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Consultório na Rua: novas políticas para a população de rua

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Publicado em:21/09/2012

Tatiane Vargas

 

De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, entre 2007 e 2008, em 71 municípios recenseados, foram encontradas 31.922 pessoas morando nas ruas. Apenas no Estado de São Paulo, no ano de 2003, foram contabilizados 10.339 moradores de rua. Entre os principais motivos para viver na rua, estão o consumo de álcool e drogas (35,5%), desemprego (29,8%) e desavenças familiares (29,1%). Essa população sofre com riscos à saúde relacionados à violência; variação climática; alimentação incerta; relações sexuais; falta de acesso à água limpa e locais para higiene pessoal e necessidades fisiológicas; sono inadequado; e muitos outros fatores. Os moradores de rua também sofrem com questões psicossociais, e o estigma é um grande motivo de sofrimento emocional para eles.

 

O acesso dos profissionais de saúde à população de rua é complexo. Além das dificuldades para realizar anamnese e exames físicos, tais profissionais lidam com pacientes que apresentam baixa adesão ao tratamento, falta de acesso ao serviço e acompanhamento. A vida nas ruas possui uma psicodinâmica que começa com os fatores que levaram o indivíduo a ir para as ruas e vai até a sua vivência. Diversas ferramentas foram pensadas para atuar de maneira efetiva na promoção da saúde entre a população que vive em situação de rua. Da junção entre o programa Consultório de Rua (equipe itinerante com foco na saúde mental) e do programa Estratégia da Saúde da Família Sem Domicílio (ESF com equipes específicas para atenção integral à saúde da população em situação de rua), foi criado o dispositivo Consultório na Rua, que consiste em uma equipe itinerante para atenção integral à saúde da população em situação de rua.

 

As equipes de Consultório na Rua são formadas pelos chamados agentes sociais, ou seja, profissionais de diversas áreas que desempenham atividades para garantir atenção, defesa e proteção às pessoas em situação de risco pessoal e social. Tais profissionais possuem habilidades e competências para atuar com usuários de álcool, crack e outras drogas. Para tanto, agregam conhecimentos básicos sobre redução de danos, realizam atividades educativas e culturais, fazem a dispensação de insumos de proteção à saúde e encaminhamentos para rede de saúde e intersetorial e acompanham o cuidado das pessoas em situação de rua.

 

Leia, abaixo, a entrevista concedida pelo apoiador institucional do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Alexandre Trino, que falou ao Informe ENSP sobre a criação, os desafios e as perspectivas do projeto Consultório na Rua. Alexandre participou do I Seminário de Experiências da Atenção Primária em Saúde com População de Rua, realizado pela ENSP/Fiocruz, em parceria com outras instituições, de 19 a 21 de setembro.

 

Informe ENSP: Quais são as ações do Ministério da Saúde para a população em situação de rua e quais são as perspectivas futuras na área?

 

Consultório na Rua: novas políticas para a população de ruaAlexandre Trino: O Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde tem uma frente do Consultório na Rua que trabalha políticas e ações voltadas para essa temática, com foco específico de atenção para a população em situação de rua. Esse atendimento começou como Consultório de Rua, uma iniciativa vinculada à Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, cujo foco específico era apenas dependência química, álcool e drogas. Depois, essa iniciativa foi trazida e vinculada ao Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS) e passou a ser chamada de Consultório na Rua. Eu sou apoiador institucional do DAB/MS e responsável pela frente temática do Consultório na Rua. Nesse cargo, divido a responsabilidade com Marcelo Pedra e Rosana Ballestero Rodrigues. Atualmente, o Departamento é coordenado por Hêider Aurélio Pinto.

 

A troca de departamento foi gradual. Sua motivação nasceu de movimentos sociais, que nos mostraram as muitas outras necessidades da população em situação de rua, além da redução de danos e da atenção à dependência química de álcool e outras drogas. E o Ministério absorveu essa motivação. Com isso, abriu-se uma nova perspectiva, pois já conhecíamos as experiências exitosas tanto de Consultórios de Rua da saúde mental como da Estratégia de Saúde da Família para essa população que já ocorriam em Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro.

 

Portanto, o Ministério, por meio do DAB, resolveu trabalhar com esses Consultórios na Rua, como uma forma de contemplar esses diversos olhares e dar um foco específico e fundamental para corresponder à necessidade dessa população em situação de rua. Assim, a população em situação de rua passou a ser atendida por uma equipe itinerante atuando em território, que necessariamente seja vinculada às unidades básicas de saúde do território no qual ela se concentra.

 

Informe ENSP: Que estratégias de alcance são utilizadas para alcançar essa população e, futuramente, oferecer a ela acesso ao SUS de maneira universal?

 

Alexandre Trino: A equipe itinerante de Consultórios na Rua está necessariamente vinculada às unidades básicas de saúde. A partir do momento em que elas começarem a ter vínculo legitimado entre a população em situação de rua como uma estratégia de compartilhamento do cuidado, naturalmente haverá a inclusão dessa população em situação de rua na principal porta de entrada do sistema, ou seja, nas unidades básicas de saúde.

