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'A Mortalidade Materna é maior em mulheres negras, é inadmissível que tenhamos discriminação expressa nos nossos indicadores de saúde'

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Publicado em:20/09/2018
Maria do Carmo Leal, conhecida por colegas e alunos como Duca, coordenou a pesquisa Nascer nas Prisões, cujos dados foram utilizados na argumentação a favor do habeas corpus coletivo para que as grávidas e mulheres que têm filhos até 12 anos fiquem em prisão domiciliar. Vitória importante dos direitos humanos. Antes disso, Duca coordenou a pesquisa nacional sobre “Nascer no Brasil”, cujos resultados vêm sendo trabalhados por diversos setores, seu grupo inclusive, para fazer do parto uma experiência positiva, sob o controle das próprias mulheres. Em entrevista sobre a mortalidade materna no Brasil, Duca frisa que o desfinanciamento do SUS pode colaborar e provavelmente está colaborando para a situação que estamos vivendo agora:
 
“Falta de insumos, medicamentos, profissionais desestimulados com a falta de condições mínimas para trabalhar, aliado ao aumento da pobreza das classes populares, todos juntos podem contribuir para o atraso (por falta de dinheiro) na chegada à maternidade e, uma vez dentro dos serviços de saúde pode se defrontar com dificuldades ou insuficiências para dar a resposta adequada. A Mortalidade Materna é maior em mulheres negras, as mais vulneráveis socialmente e essa é outra coisa inadmissível, que tenhamos discriminação expressa nos nossos indicadores de saúde. É triste estarmos assistindo o aumento da mortalidade materna, infantil, de queda nas coberturas de imunização e epidemias. Não podemos aceitar que depois de tantas conquistas, estejamos caminhando para trás”, alerta Duca. Confira a entrevista Abrasco com Maria do Carmo Leal:
 
Qual a situação da notificação da mortalidade materna no Brasil?
 
'A Mortalidade Materna é maior em mulheres negras, é inadmissível que tenhamos discriminação expressa nos nossos indicadores de saúde'Maria do Carmo – O Brasil é um país com elevada taxa de Mortalidade Materna (MM), de 62/1000.000 nascidos vivos e que no ano de 2017 aumentou para 64/100.000 nv, aumento esse que foi maior no Norte e Nordeste, segundo o Ministério da Saúde. A redução da Mortalidade Materna foi um dos piores indicadores que o Brasil apresentou quando prestou contas às Nações Unidas, em 2015, sobre o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Na verdade, entre 1990 e 2015 o Brasil reduziu a MM em 43%, mas o compromisso era de redução de 2/3, ou seja, 66%. Muito embora é preciso destacar que nesse intervalo de tempo a cobertura da atenção pré-natal e da assistência ao parto hospitalar tornaram-se universais, abrangendo praticamente todas as mulheres (98 a 99%). Também ampliou paulatinamente a investigação de óbitos ocorridos em mulheres em idade fértil, buscando reduzir a subnotificação dos óbitos maternos. Ou seja, provavelmente a taxa de MM em 1990 era maior do que a que o país apresentava e a que é informada hoje está muito próxima da real taxa de MM.
 
Um país que altos números de óbito materno é um país com alta desvalorização e falta de cuidado com a mulher?
 
Maria do Carmo – Eu acho que podemos afirmar isso, com base na comparação do desempenho do país em anos mais recentes frente a mortalidade na infância e a outras melhorias sociais. É impressionante termos uma taxa de MM 10 vezes maior que os países europeus, com uma cobertura pré-natal tão elevada e com uma rede de serviços de atenção hospitalar tão espalhada pelo pais. Oportunidade estão sendo perdidas para identificar mulheres de risco durante o pré-natal e dar a elas um tratamento especial, como recomendado. Podemos dizer também, porque vimos isto na pesquisa Nascer no Brasil, que há ainda uma baixa qualidade na atenção ao parto para as mulheres de baixo risco, que representa a maioria, e que também morrem por causas maternas. Somando a tudo isso, precisa ocorrer uma descriminalização do aborto, causa de morte que está aumentando, pois era a quinta causa em ordem de importância e agora já é a terceira. Para baixar a Mortalidade Materna é necessário que os serviços de saúde atendam com atenção e qualidade durante a gestação, parto e puerpério e a população, de um modo geral, dê o devido valor à mulher e respeitem sua autonomia reprodutiva, eliminando o aborto inseguro.
 
Hipertensão, hemorragias, infecções e aborto: evitáveis, causas diretas, causas que se bem tratadas num pré-natal adequado e/ou com uma boa atenção no parto, as mulheres não morreriam?
 
Maria do Carmo – Essas são causas de morte chamadas de diretas e que têm menor expressão nos países desenvolvidos porque são evitáveis por uma boa assistência ao pré-natal e parto. Quando se identifica alguns desses problemas durante o pré-natal pode-se tratar e o risco passa a ser controlado de perto, com um acompanhamento mais cuidadoso. Mas outras causas ocorrem no momento do trabalho de parto e parto e o segredo é ter condição para resolve-las imediatamente, sem perda de tempo. Há urgência nessa atenção que demanda procedimentos mais complexos e disponibilidade de recursos de apoio como bolsas de sangue, UTI para adultos, presença de profissionais qualificados, anestesistas, cirurgiões, etc. Se a unidade não dispõe disso, a transferência se faz necessário e a identificação precoce e transporte oportuno pode salvar a vida dessa mulheres.
 
O SUS, como principal fonte de acesso a saúde de mulheres negras no Brasil, quando sob ataque: pode impactar a mortalidade materna dessas mulheres negras?
 
Maria do Carmo – Por tudo que já foi comentado se pode perceber que o desfinanciamento do SUS pode colaborar e provavelmente está colaborando para a situação que estamos vivendo agora. Falta de insumos, medicamentos, profissionais desestimulados com a falta de condições mínimas para trabalhar, aliado ao aumento da pobreza das classes populares, todos juntos podem contribuir para o atraso (por falta de dinheiro) na chegada à maternidade e, uma vez dentro dos serviços de saúde pode se defrontar com dificuldades ou insuficiências para dar a resposta adequada. A MM é maior em mulheres negras, as mais vulneráveis socialmente e essa é outra coisa inadmissível, que tenhamos discriminação expressa nos nossos indicadores de saúde. É triste estarmos assistindo o aumento da mortalidade materna, infantil, de queda nas coberturas de imunização e epidemias. Não podemos aceitar que depois de tantas conquistas, estejamos caminhando para trás.
 

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