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Ocorrência do plágio põe em alerta comunidade científica

Filipe Leonel

"De forma geral, o plágio acadêmico se configura quando há a apropriação de ideias, processos, resultados ou palavras de outro autor como se fossem daquele que os utilizou." A definição da pesquisadora do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, Sonia Vasconcelos, na sessão científica da ENSP, na quarta-feira (16/3), alertou ao mesmo tempo para a importância que o tema adquiriu na última década e a complexidade existente em torno dele. As diferenças culturais, a percepção de suas distintas formas, o fator linguístico e até mesmo o autoplágio - quando há uma grande similaridade em relação a um texto já publicado anteriormente pelo mesmo autor - foram abordados na palestra. Ela ainda revelou que estudos recentes mostram um crescimento na taxa de retractions (cancelamento de publicações) na ciência. Um deles indica um aumento de menos de 0.25% a cerca de 1% entre a década de 1970 e 2007, para publicações indexadas no Medline. Em outro trabalho recente foi identificado que entre os anos de 1988 e 2008, o percentual de casos de plágio associados a retractions era três vezes maior quando comparados com outros tipos de má conduta, como a fabricação de dados.

Apesar de parecer simples, a definição do plágio abre margem para a discussão de inúmeras questões. Uma delas é o 'plágio inteligente'. Sônia citou um artigo da revista Nature, no qual, apesar de não haver um conceito claro, o fato se configura quando há utilização de trabalhos anteriores para gerar artigos novos, com dados inéditos. "O plágio inteligente é bastante problemático e perigoso. Normalmente, durante a revisão do artigo, são identificados trechos que se parecem com algum trabalho anterior, mas ao mesmo tempo a publicação parece trazer dados novos. Fica a dúvida se essa contribuição é original ou não para a ciência", questionou.

No contexto internacional do plágio, de acordo com Sônia, qualquer empréstimo textual feito de outra publicação deve ser marcado entre aspas. Entretanto, na comunicação científica, essa prática não é comum; o mais natural na ciência é se utilizar a paráfrase ou resumo da idéia do outro, o que pode ser muito complicado para pesquisadores não-nativos do inglês. A questão é que há pouca atenção para esse aspecto do texto. No meio científico, há pesquisadores que dão importância somente aos dados, deixando o texto e a sua interpretação em segundo plano. "Porém, nesses casos, ocorre justamente o inesperado. As palavras de um artigo, principalmente para quem não é de um país anglofônico, possuem extrema importância. Se o autor não souber discutir um pequeno trecho em inglês em determinado texto, acaba achando um pronto em outro artigo. Como justificativa, aquele que copiou alega que ao tentar modificar o que está escrito - tão bem - corre o risco de deturpar o que está na literatura. Esse é um sentimento natural daqueles que não dominam o idioma."

Autoplágio pode ser configurado com a reutilização de 30% daquilo que já foi publicado pelo próprio autor

A respeito das diferentes interpretações em relação ao plágio, a pesquisadora da UFRJ citou novamente um artigo da Nature. Publicado por cientistas turcos, o texto afirma que "pegar emprestado frases de um paper que simplesmente ajude a introduzir o problema não deve ser visto como plágio", e continua: "Mesmo se a introdução não for completamente original, os dados são. Eles são a peça mais importante de um artigo científico. Nesse clima de publique ou pereça, estamos sob pressão para publicar resultados". Sônia analisou o caso da seguinte forma: "O título da matéria diz que eles não estão plagiando, que 'pegam emprestado' um inglês melhor. Mas não se trata de um caso único. Em alguns lugares, pesquisadores cometem plágio justamente por não saberem que é ilegítimo. Há uma questão cultural nesse aspecto também.

Ao comentar o papel dos revisores na identificação do autoplágio, Sônia afirmou que há um grande conflito nessa definição. Apesar do pouco consenso em relação ao quanto de 'empréstimo' um autor pode pegar de seus próprios textos, há editores que consideram razoável reutilizar 30% daquilo que já foi publicado. "Essa questão é bastante controversa, pois, em muitos casos, 30% podem representar praticamente a contribuição inteira de um novo trabalho. Os autores, por sua vez, questionam a impossibilidade de reutilizarem suas próprias palavras"

" Quando se está atento para o erro, ele é percebido com mais facilidade"

No Brasil, segundo a exposição da palestrante, "alguns casos de empréstimos textuais têm sido interpretados como problemas editoriais, ao invés de plágio acadêmico". A condição privilegiada do país em relação à produção científica na América Latina e a preocupação com a incidência de plágio em contextos educacionais fez com que a Ordem dos Advogados do Brasil expedisse, em 2010, um documento que expressava a preocupação com o plágio na academia e cobrava uma posição das instituições brasileiras em relação à prática.

Aos alunos da pós-graduação da ENSP, deixou uma mensagem: "No contexto atual, a metodologia de trabalho requer bastante atenção. O aluno deve ter cuidado ao inserir uma descrição metodológica de outrem em seu trabalho como se fosse sua, pois se trata de uma prática perigosa. Esse momento em que vocês estão ingressando na pós é muito singular e, seguramente, seus orientadores não passaram por isso. As demandas de confiabilidade não mudaram, mas a forma de lidar com as demandas e a fiscalização mudaram bastante. Quando se está atento para o erro, ele é percebido com mais facilidade. Essa cultura está sendo internalizada nas instituições, e vocês devem ter mais cuidado".


A mesa de abertura contou com a participação da vice-diretora de Pós-Graduação, Maria Helena Mendonça, e dos coordenadores dos quatro Programas de Pós-Graduação da ENSP: Cristina Guilam, Saúde Pública; Sergio Koifman, Saúde Pública e Meio Ambiente; Ana Glória Godoi Vasconcelos, coordenadora adjunta de Epidemiologia em Saúde Pública; e Sergio Rego, de Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva. Na primeira parte do evento, os alunos receberam informações sobre a segurança no campus da Fiocruz, o serviço de gestão acadêmica, a biblioteca e o comitê de ética da ENSP.

A edição de sexta-feira (18/3) do Informe ENSP publicará uma entrevista exclusiva com Sonia Vasconcelos sobre o plágio na comunidade científica.

Aula inaugural será dia 11 de abril

Este ano, a aula inaugural da ENSP será realizada no dia 11 de abril no Seminário Internacional Acesso livre ao conhecimento, promovido pela ENSP em parceria com a UNA-SUS. A palestra de abertura do evento será proferida pelo Dr. Eloy António Santos Cordeiro Rodrigues, diretor da Universidade do Minho, em Braga, Portugal.

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