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Raça é relevante indicador de pesquisa

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Publicado em:12/11/2012

Raça é relevante indicador de pesquisa"É de extrema relevância conhecer o direito à saúde da população negra, que já é lei, para que possamos viver, de fato, em um país que compreenda a sua diversidade e reconheça a importância do quesito cor como um recorte em suas análises e reflexões", afirmou o representante da Mobilização Pró Saúde da População Negra, Juliano Gonçalves Pereira. A afirmativa foi feita durante o II Seminário Saúde da População Negra em Debate e a Reunião da Juventude Pró II Encontro Nacional da Juventude Negra (Enjune), realizado em 9 de novembro na ENSP. O encontro, que reuniu diversos pesquisadores da área, teve como foco o fortalecimento da temática a partir da problematização da questão racial.

 

A primeira mesa do evento Epidemiologia e pesquisa em saúde da população negra: aprofundando o debate reuniu a representante da Coordenação Geral de Vigilância e Agravos de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cheila Marina de Lima, a diretora de programas da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Mônica Oliveira, a pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da ENSP, Dora Chor, e Juliano Moreira, como mediador. “Devemos desenvolver novos meios de pesquisar e entender a diversidade que explode neste momento em que o país assume a responsabilidade de pensar a questão racial e a saúde da população negra. E a mudança de conduta e de olhar é importante para percebermos todas as nuances que perpassam a vida. Esse é um desafio premente”, disse Juliano na abertura da mesa.

 

Ganho de peso está associado à pobreza

 

A epidemiologista da ENSP Dora Chor foi a primeira palestrante da mesa e comentou que, em suas pesquisas, sempre se perguntou: "Por que não usar raça como recorte?". Segundo ela, não existe consenso nem pensamento único. Mas, em uma sociedade racial e socialmente construída como é a brasileira, que é única no mundo, é preciso, sim, levar em consideração o olhar raça e saúde como um dos indicadores de posição social. “Todos os determinantes são importantes, e raça deve ser um deles. Infelizmente, vemos de maneira clara que as desigualdades raciais em saúde não vêm sendo de forma suficiente estudadas na epidemiologia brasileira”, apontou ela. 

 

Raça é relevante indicador de pesquisaDora disse ainda que vivemos em um mundo no qual a onda de um pensamento conservador tem sido muito avassaladora. Portanto, mais do que nunca, “acredito que conjugar o universal – saúde para todos –, com o particular – grupos de estudos e defesa da população negra – é uma preocupação mais que atual”. Ela falou a respeito de sua linha de pesquisa em determinantes sociais e saúde e mostrou dados de diversos estudos sobre desigualdades sociais que participa. Em relação ao grau de escolaridade, Dora apresentou dados de uma pesquisa apontando que as mulheres que tinham apenas o nível fundamental, o ganho de peso, entre os anos 1999 e 2006, foi maior que entre as mulheres com ensino médio e graduação. “O que se deve destacar é que esse ganho de peso não foi igual entre as mulheres brancas, pardas e negras. Em âmbito universal, pode-se afirmar que, hoje, no Brasil, ganhar peso está associado à pobreza, especialmente entre as mulheres.”

 

Além disso, ela comentou que, quando analisado o quesito cor/raça, é possível ver uma associação significativa com o índice de massa corporal nas mulheres. Numa análise feita entre 1930 e 2000 sobre mortalidade infantil, a pesquisa mostrou que ela vem diminuindo. No entanto, a desigualdade dessa queda aumentou entre as regiões brasileiras. Levando em consideração a raça/cor, um estudo realizado na cidade de Pelotas mostrou que o nível de mortalidade infantil entre os filhos de mães negras no ano de 2004 era igual ao nível de mortalidade infantil entre os filhos de mães brancas no ano de 1982. Dora completou dizendo que a desigualdade racial é visível em diversas análises e esse gap necessita de atenção especial dos formuladores de políticas públicas. 

 

População negra: violência física representa 67% das notificações

 

Raça é relevante indicador de pesquisaCheila Marina de Lima apresentou dados epidemiológicos sobre saúde da população negra colhidos por meio dos sistemas de informações do Ministério da Saúde e trouxe  também a perspectiva de informações de alguns inquéritos realizados nessa área. Segundo ela, houve aumento da proporção de recém-nascidos cujas mães fizeram sete ou mais consultas em todo o país, com persistentes diferenças por região, idade e escolaridade da mãe e cor/raça do recém-nascido. Em relação ao aumento da proporção de partos cesáreos considerando a cor/raça do recém-nascido, a proporção de nascimentos cujas mães tiveram o número adequado de consultas pré-natal aumentou para todas as categorias, com exceção para a indígena, que apresentou leve redução.

