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Perdas de investimentos podem colocar a saúde brasileira de volta à posição de refém na área de inovação, dizem especialistas à Radis

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Publicado em:14/06/2017
Perdas de investimentos podem colocar a saúde brasileira de volta à posição de refém na área de inovação, dizem especialistas à RadisA reportagem da Radis de junho Ciência made in Brasil alerta para os cortes na área de ciência, tecnologia e inovações que colocam em xeque a autonomia do complexo industrial e produtivo do Sistema Único de Saúde (SUS). “As perdas de investimentos podem colocar a saúde brasileira de volta à posição de ‘refém’ na área de inovação e do complexo econômico e industrial, na contramão da busca pela autonomia científica, apontam os especialistas ouvidos pelo repórter Luiz Felipe Stevanim. No fim de março deste ano, o corte anunciado para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) foi de R$ 2,2 bilhões, correspondente a 44% das verbas da área — com isso, o orçamento do setor será o mais baixo dos últimos 12 anos, segundo a revista britânica Nature, uma das mais importantes publicações da área científica no mundo. O ajuste se soma a outras medidas, como a PEC do Teto dos Gastos Públicos, aprovada no fim de 2016, que congelou por 20 anos os investimentos governamentais: segundo a nova regra, o governo poderá aplicar somente o valor gasto no ano anterior, corrigido pela inflação. “As perspectivas são alarmantes”, afirma Laís Silveira Costa, vice-líder do Grupo de Pesquisa em Inovação em Saúde (GIS) da Fiocruz e pesquisadora da ENSP, uma das especialistas entrevistadas. Para ela, a reversão na trajetória de investimentos deve gerar danos para o chamado complexo econômico e industrial da saúde. “O corte de gastos torna perene uma condição de dependência e injustiça, e nos mantém atados a um sistema produtivo e de distribuição que favorece o consumo de poucos em detrimento da atenção à necessidade da maioria”, destaca.
 
De acordo com a revista, o chamado “complexo econômico e industrial da saúde” é formado por um conjunto de setores com atividades produtivas, que envolvem desde a pesquisa e o desenvolvimento de inovações até a prestação de serviços. Nele estão incluídas as indústrias farmacêuticas, de vacinas, de hemoderivados e reagentes para diagnóstico, as fábricas de equipamentos e materiais (como órteses e próteses) e os prestadores de serviços. Para a pesquisadora da ENSP Laís, é preciso um olhar sistêmico sobre esse setor importante da economia brasileira, levando em conta os interesses a que ele atende e quais seus possíveis benefícios para a sociedade. “Infelizmente, o que se observa hoje é a concentração da grande maioria dos recursos de pesquisa e desenvolvimento em saúde para atender a necessidade de uma minoria da população mundial”, reflete.
 
A inovação em saúde não é neutra, adverte a pesquisadora. De acordo com os interesses envolvidos, ela pode beneficiar o conjunto da população ou apenas um grupo minoritário, atraído pelo lucro com a venda de produtos e serviços. “Países que dominam estas tecnologias ditam as trajetórias tecnológicas a serem adotadas”, explica. Ela cita o exemplo de inovações extremamente caras e sem efetividade comprovada, que servem apenas ao interesse mercadológico. O mesmo acontece com a utilização de recursos diagnósticos em situações em que bastaria um exame clínico. “O uso de tecnologias cuja necessidade ou benefício não seja evidente tende a ‘raptar’ recursos de outros pontos do sistema, prejudicando a população e acentuando as desigualdades”, acrescenta. Por isso, é essencial que a política de ciência, tecnologia e inovação em saúde esteja a serviço do SUS e da promoção da saúde e da qualidade de vida da população.
 
Conforme disse Laís à Radis, mesmo com uma trajetória de aumento nos investimentos no setor produtivo da saúde, o Brasil não conseguiu alcançar a escala necessária para superar a dependência tecnológica — o que se agrava com os cortes. “Fomos capazes de tirar do papel e alavancar iniciativas relevantes, mas teríamos que dar continuidade, planejar e sustentar políticas industrias e de inovação voltadas para o SUS”, afirma. Segundo ela, o volume de recursos aportados para o desenvolvimento tecnológico na área de saúde tem sido claramente insuficiente. As políticas de saúde podem ficar reféns de cadeias de valor ditadas pelo mercado, com riscos sociais para toda a população. “Ficamos vulneráveis quando nos deparamos com cenários de crise econômica ou mudanças nas políticas cambiais, ameaçando a continuidade de tratamentos e ações de promoção e prevenção”, explica Laís. Para ela, a dependência tecnológica está ligada à perda de alternativas para a implementação de políticas de saúde efetivas. 
 
No horizonte, o que está sob ameaça é a garantia do direito à saúde, afirmado pela Constituição de 1988. “Se não tivermos autonomia e capacidade para formular soluções criativas voltadas para resgatar da vulnerabilidade uma população tradicionalmente marginalizada, o projeto civilizatório instituído na Constituição Federal corre o risco de falir de vez”, analisa. Na sua avaliação, a perda de investimentos só agrava um cenário de dependência. “O corte orçamentário proposto pelo governo sinaliza uma decisão política de abandonar o projeto de um sistema universal e de buscar inovações que possam ser compartilhadas pelo conjunto da população”, destaca. Segundo ela, essa postura política faz parte de uma visão que coloca o Brasil de forma subordinada na economia global, atendendo aos interesses dos grandes conglomerados financeiros. 
 
A matéria na íntegra está disponível na Radis de junho de 2017.
 

Fonte: Ciência made in Brasil
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Divulgação Científica Radis

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