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Pesquisa trabalha conceitos de saúde e violência com estudantes de escolas públicas

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Publicado em:09/08/2013

Qual é a percepção dos professores e alunos acerca da interdisciplinaridade, da saúde coletiva e do papel da escola na criação de um ambiente saudável? A tentativa de responder a essas questões resultou no livro Interdisciplinaridade na construção do conhecimento em saúde: uma experiência em escola pública, de autoria das pesquisadoras Marta Pimenta Velloso, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, e Maria Beatriz Lisbôa Guimarães, da Universidade Federal de Pernambuco.

A publicação é fruto de um projeto sobre a construção do conhecimento interdisciplinar em saúde, realizado com alunos do ensino médio de uma escola pública na cidade do Rio de Janeiro. Duas perguntas – “O que a escola faz para melhorar a saúde dos alunos?” e “O que a escola poderia fazer para melhorar a saúde dos alunos?” – foram o ponto de partida para trabalhar essa percepção entre os estudantes.

Num primeiro momento, os alunos relataram uma visão higienista sobre a saúde. Em entrevista ao Informe ENSP, as autoras comentam os resultados da pesquisa e analisam como um trabalho interinstitucional e interdisciplinar pode tornar a escola um espaço estratégico para germinar mudanças em seu ambiente e na qualidade de vida de alunos e professores. Confira.

Informe ENSP: O que motivou o desenvolvimento do estudo com os alunos de uma escola pública do Rio de Janeiro?

Pesquisa trabalha conceitos de saúde e violência com estudantes de escolas públicasMarta Velloso:
O estudo nasceu para atender à demanda de um projeto desenvolvido pela Universidade da Amazônia (Unama), que faz parte da rede Observatório de Violências nas Escolas da Unesco. O diagnóstico dessa pesquisa demonstrou que a violência assume formas físicas, simbólicas, institucionais e psicológicas. Muitas vezes, o que é considerado violência para alguns é banalizado por outros.

Também, por meio desse trabalho, foi possível observar que a escola, local que deveria ser um espaço saudável e de inserção social, tornou-se um local de exclusão. A partir daí, buscou-se a necessidade de conhecer e reconhecer a realidade para encontrar novos caminhos que esclarecessem como prevenir, ou até mesmo transformar, a situação de violência diagnosticada na rede de escolas em Belém/Pará.

Maria Beatriz Guimarães: Essa rede de observatórios trouxe resultados que apontavam a interinstitucionalidade e a interdisciplinaridade como contribuintes para  a melhor qualidade de ensino e a melhoria na questão da violência.

Marta Velloso: A partir daí, o coordenador do observatório em Belém, Cláudio Rodrigues Cruz, nos procurou. Em 2012, foi posta em prática a parceria entre a ENSP e a Unama com o propósito de desenvolver o projeto Interdisciplinaridade e interinstitucionalidade na construção do conhecimento em saúde em escolas públicas do município do Rio de Janeiro, financiado pela Faperj. Pelo fato de a violência ser tratada como uma questão de saúde pública e englobar aspectos multidimensionais, analisamos as escolas como um componente da interação saúde e ambiente, que constitui um complexo de possibilidades de intervenção e de produção do conhecimento.

Informe ENSP: Como ocorreu o trabalho com alunos e professores no Rio de Janeiro?

Marta Velloso:
O cenário da pesquisa foi construído em uma escola pública na cidade do Rio de Janeiro, com a participação de professores e alunos de ensino médio, além de estagiários de licenciatura de diferentes universidades. Utilizamos os seguintes instrumentos para coleta de dados: um questionário semiestruturado dirigido aos professores e alunos de licenciatura em estágio curricular, com o intuito de apreender a práxis da interdisciplinaridade na construção do conhecimento em saúde, e uma redação dirigida aos alunos sobre a saúde no ambiente escolar.

A redação foi aplicada pelo professor de português e contemplou duas questões. A primeira: “O que a escola faz para melhorar a saúde dos alunos?” Na segunda, apresentamos a seguinte situação: “O que a escola poderia fazer para melhorar a saúde dos alunos?”

Informe ENSP: Os resultados obtidos estão de acordo com as expectativas da equipe?

Pesquisa trabalha conceitos de saúde e violência com estudantes de escolas públicasMaria Beatriz:
O resultado nos surpreendeu: tivemos um grande número de redações. Mas os trabalhos, em sua totalidade, apresentaram o mesmo perfil: uma visão higienista da saúde. Citaram o pouco investimento nas condições físicas e sanitárias do ambiente escolar. O que impera é uma associação de que a saúde é o inverso de doenças ou de condições favoráveis à ausência de doenças.

Marta Velloso: A saúde, na primeira etapa da pesquisa, foi percebida de forma muito limitada. As redações evidenciaram uma associação com as condições físicas e sanitárias da escola, como temperatura, iluminação, ruído, falta de higiene e água poluída. Não encontramos nada que associasse saúde à violência, às drogas, aos problemas psicológicos, à violência doméstica, ao bullying.

Quanto às concepções de saúde pública e saúde coletiva, os resultados obtidos com os professores e estagiários revelam que a saúde pública é compreendida como dever do Estado e na prestação de serviços de prevenção e assistência à saúde direcionada a um grupo específico, ou seja, aos pobres. A saúde coletiva, por sua vez, esteve associada, pelos professores, ao bem-estar físico, mental e social da população em geral, também sendo percebida como veiculada à qualidade de vida. Para os estagiários, esteve associada à preservação do espaço público para melhor convivência e, também, como uma evolução da saúde pública através da história.

