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Para diretor da ENSP, aceitar criação de planos baratos é abandonar o SUS

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Publicado em:08/08/2016

Para diretor da ENSP, aceitar criação de planos baratos é abandonar o SUSNa véspera da abertura das Olimpíadas, dia 4 de agosto, o Ministério da Saúde publicou uma portaria que cria um grupo de trabalho para discutir a formatação de planos de saúde baratos e com cobertura reduzida. Os defensores da proposta, que já vinha sendo ventilada pelo ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, argumentam que esses planos ajudariam a desafogar o Sistema Único de Saúde. Entidades médicas, da saúde pública e de defesa do consumidor criticam a proposta, vista como lesiva aos usuários, que terão uma cobertura precária, necessitando recorrer ao SUS em casos de maior complexidade. Aqueles que defendem os princípios da Reforma Sanitária, movimento que nasce na redemocratização do país, nos anos 1980 e não só lançou as bases do SUS, mas garantiu no texto constitucional a saúde como direito de todos e dever do Estado, veem no projeto de criação de planos de saúde baratos mais um passo para o desmonte do já fragilizado Sistema de Saúde brasileiro.

A portaria publicada pelo governo interino convoca para a formação do grupo de trabalho apenas o Ministério da Saúde, donos de planos de saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, que regula o setor. A ANS, entretanto, divulgou nota dizendo não ter conhecimento da formação do grupo e reafirmando sua autonomia legal para regular o setor de planos de saúde.

Entre os grupos que criticaram a proposta estão, o Conselho Federal de Medicina, que enviou nota afirmando que planos de saúde baratos vão beneficiar apenas os empresários. A  Sociedade Brasileira de Pediatria, muito oportunamente, lembrou, em sua nota de repúdio, que a Inglaterra, na abertura das últimas Olimpíadas, em Londres, 2012, falou com orgulho de seu sistema de saúde, e, quatro anos depois, o governo brasileiro faz o contrário com o seu ao propor planos privados baratos para a população. Duas das mais importantes entidades defensoras dos princípios da Reforma Sanitária, o Centro de Estudos Brasileiros da Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) também lançaram textos repudiando a proposta do governo interino. A Abrasco declarou que irá à Justiça, junto com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), caso o governo autorize a venda dos planos com cobertura reduzida. Em julho deste ano, José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, escreveu o artigo Saúde aviltada - ocasião em que também questinou a medida.

A ENSP realizará, na próxima quinta-feira, às 10 horas, no Salão Internacional (4° andar), um Conselho Deliberativo ampliado para discutir esse e outros assuntos relacionados à atual conjuntura política em que se sobrepõe ataques à democracia, aos direitos conquistados e ao SUS. O tema dos planos baratos também será debatido.

Hermano Castro, diretor da Escola, conversou com o Informe ENSP sobre o assunto. Para ele, além de venderem uma mentira, os planos baratos são parte do avanço sobre direitos conquistados que caracterizam o governo interino de Michel Temer. 

Informe ENSP: Hermano,  a própria criação do grupo, sob ordem de um ministro da Saúde, mostra uma, digamos, “confusão”entre público e privado.

Hermano Castro: Sem dúvida. O Ministério deveria se ocupar em tornar o SUS acessível a todos os brasileiros, em todos os seus níveis de ação, tanto na atenção primaria como na média e alta na complexidade. Esse deveria ser o papel do Ministério da Saúde. Quem propõe plano é o setor privado, esse é o papel dele. O setor público precisa brigar pelos 10% da corrente líquida do PIB, por mais recursos, não criar plano de saúde. O Estado tem o papel de regular e existe uma agência que cumpre esse papel.

Informe ENSP: Quais consequências para o projeto do SUS pode ter essa proposta dos planos baratos?

Hermano Castro - As deficiências como subfinanciamento e desfinanciamento, agora, foram aprofundadas na medida em que se abandona de vez qualquer possibilidade de sustentar o Sistema Único de Saúde. Aceitar essa proposta significa abandonar o Sistema Único de Saúde, que já se encontra em sérias dificuldades de investimentos. 

Informe ENSP: E os planos baratos não serão suficientes?

Hermano Castro:
Os planos baratos não têm resultado. Mesmo os planos que hoje têm alguma sustentabilidade, os que a classe média paga, possuem um grau de falibilidade enorme, vivem aumentando os preços, e quando a pessoa mais precisa, não consegue o acesso. Além disso, os próprios médicos não suportam certos valores de consulta e se afastam dos planos. Os procedimentos médicos, principalmente na alta complexidade, são caros e esse custo acaba ficando com o SUS. Os planos fogem da responsabilidade e o usuário busca a justiça para fazer valer seus direitos.

Informe ENSP: Hermano, o que precisa ser feito para uma concretização plena do projeto do SUS?

Hermano Castro: O sistema precisa ser repensado. O SUS necessita demais investimentos com os recursos públicos que já existem no país. O Ministério da Saúde deveria chamar a sociedade e as entidades da Saúde para um grande debate de sustentabilidade do SUS, para torná-lo acessível, universal e igualitário. É se busca há trinta anos. Vamos fazer trinta anos da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que apontou vários princípios norteadores do SUS, e nós não conseguimos atender a vários deles, até hoje.

Informe ENSP: Hermano, como você considera essa proposta dentro do panorama maior da crise política pela qual passa o país?

Hermano Castro: Isso é uma política de um governo que não foi eleito, que se colocou lá no lugar de uma presidente eleita. O que estamos vivenciando no campo da saúde como na educação é política do neoliberalismo, em que esses setores se tornam alvos de disputas de mecado. É típico de um governo que aposta no neoliberalismo precarizar a saúde, educação, transporte, para poder privatizar. Uma política que conhecíamos de governos neoliberais anteriores. Agora, tínhamos um governo em que a gente apostava na luta política para melhorar, mas que era eleito, legítimo. Na hora em que isso muda, essas garras do neoliberalismo avançam. É uma política que vê a saúde como uma mercadoria e não como um bem.



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