Busca do site
menu

Sentimento de vulnerabilidade faz parte do modelo social

ícone facebook
Publicado em:09/05/2012

Sentimento de vulnerabilidade faz parte do modelo social“A vulnerabilidade faz parte da condição humana, tanto quanto a sua capacidade de enfrentar os problemas. Hoje todo mundo trabalha e essa foi uma conquista do nosso tempo. O atual modelo de reprodução social, contudo, gera desgaste e uma vulnerabilidade extrema, produzindo também incertezas”, apontou o pesquisador do Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Densp/ENSP) Paulo Sabroza durante a abertura do mestrado profissional em Vigilância em Saúde do Trabalhador da ENSP.

 

Na palestra Espacialização do processo saúde, doença e cuidado Sabroza disse que o desenvolvimento histórico e social não garante qualidade de vida e, sim, sobrevida. Segundo ele, todos vamos viver, mesmo sem qualidade, porque, “enquanto consumidor, você é socialmente útil, e se estiver doente consumirá mais e será ainda mais importante. Já como trabalhadores talvez tenhamos uma vida bem mais curta e por isso precisaremos redefinir o conceito de trabalho”.

 

O palestrante alertou para a dicotomia que existe: se por um lado se fala de equilíbrio, por outro lado há a clara percepção de que estamos em crise. “Apesar de termos, em especial no século XX, mudado completamente nosso perfil demográfico e epidemiológico e multiplicado nossa expectativa de vida em pelo menos três vezes, nós estamos vivendo uma crise de dimensão global, geracional e evolutiva. Essa crise se reflete em várias escalas espaciais e faz com que no nível individual se tenha um sentimento crescente de incerteza e vulnerabilidade. Você acredita, ou é levado a acreditar, que a sua vida, hoje, tem um nível maior de incerteza e de vulnerabilidade do que tinha a das gerações passadas”, explicou.

 

A mesa de abertura do encontro teve a presença das coordenadoras do curso, Ana Braga e Jussara Brito, a vice-diretora de Pós-Graduação da ENSP, Maria Helena Mendonça, o coordenador do Mestrado Profissionalizante da ENSP, Sergio Pacheco, a coordenadora geral de Pós-Graduação da Fiocruz, Cristina Guilam, e o chefe do Centro de Estudos do Trabalhador e Ecologia Humana, Marcos Menezes. Durante a mesa, Marcos Menezes destacou que, na questão da saúde do trabalhador, a ENSP, mais uma vez, se coloca como ator importante no processo de reestruturação e consolidação da Rede Nacional de Saúde do Trabalhador (Renast).

 

“Estamos em um momento em que o modelo econômico de crescimento do país nos coloca um importante desafio. E isso é relevante para nossa área. Além disso, o marco regulatório do país está dado. No entanto, precisa de muitos avanços. Recentemente, o Plano Nacional de Saúde e Segurança do Trabalhador foi anunciado. Ele fala com as três esferas, mas é fundamentalmente importante para a saúde, a previdência e o trabalho poderem se articular com um marco regulatório. Ele é um instrumento relevante, do qual temos que nos apropriar, principalmente trazendo o trabalhador como elemento central nesse processo de vigilância”, ressaltou Marcos.

 

Sabroza comentou, ainda, que nos últimos dez anos voltou-se a colocar em questão os temas da localidade e dos processos locais. O local agora, porém, não pode mais ser entendido como o local da autonomia do capitalismo molecular. "Agora ele é inserido em redes e permeado por fluxos, integrado tanto pelo circuito principal quanto pelo circuito inferior. É apenas o lugar por onde vemos o processo, pois quando nos afastamos vemos que ele faz parte de uma organização maior. Essa é uma característica do nosso tempo extremamente interessante. Podemos dizer que passamos da vigilância das doenças vinculadas a programas de controle, vigilância vinculada à questão de segurança em saúde e vigilância vinculada à redução da vulnerabilidade, à promoção da saúde e ao controle público. Mas onde está a saúde do trabalhador? Os modelos de vigilância não estão engessados. A saúde do trabalhador está inserida nas três esferas, porém ela depende do contexto histórico e político e aparece em diferentes níveis”, disse Sabroza.