Informe ENSP: Como esse assunto foi debatido com os alunos?

Marta Velloso:
A partir dessa constatação, convocamos os alunos para um encontro em que expomos os resultados das redações. Houve uma problematização, da nossa parte, em busca de melhor apreensão na construção do conhecimento em saúde. Propomos que os alunos refletissem sobre suas vidas, identificando a doença como um processo ocasionado por uma série de fatores de origem física, psíquica e social. Além disso, discutimos que esses fatores interagem entre eles e com o ambiente em que estamos inseridos. E que o processo saúde/doença abrange o somatório e a interação de diversas causas objetivas e subjetivas, como tensão, angústia, baixa autoestima, violência nas relações, estresse, entre outras que determinam a qualidade de vida e saúde.

Na segunda etapa, perguntamos se eles queriam participar de oficinas de audiovisual em saúde coletiva, com a produção de vídeos sobre o que entendem por saúde dentro de suas casas, no caminho para a escola e dentro dela. Todos os presentes aceitaram participar.

Informe ENSP: Como os alunos reagiram nessa nova etapa da pesquisa? Houve mudança na compreensão sobre o conceito de saúde?

Marta Velloso:
Dividimos os 15 alunos em três grupos de cinco e estimulamos o debate, que os levaram a refletir sobre suas vidas na escola, em casa, na rua e as relações com o processo saúde-doença. Houve grande avanço na compreensão de saúde. Eles começaram a relatar as situações que provocavam angústia e ansiedade, citaram o momento de pressão que estavam passando em função do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), a falta de tempo, o excesso de informação e aspectos como bulimia e anorexia. Assim, começaram a perceber a saúde de outra forma, com uma visão bem mais abrangente.

Informe ENSP: Como esses temas foram traduzidos para os vídeos?

Maria Beatriz:
Os três vídeos utilizaram duas formas de linguagem audiovisual. Dois deles foram histórias inventadas, mas fundamentadas em fatos ocorridos com frequência durante a adolescência – bulimia e ansiedade ocasionada pelos horários de compromissos. Essas produções foram nomeadas, respectivamente, Disfunção e Contratempo. Já o terceiro vídeo, intitulado Equilíbrio, consistiu em uma história inventada, enriquecida com entrevistas, baseada numa situação vivenciada por eles mesmos: o Enem.

Os três desfechos apresentaram situações trágicas, consideradas até um certo exagero por eles mesmos, mas com situações de suicídio e desmaio, ou seja, um reflexo do sofrimento.

Informe ENSP: Quais as principais conclusões do estudo? Há intenção de replicá-lo em demais regiões e escolas do país?

Pesquisa trabalha conceitos de saúde e violência com estudantes de escolas públicasMaria Beatriz:
O estudo resultou no livro Interdisciplinaridade na construção do conhecimento em saúde: uma experiência em escola pública e um DVD contendo três vídeos produzidos pelos alunos. Na parte inicial, apresentamos os temas da saúde pública, da saúde coletiva e da medicina social, tal como vêm sendo abordados pelos pesquisadores da área. Em seguida, construímos um paralelo entre as duas etapas da pesquisa com o desenvolvimento do campo da saúde pública/coletiva. Na primeira etapa, utilizamos uma metodologia na qual o pesquisador praticamente não aparece, com a aplicação da redação em uma aula de português, e o resultado que tivemos foi uma visão higienista dos alunos, semelhante aos primórdios da saúde pública. Depois, quando problematizamos essas questões com suas vidas, encontramos uma concepção de saúde que contempla os aspectos sociais, psicossociais e diversos relacionados ao cotidiano dos jovens, que foi associada ao campo atual da saúde coletiva.

Marta Velloso: O contato com os alunos do terceiro ano dessa escola pública, num momento de transição da adolescência para a fase adulta, não foi por acaso. É um período delicado, de vários dilemas para eles. Na pesquisa bibliográfica sobre os temas, verificamos que a maioria dos artigos tinha enfoque epidemiológico - o percentual de meninas que planejam e tentam o suicídio é maior que os meninos, mas são os meninos que efetivam o ato em maior proporção. Com exceção de dois artigos que utilizaram metodologias qualitativas: o primeiro, um estudo de caso de uma adolescente que sofria de anorexia, e o segundo, um estudo sobre a construção identitária em comunidades virtuais entre adolescentes pró-anoréxicas. Achados que mostram a necessidade de ampliar o espaço da pesquisa qualitativa no campo da saúde coletiva.

Ao reunirmos saúde e educação em um único ambiente, com um trabalho intersetorial e interdisciplinar, a escola torna-se um espaço estratégico para germinar possíveis mudanças tanto no ambiente escolar como na qualidade de vida de alunos e professores. Essa pesquisa é inovadora e de caráter social, uma vez que conduz diretrizes para práticas escolares fundamentais na saúde coletiva, voltadas ao cuidado de sujeitos e de suas comunidades, às melhorias da qualidade de vida. Queremos divulgar essa tecnologia social em uma rede de escolas públicas.


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