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Egressos debateram desafios entre teoria e prática no campo da Saúde do Trabalhador

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Publicado em:04/01/2017
Egressos debateram desafios entre teoria e prática no campo da Saúde do TrabalhadorUma lupa sobre um trabalho que já realizava. É assim que Graça Alcântara vê o curso de Especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana do Cesteh/ENSP, no qual acaba de se formar. Assistente social no Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, Graça foi uma das debatedoras do encontro Memórias de estudantes: o curso de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana na perspectiva dos egressos. Também participaram da atividade como debatedores o biólogo André Luiz Machado, que terminou sua especialização em 2014 e, hoje, atua como técnico em Saúde do Trabalhador em Seropédica, no interior do Estado do Rio, e Antônia Ignez, engenheira em segurança do trabalho, que atua no Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro e fez sua especialização no Cesteh em 1991. O debate foi moderado pelo coodenador de ensino do Cesteh, Gideon Borges.
Além de celebrar os 30 anos do curso de especialização e ressaltar a importância que ele teve na formação pessoal e profissional dos alunos, o encontro foi uma oportunidade para refletir sobre as contradições e tensões que existem entre teoria e prática no campo da Saúde do Trabalhador, como lembrou Gideon ao final do evento.
 
- A ideia de fazer esse encontro, primeiro, foi respeitar algo que é muito caro ao nosso campo, ou seja, essa aproximação com os trabalhadores. No caso, aqui, são alunos trabalhadores, e acho que eles trouxeram dados muito interessantes, como o papel do curso na formação de vínculos, amizades e acabam construindo uma certa rede. Mas eles também trazem desafios, mostram lacunas e falam das dificuldades de implementar a saúde do trabalhador in loco. Um exemplo: aqui, temos representantes de sindicatos de petroleiros que são um grupo que busca a saúde suplementar. Não fazem uso do SUS. No entanto, estamos em uma casa que existe para formar para o SUS; então, já há uma tensão colocada. Como se faz saúde do trabalhador na perspectiva do SUS para um grupo que não reconhece o sistema como um espaço importante na questão da saúde?
 
Sobre as dificuldades de quem atua na prática da Saúde do Trabalhador, Antônia Ignês citou a grande demanda diária que limita a aplicação de conhecimentos teóricos adquiridos e também o direcionamento das investigações dos acidentes sempre tendendo a colocar a culpa sobre os trabalhadores.
 
- Há uma teoria que você gostaria de aplicar, mas, na prática, é limitada. Todo dia tem uma resposta imediata a se dar. Então, as coisas não conseguem ser tão planejadas como são na academia. Um problema que enfrentamos diz respeito às Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT). Elas são padronizadas, mas vêm com poucas informações. Nós criticávamos as CATs nos anos 1990, porque cada um as preenchia como queria, mas a padronização de resposta também não é muito boa, porque a culpa é sempre do trabalhador. A gente tem dados, mas não tem pernas pra trabalhar esses dados. Com essa padronização, são perdidas muitas ferramentas. Nas demandas da Cipa, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, que são as que a gente trabalha, apesar do chamado "ato inseguro", o rótulo de que a culpa é do trabalhador já está sendo superado. Há um caminho, um direcionamento da análise de acidentes, como se a culpa fosse do trabalhador. A própria maneira de adoecer: os exames com biomarcadores mostram o adoecimento, mas as análises  que são feitas culpam hábitos alimentares, ou é porque a pessoa fuma, bebe, nunca a causa é o ambiente de trabalho. O capital conseguiu se organizar muito, e nós trabalhadores não estamos conseguindo nos contrapor a isso.
 
André Luiz Machado, ao relatar sua experiência em Seropédica, também falou das dificuldades enfrentadas.
 
- Como nós não temos hospital, a captação dos acidentes de trabalho é um pouco dificultada. Temos um centro de referência médica, e ali a gente capta alguns acidentes, mas geralmente, quando é algo mais complexo, o trabalhador vai para outro município. Tentamos fazer investigações, mas como o programa ainda não foi implementado, temos dificuldade em avançar. A gente passa para a vigilância peritológica e notifica o caso, mas fica difícil de acompanhar.
 
