Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Saúde, cultura e urbanismo em debate na ENSP

É possível relacionar ciência, arte, urbanismo, cultura e atenção básica com a saúde pública? Sim! E foi o que mostrou o segundo dia da I Oficina Brasileira de Saúde Urbana para a Construção de Políticas Integradas de Saúde, Ambiente e Urbanismo, realizada na ENSP em 28/9. As quatro exposições buscaram trabalhar a questão do território em suas diversas dimensões. Entre os expositores estiveram o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel Fernandes, e a coordenadora do Teias-Escola Manguinhos, Elyne Engstrom.

Primeiro a se apresentar, Valcler Rangel dissertou sobre as dimensões das redes de atenção à saúde nos territórios e como o tema tem sido abordado dentro da lógica do Sistema Único de Saúde. Partindo do acelerado processo de urbanização verificado nas últimas décadas, o vice-presidente lembrou que esse fenômeno está no centro do processo de crescimento e desenvolvimento da sociedade, e que, embora acarrete um aumento da renda média da população, faz crescer também a desigualdade de renda. "Essa urbanização quase sempre é um processo caótico, em que a migração supera a capacidade da infraestrutura urbana e de geração de empregos. Isso, claro, afeta as políticas públicas das cidades, principalmente no campo da saúde", ressaltou.

Para suprir os problemas gerados pela urbanização, é necessário que os gestores públicos pensem em políticas que trabalhem em cima dos Determinantes Sociais de Saúde, onde se encontra o fator gerador de doença e bem-estar, sendo quatro os focos principais de atuação: reduzir a própria estratificação social; reduzir a exposição a fatores danosos à saúde por parte de grupos em posição menos privilegiada; buscar a diminuição da vulnerabilidade de grupos carentes às condições danosas à saúde que enfrentam; e, através da atenção à saúde, reduzir as consequências desiguais dos problemas de saúde e prevenir a deterioração socioeconômica de indivíduos que adoecem.

No âmbito da saúde urbana no Brasil, Valcler Rangel destacou que 54% da população vive em 267 cidades com mais de 100 mil habitantes, onde se desenha um complexo quadro de morbimortalidade, com crescente importância das causas externas (homicídios, acidentes de trânsito e violências em geral) e das doenças crônicas não transmissíveis. "Os sistemas de saúde estão predominantemente fragmentados, não conseguindo, assim, garantir o acesso universal e o atendimento completo do usuário", disse.

Sobre a importância das redes de atenção à saúde, o vice-presidente da Fiocruz afirmou que a implementação dessa política é fundamental para que se possa garantir o atendimento integral da população e evitar a fragmentação das ações em saúde. "As ações e serviços de saúde devem ser organizados em redes de atenção regionalizadas e hierarquizadas, promovendo o acesso preferencial pela Rede Básica de Saúde (atenção básica) e os casos de maior complexidade, encaminhados aos serviços especializados, que podem ser organizados de forma municipal ou regional, dependendo do porte e da demanda do município", destacou.

O olhar do urbanista no território da cidade

Arquiteta, urbanista, doutora em História pela Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (École de Hautes Études en Ciences Sociales) de Paris e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Margareth da Silva Pereira iniciou sua exposição lembrando que o País não sabe o que significam as práticas social, acadêmica e profissional do urbanismo. "Eu, por exemplo, que sou estudiosa dessa prática social, entendo o urbanismo como um braço da administração pública e, portanto, um braço das políticas públicas", disse. Margareth afirmou também que quando o urbanista separa os temas meio ambiente, saúde e urbanismo, isso significa que ele está tendo dificuldade de construir uma visão do campo disciplinar como um canal da administração.

Segundo a urbanista, os conceitos de 'urbano' e 'cidade' devem ser usados como sinônimos, porque hoje em dia vivemos na dispersão da urbanização nas grandes cidades. Margareth explica, usando como exemplo o Rio de Janeiro, que a cidade está crescendo de forma desordenada e que é preciso discutir uma melhor urbanização sanitária para acompanhar esse processo. "Não temos mais a figura do engenheiro sanitário para pensar sobre isso. Estamos introduzindo soluções para os gargalos do Rio que, há 50 anos, seriam pertinentes, mas que hoje não dão conta", afirmou.

