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Artigo reflete sobre desafios éticos diante da prática médica impactada pela tecnologia

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Publicado em:04/02/2020
Artigo reflete sobre desafios éticos diante da prática médica impactada pela tecnologiaComo se desenvolveu a medicina de grupo no Brasil, como um intermediário desejado pela população, e as transformações tecnológicas e suas implicações no fazer médico? A reflexão está num artigo da ENSP publicado na revista Divulgação em Saúde para Debate. O objetivo deste artigo foi retratar alguns desafios éticos relacionados com as transformações da prática médica impactada pelo desenvolvimento científico e tecnológico. 
 
De acordo com os autores do artigo Considerações éticas sobre algumas transformações do fazer médico, Sergio Rego e Marisa Marisa Palácios, parte-se da constituição da assistência médica brasileira a partir das primeiras Caixas de Aposentadorias e Pensões e as transformações ocorridas até os dias atuais e seus impactos na relação médico-paciente. “Do ideal do médico e seu paciente à interveniência das empresas médicas e do sistema público, foram forjados diferentes modos de exercício da medicina.” Eles consideram que, com a introdução de novas tecnologias baseadas na Inteligência Artificial, os desafios éticos se apresentam como instigações para o conjunto da sociedade que deverá se posicionar sobre que tipo de intervenção se deve pretender do trabalho médico. 
 
De um lado, dizem os autores, a imensa maioria dos que consultam um médico o fazem ou por meio do plano de saúde do qual é participante, ou por intermédio do sistema público, quando se entende ser um direito do cidadão ter acesso à assistência à saúde. “Quando o intermediário é o plano de saúde privado, entende-se que a pessoa enferma, ou o empregador, paga a um plano de saúde uma mensalidade para que possa usufruir dos serviços de um médico qualquer quando precisar. Ela contrata um intermediário que contrata o médico que fará o serviço.”
 
No caso do serviço público, continua o artigo, o Estado contrata o médico, sendo ele ou ela um servidor público, a serviço da população. “Embora aqui se queira enfatizar que o exercício liberal, sem intermediários do ideal da medicina ainda hoje, está comprometido em ambos os modelos, seja o intermediário uma empresa privada ou o Estado, há grande diferença entre eles.”
 
De outro lado, com o avanço tecnológico, acrescentam os pesquisadores, nem os instrumentos necessários para um atendimento médico cabem mais em sua maleta médica, nem estão limitados ao saber médico tradicional. “O processo de trabalho em saúde sofreu um intenso processo de divisão, horizontal e vertical. Não foram apenas novas especialidades que a modernidade trouxe para o universo da saúde, mas também saberes que não mais estavam subordinados ao saber médico.” No último século, afirmam os autores, o que se viu foi uma transformação absoluta no fazer médico cuja força motriz pode ser atribuída às transformações implementadas pelo complexo industrial e de serviços na saúde.
 
O artigo lembrou da constituição do sistema de saúde brasileiro. O  tipo de serviço, intermediado pelos planos de saúde, teve sua consolidação no Brasil na década de 1980, mas pode ser entendida como parte dos enfrentamentos sobre o papel do Estado na assistência à saúde. Esse debate sobre o papel do Estado na oferta de serviços de saúde é permanente desde a promulgação da Lei Elói Chaves, em 1923. Esta lei estabeleceu as caixas de aposentadoria e pensões que compreendiam aposentadoria, pensões, assistências médica e funeral e que eram organizadas por empresas. Até então, a assistência médica era realizada pelos hospitais vinculados com ordens religiosas e por algumas poucas casas de saúde particulares. 
 
Ao Estado, relata o artigo, cabiam as ações de saúde pública: higienização das cidades, campanhas de vacinação compulsória e, em algumas localidades mais desenvolvidas, a assistência médica de emergência. A associação assistência à saúde e previdência se estabeleceu desde então. O cuidado com a saúde de seus segurados era um benefício a mais oferecido. “Os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) substituíram as Caixas, nos anos 1930, já constituídos por categoria profissional, oferecendo distintos benefícios aos seus segurados. A unificação dos benefícios se deu no início dos anos 1960, com a aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (Lops).”
 