 

Essa população apresenta problemas de enorme complexidade, necessidades e demandas. Ela certamente será ouvida pelas equipes da Coordenação do Cuidado. Mas o foco é vincular as equipes a uma unidade básica de saúde que, por si só, tem a atribuição de ser resolutiva, dar conta de muitas demandas. Não de todas, é claro, mas de muitas demandas. Mas a rede de serviços especializados dará conta das demandas não atendidas, uma vez que essa equipe se compromete a construir uma rede compartilhada de atenção à saúde que atenda à população.

 

Informe ENSP: Como dever ser a capacitação dos profissionais que atuam nas equipes dos Consultórios na Rua, para que eles atuem da melhor maneira possível para atender essa complexa população?

 

Alexandre Trino: A qualificação dessas equipes, tanto das equipes de Consultório na Rua como dos trabalhadores das unidades básicas de saúde pelos quais a população em situação de rua será atendida, deve ocorrer de várias formas. O Ministério da Saúde vem preconizando oficinas de qualificação para implantar os Consultórios na Rua. A primeira intenção dessas oficinas é qualificar os processos de trabalho das equipes no que tange ao cadastramento da população em situação de rua, a descrição do cliente e da produção do cuidado com a população em situação de rua. As atribuições dessas equipes passam a ser de coordenadoras do cuidado. Mais que isso, além dessas oficinas, o fundamental é que exista uma construção local de estratégias de educação permanente que contemple a qualificação de forma mais duradoura, de modo a propiciar a essas equipes, tanto de Consultório na Rua como de Estratégia de Saúde da Família, uma qualificação em serviço, em ato.

 

Informe ENSP: Você citou que o cuidado compartilhado é muito importante para que a estratégia dê certo. Como esse cuidado pode e deve ser feito?

 

Alexandre Trino: O cuidado compartilhado se trata na intersetorialidade. Levando em consideração a população em situação de rua, isso é essencial, pela complexidade e pelo grau de demanda acentuados dessa população. Não só por isso, mas também por toda uma lógica de produção de cuidado que implique e responsabilize a rede de equipamentos do território para que, de alguma forma, as demandas da população em situação de rua sejam atendidas. A estratégia do cuidado compartilhado implica e responsabiliza os demais atores do território. Também cria, fundamentalmente, possibilidades de formação de redes sociais que tenham sustentabilidade e produzam, com isso, formas de produção da vida em território mais sinérgicas com os anseios que essa população em situação de rua tem, para adequar problemas e situações da melhor forma possível e aprimorar a qualidade de vida dessa população.

 

Informe ENSP: Em relação às perspectivas do DAB/MS, o que vocês pretendem fazer futuramente? Já existe um planejamento para os próximos anos?

 

Alexandre Trino: Atualmente, temos 61 Consultórios na Rua em funcionamento. Até o fim de 2012, deveremos ter 90 e, até 2013, serão 307. Os parâmetros para que os municípios solicitem um credenciamento do Consultório na Rua, via Ministério da Saúde, exigem que, em seu território, haja de 80 a mil usuários em situação de rua. Os parâmetros e os municípios elegíveis constam da portaria. Caso tenha algum município que não esteja habilitado na portaria a prestar esse tipo de serviço, mas prove, por meio de algum órgão reconhecido pelo município, que seu território tem de 80 a mil usuários em situação de rua, o Ministério da Saúde, por meio do DAB, implantará, nessa localidade, o Consultório na Rua.

 

Informe ENSP: Pode-se dizer que os Consultórios na Rua já implementados são efetivos. O que o senhor destacaria em seu funcionamento?

Alexandre Trino: Acredito que o maior destaque, desde a formulação e implantação dos Consultórios até a construção da política em si, é que todo esse processo foi feito de maneira compartilhada com os movimentos sociais. Esses movimentos tiveram um papel fundamental e, além deles, trabalhadores da saúde, militantes que já atuavam com população em situação de rua, a própria cogestão no processo de construção compartilhada com a coordenação de saúde mental incorporando os princípios de Consultórios de Rua para o Consultório na Rua e ampliando esse processo de Consultório na Rua para a atenção integral à saúde é o grande diferencial. Todo nosso trabalho é voltado para que a população em situação de rua seja inserida no Sistema Único de Saúde (SUS) pela sua principal porta de entrada, que é uma unidade básica de saúde.


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1 comentários
FERNANDA MARQUES
25/09/2012 14:12
Sobre a saúde da população de rua, leia também O Louco, a Rua, a Comunidade: as relações da cidade com a loucura em situação de rua, de Angela Maria Pagot. Trata-se do mais novo livro da Coleção Loucura & Civilização, da Editora Fiocruz. Saiba mais sobre a obra em http://www.fiocruz.br/editora/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1028&sid=52