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O sofrimento das famílias e o papel da mídia sobre a mortalidade de jovens

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Publicado em:18/03/2016
Tatiane Vargas

O sofrimento das famílias e o papel da mídia sobre a mortalidade de jovensA pesquisa Mortes violentas de jovens: um olhar compreensivo para uma tragédia humana e social analisou também a mortalidade de jovens por homicídios em dois municípios da Argentina, ambos situados na região metropolitana de Buenos Aires, local que apresenta metade das taxas de mortes por homicídios no país. Desenvolvido em parceria com a Universidade de Nacional de Lanús (UnLA), o estudo aponta ser a maior motivação para os homicídios nos locais as situações de criminalidade, uso abusivo de drogas e conflitos com a polícia. O pesquisador da UnLA Damian Marcondez apresentou os dados das regiões durante o seminário Mortes violentas de jovens: o desafio da prevenção em uma perspectiva intersetorial e ressaltou ser fundamental promover o acesso a direitos básicos como saúde, educação e emprego.

Os municípios selecionados foram Vicente López e La Matanza, ambos situados em Buenos Aires. Vicente Lopez possui uma população de 269.420, sendo 100% dela residente na área urbana. La Matanza é o segundo munícipio mais populoso de Buenos Aires, com uma população de 1.755.816, também 100% residente da área urbana. A sobremortalidade em ambos os munícipios é alta, sendo de 87% em Vicente López e 92% em La Matanza, principalmente em jovens homens entre 20 e 24 anos, tendo como principal meio a arma de fogo. Os contextos de violência se dão basicamente por roubos, violência doméstica e de gênero, discriminação, conflitos territoriais e conflitos entre gangues e grupos de jovens. Em Vicente López, os jovens mais afetados são aqueles que estão em sua maioria em situação de abandono, sem perspectivas e frustrados por não terem acesso a bens de consumo. Em La Matanza, os mais afetados são aqueles com pouca estrutura familiar, sem oportunidades no mercado de trabalho e vítimas de violência institucional.

Damian explicou que Vicente López possui baixas taxas de mortalidade por causas externas e homicídios, com os melhores indicadores sociais de trabalho, educação e saúde, e baixa proporção de zonas de vulnerabilidade social. La Matanza, ao contrário, apresenta altas taxas de mortalidade por causas externas e homicídios, possuindo os piores indicadores sociais de trabalho, educação e saúde, e alta proporção de zonas de vulnerabilidade. “A falta de estrutura familiar, a saída dos jovens das instituições educativas e a cultura de violência são fatores que contribuem para as mortes por homicídios. Sendo assim, é necessário promover acesso a direitos básicos como moradia, saúde, educação, trabalho; favorecer a presença do Estado nas zonas com os maiores indicadores de violência; promover uma ação articulada entre as instituições estatais e as não estatais para intervir na socialização dos jovens; além de promover a presença significativa de adultos e pares que possibilitem o reconhecimento e a valorização dos jovens”, defendeu o pesquisador da UnLa.

Os homicídios e a tragédia nas famílias

Como parte da pesquisa Mortes Violentas de Jovens: um olhar compreensivo para uma tragédia humana e social, foi desenvolvida também uma abordagem sobre a Tragédia dos homicídios de jovens nas famílias. Objeto da dissertação de mestrado da participante da pesquisa, Daniella Harth da Costa, o estudo buscou conhecer a história de vida de jovens assassinados e as repercussões do homicídio nas famílias das vítimas. Os participantes do estudos foram especificamente pessoas ligadas aos jovens vítimas de homicídios; foram ouvidas mães, tias, irmãos e ex-companheiros das vítimas. Segundo Letícia, as caraterísticas gerais dos jovens vítimas de homicídios são: homens entre 16 e 27 anos, com baixo nível de escolaridade e sem ocupação, com escassez de recursos financeiros, vínculos e condições de trabalho precários, sem provisão de serviços púbicos e que vivem em contextos de violência, principalmente em comunidades.

