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Sociedade civil se organiza para discutir temas da Rio+20

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Publicado em:02/03/2012

Marina Lemle*

"Na roça, há uma epidemia de câncer. As crianças estão morrendo de leucemia por causa do veneno na lavoura. Precisamos desconstruir esse modelo de desenvolvimento que afeta a saúde e o meio ambiente e no qual o capital explora e exclui a maioria da população". O brado da camponesa IIzanete Maria Colla comoveu os participantes do debate promovido pelo Escritório Fiocruz na Rio+20 (26/1), no Fórum Social Temático, em Porto Alegre (RS), que contou com a participação de representantes de movimentos sociais, pesquisadores e representantes do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana da Saúde (Opas/OMS). Ao seu lado, Adélia Schmitz chamou atenção para a contaminação da água, do ar, do solo e da produção por agrotóxicos. Integrantes do Movimento Mulheres Camponesas (MMC Brasil), elas contaram que o pequeno produtor está integrado às grandes indústrias de químicos e sementes e não planta mais para a sua subsistência. "Há uma grande diferença de como se produzia na minha infância e hoje. A Rio+20 não pode ignorar a questão", alertou.

O debate também abordou os impactos causados por grandes empreendimentos, como siderúrgicas e hidrelétricas. Além de gerar poluição e degradação ambiental, com consequências diretas à saúde, a instalação dessas indústrias muitas vezes viola os direitos humanos, forçando a remoção de moradores e alijando-os das suas atividades econômicas tradicionais, como a pesca ou a lavoura, que garantem a sua sobrevivência.

Alexandre Pessoa, professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz (EPSJV/Fiocruz) e diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc/SN), lembrou que nem sempre as cidades estão preparadas para processos de crescimento acelerados, estimulados por empreendimentos ou pela realização de grandes eventos. "Se não pensarmos com precaução, os aspectos negativos cairão como pressão sobre o SUS", alertou. Para Pessoa, é importante fortalecer a saúde na Rio+20 porque ela coloca o ser humano no centro do debate. Ele defende as reformas agrária, urbana e sanitária para superar a exploração.

Geolípia Jacinto, representante do Projeto Vidas Paralelas, no Rio Grande do Norte, abordou a questão da saúde do trabalhador — "A cada duas horas um trabalhador morre no seu ambiente de trabalho e isso é subnotificado. Como tratar de sustentabilidade se não se trata da essência da vida, que é o trabalhador, que a mantém economicamente?", questionou. Luzia Aparecida, do Movimento Popular de Saúde (Mops) da Articulação Nacional dos Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (Aneps), de Taboão da Serra (SP), criticou o consumo exagerado e o desperdício, que, segundo ela, geram a gula do capital de produzir mais. "O capitalismo está se comendo", resumiu.

Para Celia Regina das Neves, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), é necessário observar as diferenças regionais na construção de um novo modelo. "Quando falamos do rural — campo, floresta e água — é preciso mapear realidades para uma proposta de transformação, de zelo dos recursos naturais, das bacias hidrográficas, das reservas florestais. O formato do modelo eu não tenho, precisamos discutir".

Membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e pesquisador da EPSJV/Fiocruz, André Burigo teceu críticas à economia verde, conceito que vem norteando os preparativos para a Rio+20. "Estão tentando dar uma roupagem verde ao capitalismo. A privatização de toda a biodiversidade está em jogo", alertou.

Também foram alvo de críticas os documentos da ONU e do governo brasileiro para a Rio+20. "O documento tem um único parágrafo que fala da saúde. Não há crítica ao modelo de desenvolvimento, com investimentos enormes, que não se revelam na área social ou ambiental", disse Hermano Albuquerque de Castro, pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz).

O representante da Opas/OMS no Brasil, Carlos Corvalan, mostrou-se preocupado com a ausência da saúde como tema prioritário para a ONU na Rio+20. "Muito aconteceu entre 1992 e hoje. Tivemos avanços e desafios gerados pelas múltiplas crises no âmbito econômico, social e ambiental. Também temos os temas emergentes não considerados na Rio 92, como o impacto das mudanças climáticas e saúde, e o aumento das doenças não transmissíveis. Portanto, a saúde não pode perder a importância que tem".

O debate em Porto Alegre forneceu subsídios para a elaboração, pela Fiocruz, de um documento preparatório para a Rio+20 e a Cúpula dos Povos, que se realizarão em junho, no Rio de Janeiro (Radis 112). "O objetivo foi promover o diálogo entre pesquisadores que trabalham na interface saúde e ambiente com movimentos sociais e organizações da sociedade civil para entender que problemas afetam as populações e que devem ser levantados", afirma Francisco Netto, representante da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde e do escritório para a Rio + 20 da Fiocruz.

A pesquisadora Cristina Pechine, da Fiocruz Bahia — unidade que vem promovendo ações com vistas à Rio+20 —, destacou a importância da participação da sociedade civil na conferência. "Os movimentos sociais precisam ser protagonistas. Precisamos sensibilizar as comunidades para trazerem a bandeira da saúde ambiental e dos vulneráveis".

*jornalista da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz


Fonte: Revista Radis
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