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Usuários do Caps lançam ferramenta que vai muito além da comunicação

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Publicado em:30/08/2019
Usuários do Caps lançam ferramenta que vai muito além da comunicaçãoLibertar a mente rompendo o silenciamento. Essa foi a ideia dos usuários do Centro de Atenção Psicossocial Carlos Augusto Magal (Caps/Manguinhos) quando resolveram criar um blog para nele dividirem experiências, mas, especialmente, mostrar para outras pessoas que vivem em sofrimento mental que elas não estão sozinhas, que podem ser vistas, ouvidas e, assim, mudar a realidade em que vivem. O lançamento do blog Libertando a mente aconteceu durante o Centro de Estudos Miguel Murat da ENSP. Conheça a plataforma, desenvolvida no âmbito do Laboratório Internet, Saúde e Sociedade, do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (Laiss/CSEGSF/ENSP), e assista aos vídeos do encontro. 
 
O Ceensp teve início com as apresentações de Felipe Pires da Silva e Michele Guimarães Martins – moradores de Manguinhos e usuários do Caps instalado no território -, dois dos dez construtores do blog. Eles contaram como surgiu a ideia desse espaço de visibilidade na internet, o processo de escolha do nome do blog e suas experiências pessoais de vida e saúde com a construção desse projeto. Em seguida, foram exibidos alguns dos vídeos produzidos e protagonizados pelos integrantes da iniciativa. Além de Felipe e Michele, a equipe de escritores do blog é composta de Leandro Costa, Yung França Carilo, Lucas Pereira Fernandes da Silva, Wallace Máximo da Silva, Débora Santos Viana da Silva, Luiz Claudio Henrique, Wellington da Silva Pinheiro e Pedro Henrique Pinto de Barros. 
 
A mesa de debate contou com a participação do pesquisador da ENSP e coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps), Paulo Amarante, da pesquisadora do Icict/Fiocruz, Inesita Araújo, e do coordenador da Área de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Hugo Fagundes. O mediador do encontro foi André Pereira Neto, que, além de pesquisador da Escola, é coordenador do Laiss/CSEGSF/ENSP e principal incentivador da iniciativa. 
 
André explicou que, originalmente, esse projeto se chamava Eu quero entrar na rede, uma analogia à musica Pela internet, de Gilberto Gil. Ele foi aprovado em um edital de divulgação científica, de 2008, lançado pela Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, o que propiciou bolsas de pesquisa a alguns integrantes do projeto. 
 
Essa reunião marcou seu encerramento e formalizou a apresentação de seus resultados à sociedade. No entanto, André Pereira, em nome do Laiss/CSEGSF, da coordenação do Caps Manguinhos e do Laps/ENSP convidou os integrantes da iniciativa a darem continuidade ao projeto utilizando as instalações do Laboratório Internet, Saúde e Sociedade. Com o término do financiamento formal, porém, para continuar mantendo o blog ativo, o responsável pela iniciativa comentou que eles precisarão contar com a colaboração financeira voluntária de apoiadores, adeptos e entusiastas dessa ideia para subsidiar a parte operacional. Em breve, uma vaquinha virtual será criada para tal arrecadação e ficará disponível no blog. 
 
Visivelmente emocionado, André destacou a inversão das apresentações dos convidados. “Trouxemos usuários de um Centro de Atenção Psicossocial para serem protagonistas de um Ceensp – reunião máxima acadêmica da Escola Nacional de Saúde Pública -, suas falas aconteceram antes dos pesquisadores da instituição. Por isso nossa experiência é inaugural nesta casa. Além disso, ela é única e histórica para mim, para vocês e para essa instituição que é a Fiocruz”, salientou ele. 
 
 
 
Um Caps que nasceu com a marca da ousadia
 
Hugo Fagundes lembrou o fato do Caps/Manguinhos ter surgido de forma absolutamente integrada à comunidade, na lógica de acompanhamento territorial da atenção primária. Além disso, foi um Caps que aceitou o desafio de lidar não apenas com a comunidade de Manguinhos, mas, entendendo que os recursos da cidade eram poucos, também assumiu o atendimento da comunidade do Complexo da Maré. 
 
