Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Formação no Brasil ainda é vocacional

Filipe Leonel

Os modelos que orientaram a formação curricular universitária no Brasil, Europa e Estados Unidos foram apresentados, na quarta-feira (18/5), pelo pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia Naomar de Almeida Filho no Centro de Estudos da ENSP. O pesquisador, que foi reitor da UFBA durante oito anos, apresentou o modelo 'cabanista vocacional' que influenciou a formação universitária no Brasil, citou o desprezo em relação ao Modelo Flexneriano de matriz disciplinar e pedagógica baseado no regime de ciclos e afirmou que o país pode ser um dos únicos no mundo a manter o modelo de formação universitária baseado na Revolução Francesa.


Naomar iniciou sua palestra discorrendo sobre a formação das universidades no mundo. A primeira instituição reconhecida como tal, segundo ele, foi a de Bolonha, na Itália, no século XI, seguida pela Universidade de Oxford e a de Paris - considerada central, junto com a Universidade de Coimbra, na história da universidade brasileira. Porém, do século XVI ao XVIII, as universidades passaram a enfrentar sérias crises, apesar de ser, paradoxalmente, um momento de explosão do conhecimento científico no mundo. "Esse período constitui, na formação das ideias no mundo, uma época em que a instituição chamada universidade resistia à ciência. Resistia porque os sujeitos que a constituíam estavam nas unidades orgânicas chamadas faculdades, as quais, nessa fase, já se atribuíam como entes da conservação e da referência pela tradição."

O modelo Cabanis e a apologia das disciplinas

No entanto, a Revolução Francesa se tornou uma resolução para essa crise ao extinguir as universidades francesas. A partir daquele momento, o médico Pierre-Jean-Georges Cabanis iniciou não apenas uma reforma universitária, mas implantou uma forma de organização baseada nas faculdades. "As faculdades superiores se autonomizaram nesse momento, pois a instituição que as justificavam deixou de ter um sentido político com a Revolução Francesa. A consequência disso no século XIX foi uma hegemonia da formação profissional, ou seja, o que era uma instituição de cultura e do conhecimento se tornou uma instituição promotora de formação técnica e profissional, quero dizer, vocacional. Cabanis faz uma apologia das disciplinas. Seu modelo fragmentou a formação. A reforma foi uma resposta à crise universitária, mas a tornou apenas um organismo coordenador de entidades independentes: as faculdades. E isso ainda é comum entre nós no Brasil."

Na sequência, Naomar se referiu ao educador Abraham Flexner. Citou a escola de cunho experimental fundada por ele, em que, durante quinze anos como mestre, desenvolveu métodos pedagógicos considerados de vanguarda em termos de modelo educacional. "A Flexner School foi uma instituição inovadora, centrada na motivação e no cultivo das vocações, sem provas, sem verificação de presença, sem normas punitivas. O sucesso de Flexner foi tão extraordinário que vários de seus alunos conseguiram aprovação nas universidades mais prestigiosas e concorridas dos Estados Unidos", destacou.

"O que se fala ou se escreve sobre Flexner não corresponde ao que ele pensou, escreveu ou defendeu"

O pesquisador da UFBA mencionou as várias inconsistências, contradições e omissões nos fragmentos referenciadores ao relatório proposto por Flexner. De acordo com ele, foi reproduzida uma cultura pedagógica anti-Flexner, na qual se identificaram diversos elementos ou defeitos centrados numa perspectiva exclusivamente biologicista de doença, com negação da determinação social da saúde; formação laboratorial no Ciclo Básico; formação clínica em hospitais; estímulo à disciplinaridade, numa abordagem reducionista do conhecimento. "Do ponto de vista pedagógico, o modelo de ensino preconizado por Flexner foi considerado massificador, passivo, hospitalocêntrico, individualista e tendente à superespecialização, com efeitos nocivos (e até perversos) sobre a formação profissional em saúde. Porém, tudo o que se fala ou se escreve sobre Flexner não corresponde ao que ele pensou, escreveu ou defendeu", justificou.

Flexner financiou propostas de reforma curricular que levavam em consideração seu relatório, como a integração da Escola Médica na Universidade, o curso médico como Pós-Graduação e o college como requisito de ingresso nas formações universitárias. Além disso, conforme afirmou o expositor, sugeriu a dedicação exclusiva do corpo docente e o controle social da prática médica. "Ao ter sucesso em postular e tornar o college, inicialmente com pelo menos dois anos e depois o curso pleno de quatro anos, como padrão de requerimento para entrada na escola médica, Flexner, na prática, definiu o modelo norte-americano de arquitetura curricular universitária. Portanto, seu projeto de estrutura de educação superior em ciclos foi de tal maneira absorvido por toda a rede de formação universitária nos Estados Unidos."



Brasil ainda segue modelo vocacional de formação

Antes de se referir ao modelo de universidade brasileira, o pesquisador resumiu o que chamou de mapa histórico das universidades. "Do século XI ao XVI, tivemos o modelo medieval. A partir do XVI e até o início do XIX, tivemos o vocacional, cuja finalidade era formar sujeitos para compor profissões graças à reforma Cabanis. Esse foi chamado regime linear de formação, pois tinha base nas faculdades e na hegemonia da profissão, em que a pessoa não se forma na universidade, se forma na faculdade. Em compensação, com a implantação da universidade de pesquisa, a produção do conhecimento se tornou o principal produto das instituições e, em função de uma série de eventos no século XX, os países abandonaram o modelo de Cabanis, e as universidades se comprometeram com o regime de ciclos."

O palestrante revelou ainda que o Brasil teve uma experiência com o modelo de ciclos em 1935, com Anísio Teixeira, na criação da Universidade do Distrito Federal. Porém, a ditadura Vargas abortou e reprimiu o planejamento de implantação. Posteriormente, ainda de acordo com ele, Anísio foi convocado para o planejamento da UNB na criação de Brasília pelo Presidente Juscelino, mas o golpe militar de 64 o destituiu do cargo de reitor, assim como na Federal de Minas Gerais. "Atualmente, a universidade brasileira possui um aspecto curioso, pois continua mantendo o modelo vocacional. Seguimos aquela universidade recuperada na Revolução Francesa e corremos o risco de sermos o 'último bastião' da reforma de Cabanis."

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