Os impactos do homicídios nas famílias das vítimas se dão de diversas formas, de acordo com Daniela, entre eles: a vivência da perda, o impacto na saúde dos familiares e o impacto na dinâmica familiar. “A vivência da perda nos múltiplos contexto dos homicídios causam abalo, desespero, ausência, vazio, tristeza, inconformismo, raiva, insegurança, falta de sentido de vida, um sofrimento de caráter inesgotável. No que diz respeito à saúde, os impactos são na saúde física e mental, causando insônia, ansiedade, depressão, dor no peito, hipertensão, aumento do colesterol, problemas gástricos, problemas cardíacos, distúrbios na tireoide, perda ou aumento de peso e desenvolvimento de cânceres”, lamentou ela.

Na dinâmica familiar, os homicídios trazem traumas como alterações no comportamento de diferentes membros da família, empobrecimento da vida social em família e fortes impactos financeiros. Segundo Letícia as famílias apresentaram sentimento de justiça versus impunidade. “As famílias demostram sentimento de busca por justiça tanto das instituições como de Deus. Ao mesmo tempo, apontam uma difícil relação com a justiça e a impunidade como marca dos casos de homicídios no Brasil. As famílias que estão envolvidas nesses contexto sofrem aumento de sua fragilização, é necessário assistência integral – saúde, social, financeira, jurídica –, criação de espaços e capacitação de profissionais para acolhimento de famílias em situação de perda por homicídio”, finalizou Daniela.

O papel da mídia nos casos de homicídios

Outra abordagem da pesquisa Mortes Violentas de Jovens: um olhar compreensivo para uma tragédia humana e social foi sobre como os jornais retratam os casos. O objetivo do estudo Mortes violentas de jovens, retratadas nos jornais, foi analisar como os jovens vítimas de homicídios são representados na mídia impressa local. Segundo Letícia Cardoso, participante da pesquisa, o discurso da imprensa contribui para as representações sociais negativas da juventude pobre e a construção da identidade do bandido. Ela citou também a escassez de pesquisas brasileiras sobre a violência na mídia, do ponto de vista da saúde pública, que evidenciem as inter-relações dos discursos midiáticos com a violência social.

Leticia explicou que a pesquisa foi desenvolvida a partir de abordagens quantitativas e qualitativas que possibilitaram a construção de dados complementares à análise das representações sociais. Foram coletados dados de jornais de maior tiragem e feita a seleção de matérias jornalísticas que relatavam homicídios de jovens com idade entre 15 e 29 anos, publicadas no mês de março de 2013. Após a elaboração do clipping, foi construído um questionário com questões fechadas e abertas. Foram analisadas 95 notícias, que informaram 111 homicídios de jovens.

Sobre os jornais e as notícias, Letícia avaliou a caraterização da matéria jornalística segundo tipo, sendo nota ou reportagem. “Selecionamos 72 reportagens e 23 notas, as seções em que elas foram mais noticiadas foram Polícia (36), Geral (34) e Curtas (8). No que diz respeito ao aprofundamento das matérias, todas foram 100% descritivas e usaram a polícia como principal fonte. Com relação à matéria em si, a maioria delas apresenta fotos do local do homicídio e da vítima, o que nos leva a concluir que há busca pelo sensacionalismo, com uma exposição exagerada do corpo da vítima”, acusou ela.  

Sobre os homicídios, o estudo descreveu, ainda, terem sido 71,1% das mortes por arma de fogo e 14,4%¨por arma branca; 28% das lesões foram na cabeça, e o período do dia em que os homicídios mais aconteceram foi a noite, seguido da madrugada. Além disso, nos crimes passionais, a probabilidade de a mulher ser a vítima é maior, e os homens têm mais chances de morrer em espaços públicos. Já sobre as vítimas 78,3% eram do sexo masculino, 94,5% das notícias se referiram à vítima pelo nome próprio, e, segundo os jornais, 24,3% tinham passagem pela polícia. Sobre o suspeito, 53,6% das notícias citaram o nome do suspeito, acusado ou agressor dos homicídios, 17% deles tinham 20 anos e 83,7% eram do sexo masculino; a raça ou cor dos agressores não foi informada em nenhuma das matérias.

“O estudo nos leva a concluir que existe banalização da violência e falta aprofundamento das notícias, o que contribui para a desvalorização da vida. A mídia ajuda a reforçar os estereótipos negativos ao relacionar os jovens à criminalidade, à pobreza e a determinadas áreas geográficas. Dessa forma, o leitor não é conduzido a refletir sobre políticas públicas voltadas aos jovens e prevenção da violência nos municípios e no Brasil”, lamentou ela.

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