Graça Alcântara relatou, também, que é no campo da saúde mental que se dá a maior parte das demandas de seu sindicato com relação à Saúde do Trabalhador, mas o sofrimento psíquico e sua relação com os processos de trabalho, muitas vezes, não são notados pelos trabalhadores.
 
- A forma como o trabalho está organizado não permite que o trabalhador tenha essa crítica. O trabalhador chega para o atendimento e sempre traz um problema de coluna, uma perna machucada. Mas o adoecimento com relação à saúde mental já está presente, e ele só o percebe quando começa a pensar sobre essas relações, sobre o trabalho.
 
Terceirização
 
Perguntados sobre a atual perspectiva de luta para os trabalhadores no cenário de aumento da precarização dos direitos trabalhistas e crise econômica, os ex-alunos falaram praticamente em uníssono contra as terceirizações e o sofrimento que impõe aos trabalhadores.
 
- No município de Seropédica, boa parte dos trabalhadores são terceirizados. Nós vemos o sofrimento que isso causa. São contratos frágeis. Por qualquer motivo, o trabalhador pode ser demitido, a qualquer momento. Às vezes, a pessoa é demitida próximo ao fim do ano, o que gera sofrimento grande. Inclusive, neste momento, o município decretou falência e está reduzindo seu quadro de funcionários. Esse tipo de vínculo é muito cruel com o trabalhador, lembrou André Luiz.
 
Além da fragilidade de contratos, a terceirização gera, ainda, outros problemas, como a discriminação entre trabalhadores.
 
- Às vezes, na mesma sala, o trabalhador terceirizado tem uma condição de trabalho, e o trabalhador próprio da empresa outra. O próprio recebe plano de saúde, ticket refeição, abonos, férias. O terceirizado não tem tantos benefícios, recebe uma carga de trabalho igual ou pior e fica ali com medo de perder o emprego, porque não tem a garantia. Agora, as empresas demitiram todos os terceirizados com essa expectativa de o Senado aprovar a nova lei e provavelmente estão aguardando para recontratar os trabalhadores em condições ainda mais precárias, disse Graça Alcântara.  
 
Antonia Ignês lembrou, ainda, que são os trabalhadores que pagam as contas mais amargas das crises.
 
- Com esses escândalos de corrupção, o trabalhador foi o mais vitimado. O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), por exemplo, está parado. As pessoas estão na rua, vendendo pipoca, castanha, para pagar as contas.
 
União como saída
 
Graça, André e Antônia também concordaram em outro ponto: "É na união dos trabalhadores, superando antigas diferenças, que está a saída para crise."
 
- Mesmo com posturas diferentes, há a necessidade de os trabalhadores se juntarem. É como se tivéssemos caído em um poço e não chegamos no fundo. Já estamos perdendo direitos; a cada dia, isso fica mais evidente. Então, precisamos nos unir para não sermos mais massacrados, disse Graça.
 
- Estamos tentando nos organizar para sermos mais combativos. Ainda é pouco. É preciso pensar também a importância da comunicação. As mensagens que a mídia passa é a de que essa exploração, esse desrespeito aos direitos trabalhistas, é natural. Precisamos nos comunicar para contrapor desinformação, lembrou Antônia.
 
- É preciso haver união, quebrar as castas que compartimentam. Temos que formar um conjunto só. Os empresários se unem, eles são poucos às vezes, mas têm um poder enorme, porque falam a mesma língua. O trabalhador, não. Enquanto está cômodo pra categoria dele, não se mexe, criticou André.
 
Essa dificuldade de união se reflete no baixo número de trabalhadores sindicalizados. Na área da Bacia de Campos, por exemplo, são 12 mil trabalhadores vinculados ao Sindicato dos Petroleiros, mas circulam por lá quase 90 mil trabalhadores. Para Graça Alcântara, é falando para esses trabalhadores que se dará o enfrentamento da atual crise.
 
- Então, há um conjunto para o qual você precisa falar. São "N"sindicatos, com um recorte muito grande, dificultando muito o processo de organização. Mas com essa crise, com a forma com que os direitos estão sendo atropelados, vai chegar um momento em que vão ter que se juntar, vai ter que ter um denominador comum entre todas essas categorias para estancar isso aí. Como aprendemos quando criança, quando não é no amor é na dor; e na luta dos trabalhadores, tudo é na dor. Nada vem de mão beijada. Tudo chega pelo enfrentamento, pela resistência.

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