 

O sistema Dataprev e a importância do compartilhamento da informação

 

O pesquisador contou que há três anos ele, juntamente com um grupo de pesquisadores da ENSP e de outras instituições, trabalha em uma área de influência da Petrobrás, que é o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), localizado na região leste-fluminense no estado. Segundo ele, esta é a maior obra em construção dessa região, porém não foram feitos os cuidados necessários em termos de monitoramento, regulação e cuidado de saúde do trabalhador. Durante os três anos de monitoramento, 2009, 2010 e 2011, foram feitos levantamentos nos sistemas de mortalidade, monitoramento hospitalar, notificação do agravo, do Sistema de Atenção Ambulatorial e outros que geram informação. No entanto, não foi trabalhada a saúde do trabalhador, tampouco se pode entrar no complexo. “O Comperj é uma caixa preta para nós”, relatou Sabroza.

 

Ele comentou que sobre os levantamentos, está se buscando o acesso aos dados de dois sistemas: Dataprev e Bolsa Família. “Nas  últimas semanas tivemos a promessa de que teríamos acesso ao Sistema do Bolsa Família e já estamos negociando o acesso aos dados do Dataprev. Esses sistemas, em especial, podem fornecer dados inimagináveis, pois ninguém nunca os viu. Eles guardam informações desde a geração da minha bisavô. O Dataprev é um sistema gigantesco, todo pronto e acabado que utiliza um software de gerenciamento voltado para o compartilhamento de informação. Isso está disponível, mas o SUS não tem acesso. Porém eles se comprometerem a nos dar acesso até o final do ano e isso é fruto de uma articulação da direção da ENSP e da Fiocruz como um todo”, ressaltou.

 

Sabroza comentou que os bancos são imensos e os pesquisadores terão acesso a dados do ano 2000 ao ano de 2011 de todo o país sobre todos os eventos de atendimento,  como aposentadoria, afastamento de trabalho, internação, doenças ocupacionais do sistema e outros. “Quanto tivermos acesso, teremos muito trabalho. Porém o mais importante é que a saúde do trabalhador nunca mais será a mesma. Teremos acesso a classificação de risco de todas as empresas de todos os municípios. Se abrirmos isso, a nossa relação com o capital nunca mais será a mesma. Estamos confiantes nesta articulação, pois esses dados mudarão qualitativamente a nossa realidade” justificou.

 

Ele disse ainda que temos um sistema de vigilância cujo foco depender mais do observador do que do objeto. Então, disse ele, “gostaríamos de uma vigilância do trabalhador que não abandonasse as especificidades técnicas das doenças ocupacionais, porém que também se preocupasse mais com a questão da segurança e, principalmente, com a questão da possibilidade de aumento das vulnerabilidades. Pois sabemos que o custo social dessa vulnerabilidade sempre sobra para os contingentes populacionais que tem menos capacidade de proteção e de resposta, que são os vulneráveis”.

 

Sabroza contou que a fundamentação teórica é baseada na epidemiologia social com enfoque ecossistêmico em saúde, com perspectiva na complexidade e na informação e comunicação como os vetores estruturantes e organizadores das propostas de trabalho. Portanto, vigilância é informação. A questão é saber para quem essa informação é produzida. Os modelos anteriores de vigilância definiam que seu objetivo era produzir informação para os gestores definirem novas propostas de intervenção. No entanto, a nossa proposta aqui é mudar o eixo. Se o objetivo é aumenta a capacidade de resposta dos vulneráveis, para quem é que devemos gerar informação? Para a população, claro! E isso faz com que o método seja outro. A partir daí a questão da informação passa a ser mais importante que a estatística em um curso de vigilância. Não tem sentido geram informação se ela não for compartilhada”, disse. De acordo com Sabroza, é obrigação do gestor colocar isso de forma pública, mas ainda não se consegue acesso a essa informação. 


Seções Relacionadas:
Cooperação SUS Ensino

Nenhum comentário para: Sentimento de vulnerabilidade faz parte do modelo social