Para ela, o fato de a cidade estar abrindo três novas frentes de zonas urbanizadas (Transcarioca, Transolímpica e Transoeste) significa espalhar as necessidades e vulnerabilidades da população, e não melhorar sua qualidade de vida. "Por que, em vez de ocuparmos os vazios urbanos existentes pela cidade e investir no transporte coletivo, pensamos em expandir sem um mínimo de controle? Isso vai explodir com as nossas fronteiras. Temos que repensar a compactação das nossas cidades para uma melhor gestão pública. Fazemos metrópoles cada vez mais expandidas, de forma desordenada e sem nos preocuparmos com as reais necessidades da população", encerrou.

Ciência e cultura na saúde urbana

O médico e ator Vitor Pordeus destacou as interações existentes entre cultura e saúde e como elas podem ajudar o ser humano a ter uma vida melhor, uma vez que seu corpo funciona como uma máquina científica. O expositor passou pela Teoria da Rede Imunológica, de Niels Jerne, na qual o sistema imunológico é composto por uma rede dinâmica, cujo comportamento é influenciado por antígenos estranhos, e que trabalham em dois níveis de interação: a relação com o ambiente interno e a relação com o ambiente externo. Citou também o trabalho de Humberto Maturana, que considera o sistema imunológico de uma pessoa como uma máquina autopoética, abordando ainda a questão do prazer: "O prazer é o que aumenta a nossa potência de agir, podendo ser dividido em dois. O prazer de curta duração, que é aquele obtido pela riqueza, pela fama, ou sexual, e o prazer de longa duração, que é o conhecimento sobre a natureza, que ilumina as nossas ações como seres humanos", afirmou.

Virtor Pordeus falou também do trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde (NCCS) da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ), que, através dos agentes culturais de saúde, promove uma série de atividades, como feiras de ciências e artes, espetáculos culturais e apresentações musicais, ao mesmo tempo em que oferece orientações de prevenção da dengue, das doenças sexualmente transmissíveis e Aids, tuberculose e hanseníase. O trabalho do NCCS pode ser conhecido no endereço http://nccsrio.blogspot.com/.

A atenção à saúde de base territorial

Encerrando o segundo dia de apresentações do seminário, a coordenadora do Teias-Escola Manguinhos, Elyne Engstrom frisou a importância de uma atenção básica à saúde forte e eficaz para o País, com destaque para o modelo de saúde da família como porta de entrada para o sistema. "Mas para que essa estratégia seja forte, precisamos compreender melhor o território ao qual está vinculada", disse. Segundo Elyne, é necessário pensar o território não como um espaço físico e sim um ambiente vulnerável, no qual cada espaço deve ser atendido de acordo com a necessidade da população local. "A territorialização é a base das equipes de saúde da família, que devem ser adaptadas para atender as demandas do povo", afirmou.

Elyne falou sobre o Projeto Teias, que vem construindo, no bairro de Manguinhos, um território integrado de saúde, com um modelo participativo de gestão em saúde, enfocando a intersetorialidade e os determinantes sociais da saúde. O conceito do Teias é uma estratégia de aperfeiçoamento político-institucional, gerencial e de organização da atenção do SUS. A iniciativa, fruto da cooperação tripartite inédita entre a Fiocruz (sob a coordenação da ENSP), o governo estadual e a prefeitura do Rio de Janeiro, busca fazer da região um território de atenção à saúde integrada, transformador das práticas da atenção, bem como um espaço de inovação das práticas de ensino e de geração de conhecimento científico e tecnológico, que se traduzam em melhorias da condição atual de saúde e vida da população. A expositora mostrou ainda um breve diagnóstico socioambiental da região, que conta atualmente com 40 mil pessoas, sendo atendidas por 13 equipes de saúde da família, capazes de cobrir 21 comunidades.

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