“O Caps Carlos Augusto Magal já nasceu com a marca da ousadia. Ele foi uma unidade conquistada, fruto de muita luta da comunidade, apesar de muitos não acreditarem que ele seria possível. Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história, construindo um desenho no qual o protagonismo dos usuários recebe o reconhecimento e o investimento de uma instituição como a Escola Nacional de Saúde Pública. Isso só acontece porque há uma compreensão de que esse é um projeto de vida. O SUS é uma das nossas possibilidades de construir uma sociedade mais solidária. Pelo caminho do Libertando a Mente, vocês, libertariamente, buscam que o nosso povo tenha voz, apesar de todo o rosnado e latido daqueles que de alguma forma ocuparam o poder, mas não estarão lá para sempre”, disse Fagundes esperançoso.
 

 
 
Blogueiros: uma nova relação dos usuários do Caps Magal com a vida
 
“Esse trabalho trouxe uma transformação fundamental para esses sujeitos em relação à vida”, disse Paulo Amarante, comentando a iniciativa de construção do blog. Segundo ele, toda vez que se fala em mente, saúde mental e afins, imagens de cérebro, máquinas e engrenagens são utilizadas para ilustrar o tema. Há uma marca enraizada de que mente é mecanismo, mas vai além. Ela é primordialmente subjetividade, emoção. 
 
O pesquisador detalhou que aprendemos a aceitar que o problema mental é bioquímico ou hereditário e, portanto, deve ser tratado bioquimicamente. “A prática da saúde mental e atenção psicossocial no Brasil mostrou que o sofrimento mental não é uma experiência de defeito químico, genético ou orgânico. Ela passa pelas relações humanas. Portanto, o tratamento, se em determinado momento depende também de alguma forma de química, ele é fundamentalmente a transformação das relações. Foi sobre isso que falamos quando desenhamos o projeto da saúde mental da reforma psiquiátrica brasileira. O que se buscou foi transformar a relação da sociedade com aquele que é considerado louco, doente ou portador de transtorno. Expressões, aliás, que cientificamente não querem dizer nada”.
 
Amarante se posicionou contra a ideia de se autointitular para o resto da vida como usuário de um Caps, doente mental ou portador de transtorno. “Não precisamos dizer a vida inteira que somos de determinado lugar ou time de futebol como uma identidade principal. Para cada lugar eu tenho uma referência diferente. E aqui esses indivíduos se tornaram blogueiros, transformaram sua relação com a sociedade, pois aprenderam que podem identificar-se de outra forma. Com isso, transformaram também a forma como a sociedade lida com esses temas e sujeitos”.
 

 
Comunico, logo sou
 
Antes de iniciar sua exposição, Inesita Araújo, destacou que não estava ali como palestrante, pois tal termo facultava a ela o poder da fala, como uma voz autorizada. O que, em sentido contrário, descredenciava outros participantes a esse espaço. “Enquanto mantivermos esse esquema no qual a voz de um vale mais que a do outro, estaremos colaborando com a concentração do direito de falar e, assim, com o silenciamento de muitos. Afinal, estamos aqui hoje para um evento que valoriza o direito ampliado e universal de falar e ser ouvido! Celebrando o lançamento de um blog que se inscreve na iniciativa de rompimento do silêncio que foi historicamente imposto a diversos grupos sociais, entre eles pesssoas que em algum momento da vida receberam um diagnóstico de transtorno de saúde mental”, defendeu ela. 
 
Essa iniciativa, de acordo com Inesita, transforma o silêncio em linguagem e ação. Com o blog, disse ela, vocês estão dizendo nas linhas e entrelinhas que querem ser agentes de suas presenças públicas no mundo. “A secular frase do filósofo francês René Descartes: “Penso, logo existo” queria expressar que a condição da existência era o pensamento. Mas, atualmente, a visibilidade é cada vez mais condição de existência. Não basta pensar, tem que ser visto, estar no espaço público, que é cada vez mais o espaço digital. Portanto, mudando a frase do antigo filósofo: “Comunico, logo sou”. É isso que vocês estão fazendo no blog Libertando a Mente, romperam o silêncio e venceram o medo que todos nós temos de falar publicamente.
 



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