Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Saneamento: uma questão de direitos humanos

Marina Lemle

Durante o I Simpósio Interamericano sobre Habitação Saudável e Tecnologias Sociais, a VI Reunião da Rede Latino-Americana de Habitação Saudável e o I Encontro do Coletivo Fiocruz de Promoção da Saúde, realizados entre 17 e 19 de outubro, no Rio de Janeiro, especialistas de diversos países da América Latina, como Brasil, Cuba, Haiti, Peru, Argentina, Paraguai e Colômbia, iniciaram uma intensa jornada de trabalho para trocar informações e pensar soluções para um problema comum: a insalubridade na habitação. Além de promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências em saúde urbana, saneamento básico e desastres naturais, o evento visa fortalecer alianças, estimular cooperações e discutir possibilidades de agendas políticas que integrem saúde e ambiente, com foco na prevenção de doenças e na promoção da saúde através do uso de tecnologias sociais.



O encontro é promovido pela Organização Panamericana de Saúde (Opas/OMS), o Ministério da Saúde do Brasil, a Fiocruz - através da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) e do Centro de Relações Internacionais (Cris/Fiocruz) - e a Rede Latino-Americana de Habitação Saudável, coordenada pela pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA) da ENSP Simone Cynamon Cohen, que organiza o encontro junto com Mônica Dias de Souza (DSSA/ENSP) e Annibal Coelho de Amorim (VPAAPS).

O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel Fernandes, esteve presente no encontro e enfatizou a importância das articulações na busca por soluções e melhores resultados relacionados ao tema. Rangel contou que a Fiocruz vem estabelecendo parcerias com órgãos de defesa civil das três esferas de governo e destacou o Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres, composto pela Universidade Federal Fluminense, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Secretaria Nacional de Defesa Civil. Outra importante articulação mencionada foi a parceria com o Observatório de Saúde Urbana da UFMG.

"Tentamos trazer a discussão a um nível mais estratégico. Há uma série de contribuições a serem levantadas sobre os problemas ambientais. Estamos atrasados em encarar a questão da saúde nos aglomerados urbanos", disse. Rangel ainda sugeriu que o Coletivo de Promoção da Saúde da Fiocruz, formado por pesquisadores, se consolide como rede para pensar metodologicamente as formas de intervenção sobre os problemas.

Ele também contou que a Fiocruz está se articulando com o programa Brasil Sem Miséria, voltado para uma população de 16 milhões de pessoas que vivem na pobreza, em situações precárias nas suas casas e contextos ambientais. "Elas são as mais atingidas pelas mudanças globais. Estamos discutindo alternativas para essas pessoas, que estão aguardando as soluções que nós, técnicos, temos a oferecer. É uma questão humanitária", ressaltou.

Casa, água e saneamento: direitos humanos

Para Paulo Fernando Piza Teixeira, da Opas/OMS, casa, água e saneamento estão diretamente relacionados às questões de direitos humanos. "Os países têm que dar acesso universal", disse. Ele contou que a OMS está lançando um trabalho na Conferência Mundial dos Determinantes Sociais da Saúde, que começa nesta quarta-feira (19/10), no Rio, para trabalhar com parlamentares para que os estados promulguem leis que determinem que haja casa para todos. Para ele, os três níveis de governo devem desenvolver políticas de habitação nesse sentido.

Na fala seguinte, Paulo Cezar Pinto, um dos fundadores da Red Interamericana de la Vivienda Saludable, recomendou a quem trabalha com habitação saudável o estudo Environmental burden of disease associated with inadequate housing summary report, feito em oito cidades. Publicado este ano, o estudo analisa a influência de elementos que afetam a vida das pessoas. "Sem evidências não há como discutir políticas públicas", afirmou. Ainda de acordo com ele, o Ibama, que faz o licenciamento ambiental, está sendo muito eficiente e tem se protegido "de forma admirável" das intervenções políticas, embora elas existam e dificultem o trabalho. "A ineficácia é do setor saúde, que ainda não soube dizer o que tem a fazer para ajudar e levar elementos para reflexão e propostas de ação em questões de licenciamento, prevenção, monitoramento e controle", criticou.

Comunidade deve participar do debate

Em seguida, o médico epidemiologista Maurício Barreto, pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, deu exemplos de como as desigualdades de infraestrutura e localização geram diferenças no campo da saúde, como expectativa de vida ao nascer, incidência de doenças infecciosas, como tuberculose e dengue, e violências. Ele apresentou mapas que mostram a maior vulnerabilidade do hemisfério sul.

"Onde se morre mais é onde há menos saneamento. A infraestrutura e a localização são duas questões que vinculam determinantes sociais com questões concretas no campo da saúde. É preciso convencer o setor saúde da importância desses fatores. Mas a tradição biomédica do final do século XX é de assistência, e ainda é tênue a influência da prevenção", refletiu. Para ele, os países subdesenvolvidos encamparam as pautas do debate ambiental de países desenvolvidos, ficando só com as questões químicas e físicas e esquecendo da contaminação biológica. "Há 2,6 bilhões de pessoas no mundo sem saneamento e esgotamento sanitário. É uma das metas mais atrasadas nos objetivos do milênio. Quase a metade da população mundial não tem acesso a esgoto adequado", complementou.

Barreto lamentou que haja poucos estudos em intervenções sanitárias e seus efeitos sobre a saúde. Ele destacou um estudo feito na Bahia que mostra que ações de saneamento em determinadas regiões da cidade levaram a uma grande redução - até 40% - de incidência de diarréia. "Foram observadas reduções enormes de parasitas intestinais, que afetam o desenvolvimento infantil, assim como de doenças inflamatórias", contou.

No final das apresentações, a pesquisadora da ENSP Simone Cynamon, ao ser questionada sobre a segregação da população mais pobre dos debates e da busca de decisões para questões que lhe afetam especialmente, comentou um dos objetivos do projeto Teias-Escola Manguinhos, que trabalha diretamente com fóruns comunitários. "A palavra exclusão não existe para nós; pelo contrário, o técnico sem a comunidade não é nada, porque ele vai fazer a pesquisa para quem vai usufruir dos resultados dela. A comunidade é co-responsável pela pesquisa. Chamamos movimentos sociais para todas as atividades", relatou.

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