“A criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, se deu com a unificação dos antigos IAPs . Desde a criação da Lops, os setores ligados ao antigo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (Iapi) recusaram a ideia da assistência médica como um direito a ser atendido pelo setor público e vincularam a prestação da assistência aos seus associados a um serviço privado”, lembrou. 
 
Segundo o artigo, um dos planos de saúde pública implementados no Brasil durante a ditadura militar de 1964 (Plano de Pronta Ação – PPA – de 1974), juntamente com a criação no mesmo ano do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS) operou uma grande transferência de capital para o setor privado da saúde, o último financiamento a juros negativos pela Caixa Econômica Federal, para aqueles que desejassem construir unidades de saúde privadas; e, uma vez prontas, eram credenciadas para atenderem os pacientes da previdência social, processo ampliado pelo PPA. “Ou seja, recebiam o financiamento a juros negativos e depois a clientela assegurada, consolidando o modelo de contratação de serviços da rede privada pelo setor público.”
 
Apesar disso, alertaram os autores, ainda havia um forte anseio pela universalização e integração dos diferentes setores e níveis de atenção à saúde. Com as ‘ações integradas da saúde’ e com o chamado Prev-Saúde, os anseios pela universalização e hierarquização do cuidado pareciam que estavam sendo atendidos, costurando-se políticas e consciência crítica para o sonho de um sistema único de saúde. 
 
Para os pesquisadores, esta interpretação do fenômeno da implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), da universalização preconizada pela Reforma Sanitária Brasileira, na medida em que se universalizou o atendimento à saúde, sem a devida expansão da infraestrutura e do pessoal alocado, excluíam-se parcelas da população da assistência pública típica. “A deterioração do serviço público pela falta de investimento público proporcional ao aumento de clientela, à baixa qualidade do atendimento, justificou, para muitas categorias profissionais de trabalhadores organizados, a reivindicação, em suas negociações coletivas, de acesso à medicina privada por meio da chamada medicina de grupo.”
 
Dentre outras questões, o artigo procurou retomar o percurso da assistência médica, desde a medicalização do hospital, quando este se impõe como local da produção do conhecimento médico e da assistência voltada para o cuidado dos corpos doentes. Os autores relataram as transformações por que passou a prática médica, bem como a ascensão e queda do hospital público no Brasil, o assalariamento do médico, cada vez menos autônomo seja pelas determinações dos empregadores, seja pelas determinações dos pares pelos protocolos clínicos. 
 
Nesse cenário, explicou o artigo, é que se expande a tecnologia da Inteligência Artificial, do uso da internet e da expansão de instrumentos cada vez mais sofisticados de coleta e tratamento de informações pessoais de saúde – o Big Data. “Assim, a síntese que parece estar fazendo a Dell em seu novo processo de pensar a medicina do futuro inclui o conhecimento da tecnologia (engenharia), da psicologia, das relações interpessoais, da possibilidade de manejar uma quantidade astronômica de dados; e para quê? Limitar o adoecimento? O que significa prevenir adoecimento? Significa invadir a privacidade das pessoas, impor um modo de vida determinado pelos números?”
 
Que sociedade queremos construir? Que papel ou importância queremos dar à liberdade individual? A medicina deve aprofundar seu papel de determinar o que é certo ou normal? Deve controlar o que as pessoas devem fazer, como se comportar, o que consumir? Esses foram questionamentos colocados pelo artigo. Para os autores, é preciso voltar a considerar a humanidade de médicos e pacientes, para que possamos ainda ter ética no cuidado em saúde, e isso pode e deve ser considerado desde a graduação, se não na própria formação escolar básica. 
 
Para acessar, na íntegra, o artigo Considerações éticas sobre algumas transformações do fazer médico, publicado na revista Divulgação em Saúde para Debate, editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), clique aqui.
 
 

Fonte: Artigo Cebes
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