquisadora, prevê uma dose razoavelmente alta de cloroquina em cinco dias para pacientes graves ou críticos. “Como esse medicamento foi patenteado em 1947, sendo assim, de uso antigo, já se sabe bastante sobre como lidar com ele. Também é sabido que há uma dose máxima de cloroquina de 25 mg/kg, no caso de uso agudo e subagudo, como o de Covid-19, não importando o tempo em que ela é ministrada. Uma dose de 30 mg/kg já é considerada potencialmente letal”, afirmou. “Não temos evidência robusta que dê suporte ao uso da cloroquina ou da hidroxocloroquina no caso de Covid-19, sendo ela ainda limitada e inconclusiva”, complementou.
 
Claudia citou os diversos medicamentos atualmente testados no tratamento da Covid-19, além da cloroquina e hidroxocloroquina, sendo os principais: remdesivir, plasma e combinação de lopinavir com ritonavir e de hidroxocloroquina com azitromicina. O número de estudos voltados a cada um desses fármacos, no entanto, é baixo, em relação à quantidade de medicamentos testados.
 
Segundo a pesquisadora, apesar de poucos estudos individuais, são grandes as variedades de evidências resultantes desses ensaios, e alguns apresentam efeitos positivos, outros negativos e outros inconclusivos em relação ao uso de medicamentos como rendezevir, cloroquina, plasma de convalescente, hidroxocloroquina e combinação de hidroxocloroquina com azitromicina. “Temos um caminho se delineando, mas, de fato, ainda não existem evidências de nível A para incluir esses medicamentos no protocolo em uma situação normal, fora de emergência. De manhã, aparece uma referência dizendo A e, de tarde, outra dizendo B. Por isso, não sabemos ainda para onde ir. Este é um momento de construção”, destacou.
 
Diante de tantas incertezas, uma coisa é certa para Claudia: “Percebemos que não haverá um único medicamento, mas sim uma série de possibilidades e um protocolo mais complexo de tratamento dessa enfermidade”, concluiu.
 
 


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