 

Ela afirmou que as curvas de mortalidade proporcional por idade, segundo as categorias de raça/cor também apresentam diferenciais importantes. Para a população indígena, houve aumento na mortalidade proporcional de menores de 1ano de 16,7% para 20,7% entre 2000 e 2010. Já a proporção de óbitos nessa faixa de idade era 2,6 vezes mais elevada que na população de raça/cor branca em 2000, elevando-se para 7,1 vezes no ano de 2010. A análise da mortalidade proporcional por categorias de raça/cor indicou que as doenças do aparelho circulatório apresentaram a maior mortalidade proporcional em todos os grupos populacionais. Porém, na população negra, foram observados altos percentuais de óbitos por causas externas, sendo 17,7% em 2000 e 17,6% em 2010. E os estados com as maiores razões entre as taxas de mortalidade das populações negra/branca foram o Amapá e Bahia, no ano de 2000, e os estados de Alagoas e Paraíba, no ano de 2010. 

 

Em relação ao número de homicídios, Cheila foi categórica ao dizer que os negros são as principais vítimas em todas as regiões, com exceção da Região Sul. Os números absolutos de mortes maternas, segundo cor da pele ou raça no Brasil, entre os anos 2000 e 2010, mostram que as mulheres negras representam mais de 60% dessa análise. E entre as principais causas desse tipo de morte estão a hipertensão, seguida de hemorragias e infecção puerperal. 

 

No que diz respeito a notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra a população negra, os dados do módulo Violências do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Viva Sinan), em 2011, mostram que as mulheres pretas e pardas somam 37% das notificações, enquanto as brancas representam 41% delas. E a violência física representa 67% das notificações de violência contra a população negra. Além disso, 66,7% desse percentual são sofridos pelas mulheres, e a principal faixa etária da população negra que sofre violência fica entre os 20 e 29 anos. Os homens são os principais agressores, responsáveis por 64% das notificações de violência contra a população negra. Entre eles, 70% tinham suspeita do uso de álcool. 

 

Incentivo à incorporação da perspectiva racial em todos os ministérios brasileiros

 

Raça é relevante indicador de pesquisaEncerrando a mesa da manhã, a diretora de programas da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Mônica Oliveira, falou sobre a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e de que forma a Seppir vem atuando no esforço de implementação desta política. Monica ressaltou que a grande tarefa da Seppir é atuar com os ministérios para que eles incorporem a perspectiva racial em suas ações.

 

Mônica relembrou que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra foi aprovada no Conselho Nacional de Saúde em 2006, publicada no Diário Oficial (Portaria 992-MS) em maio de 2009 e inserida no Estatuto da Igualdade Racial em 2010, na Lei nº 12.288. “Ela tem sido nossa principal ferramenta no reconhecimento da existência do racismo institucional e promoção de mudanças na cultura organizacional, institucional, com vistas à adoção de práticas antirracistas e não discriminatórias; e também no reconhecimento da desigualdade étnico-racial na saúde da população negra, requerendo ações de promoção da equidade”, explicou Monica. 

 

A palestrante comentou que entre as diretrizes gerais da política estão: a ampliação e fortalecimento da participação do Movimento Social Negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde; o incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra; a promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde, incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas; e o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva. “A saúde, junto com a educação, foi uma das áreas que mais avançou do ponto de vista de promoção da igualdade racial no Brasil. Isso, com certeza, é devido à atuação do Movimento Social Negro. Ele tem capitaneado essa discussão no campo da saúde na última década”, ressaltou.

 

Raça é relevante indicador de pesquisa

 

Finalizando sua apresentação, Mônica alertou que um dos mecanismos mais eficazes do racismo é justamente a desumanização da pessoa negra. “Nós convivemos cotidianamente com inúmeras representações negativas da pessoa negra na sociedade. No campo da saúde, essas representações são muito presentes. Já foi comprovado, por meio de pesquisas, que as mulheres negras têm menos tempo nas consultas de pré-natal. Portanto, elas têm um déficit de atenção do profissional de saúde por conta de sua condição de negritude e de mulher. É fato que existe um peso do aspecto racial no atendimento. As ações dos profissionais de saúde estão marcadas por estereótipos e representações negativas”, disse ela.

 

 



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