Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Pesquisadores explicam projeto sobre contas de saúde no Brasil

Maria Angélica Borges do Santos, da Escola de Governo em Saúde da ENSP, Ricardo Montes de Moraes, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - respectivamente representantes da ENSP e do IBGE no Comitê Executivo do Projeto Contas de Saúde -, e Marina Ferreira de Noronha, pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps/ENSP) e representante da ENSP no Comitê Gestor das Contas de Saúde, falaram sobre as Contas de Saúde que vêm sendo elaboradas desde 2006 em um trabalho conjunto do IBGE, do Ministério da Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). As contas de saúde são elaboradas primordialmente para sistematizar informações sobre gastos e financiamento na saúde e, na visão da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), constituem um dos pilares essenciais para que os Sistemas Nacionais de Informações em Saúde permitam subsidiar, com consistência, a tomada de decisão em políticas de saúde.

As contas de saúde mostram, por exemplo, que, em 2007, as despesas com consumo de bens e serviços de saúde no Brasil foram de R$ 224,5 bilhões (8,4% do PIB). Desse total, 57,4% foi pago pelas famílias (diretamente ou via planos de saúde) e 41,6% foi financiado pela administração pública. O 1,0% restante representa a despesa de instituições sem fins de lucro, como ONGs e igrejas.

Em 2007, o crescimento real (sem contar aumentos de preço) do consumo de bens e serviços de saúde financiados pelo governo foi de 5,8% - menor que os 7,4% do ano anterior. A despesa das famílias com consumo desses bens e serviços teve um aumento real de 4,6% em 2007 - maior que os 3,7% de 2006.

As atividades econômicas ligadas à saúde foram responsáveis por 4,2 milhões de postos de trabalho em 2007, o que representa 4,4% do total de postos de trabalho do país. O número de postos de trabalho em atividades de saúde cresceu 6,6% em 2007 e 1,9% em 2006. Esses números foram retirados da Conta-Satélite de Saúde, que pode ser encontrada no site de Contas de Saúde do Brasil.

Confira abaixo a entrevista:

Portal ENSP: O que são as contas de saúde e como elas surgiram?

Maria Angélica Borges dos Santos:
Curiosamente, a primeira conta de saúde foi elaborada na década de 1930 pelos Estados Unidos, na tentativa de estimar quanto custaria oferecer à população do país um sistema de saúde com financiamento público. A partir da década de 50, com o avanço dos sistemas públicos de saúde em outros países, uma quantidade cada vez maior de países passou a se interessar por sistematizar essa informação. As contas de saúde reúnem dados sobre gastos e financiamento de bens e serviços de saúde e resumem informações sobre origem e destino de recursos, fluxos financeiros e, para algumas metodologias de elaboração de contas, como a que adotamos no Brasil, a relação do setor de saúde com o restante da economia. Hoje, existem três principais metodologias para realizar essa síntese de informações - a metodologia do National Health Accounts (NHA), da Universidade de Harvard; a metodologia do System of Health Accounts (SHA), da OCDE/OMS/Eurostat, que pretende se tornar padrão mundial; e a metodologia de Conta-Satélite, endossada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), mais diretamente baseada no Sistema de Contas Nacionais (SCN), que é a usada no Brasil.

Marina Noronha: As primeiras iniciativas de construção de um sistema de Contas de Saúde no Brasil são de 1995. Em 2000, o trabalho foi retomado, mas só nos anos de 2002 e 2003 houve algum avanço. A Portaria Interministerial n° 437, de 1° de março de 2006, expedida pelos Ministérios da Fazenda, da Saúde e do Planejamento foi o primeiro passo para institucionalizar as Contas de Saúde. As Contas de Saúde são hoje resultado de trabalhos dos grupos instituídos por meio dessa portaria - que formalizou a conjunção de esforços para implementá-las e mantê-las.

Portal ENSP: Como são realizados os cálculos que dão origem às contas de saúde?

Maria Angélica:
O arcabouço que usamos no Brasil para fazer esse tipo de cálculo é o Sistema de Contas Nacionais (SCN). O SCN é o sistema que serve como a base de cálculo para o PIB. Ele permite que os resultados e índices produzidos nas contas de saúde estejam metodologicamente vinculados ao PIB. O SCN é uma ferramenta que retrata toda a economia do país, além de mostrar a saúde como um setor da economia.

Ricardo: Nós cruzamos várias bases de dados diferentes: pesquisas do IBGE sobre produção de medicamentos, registros administrativos sobre comércio exterior, bases do Ministério da Saúde, como SIH e SIOPS, dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar e dados da contabilidade pública, como os do SIAFI, entre outros. Para construir a conta-satélite de saúde, cruzamos essas informações usando conceitos e quadros do Sistema de Contas Nacionais. Com isso, conseguimos chegar a informações consistentes sobre consumo, produção, importação e exportação de bens e serviços de saúde. Estimamos também o emprego e a geração de renda nas atividades de saúde. Isso nos permite acompanhar os valores e o crescimento dessas variáveis de um ano para o outro.

Portal ENSP: O que vem sendo feito atualmente para melhorar o sistema de contas de saúde no país?

Maria Angélica:
A conta do Brasil, atualmente, não acompanha apenas o gasto em bens e serviços de saúde, mas toda a dinâmica do complexo industrial da saúde. Isso porque, diferentemente do que faz a maioria dos paises, incluímos, no escopo da conta de saúde brasileira, não só as atividades de prestação de serviços de saúde privados e saúde pública, mas as atividades da indústria farmacêutica e de equipamentos médico-hospitalares. Assim, sabemos não apenas quanto gastamos com saúde, mas quanto desse gasto é pagamento de salários e rendimentos de capital, quantas pessoas estão empregadas em cada setor ligado à saúde, quanto a indústria farmacêutica está produzindo e que recursos usa para isso, por exemplo. Podemos dizer que, nessa perspectiva da informação com consistência econômica, hoje temos no Brasil uma conta muito mais articulada do que vários paises. A maioria dos países acompanha apenas gastos em saúde - quem paga e em que gasta (atendimento hospitalar, ambulatorial, prevenção). Essa já é uma informação muito relevante, mas precisamos ir além da discussão do gasto para articular essa informação com outras como, por exemplo, que recursos de infraestrutura e humanos estamos usando e o que esse gasto está gerando em termos de produtos e resultados.

Ricardo: Sozinha, a informação sobre gasto pode não dizer muita coisa. Para comparar os gastos de dois anos, por exemplo, precisamos saber quanto da diferença entre eles tem a ver com aumento de preços e quanto com o aumento da quantidade e qualidade dos bens e serviços de saúde. Esse foi, em linhas gerais, o tema da discussão sobre volume e preço de uma reunião da qual participamos em março em Washington. Como existem cada vez mais bases de dados disponíveis, a partir desses dados, a discussão sobre como refinar os indicadores de volume da saúde está ganhando espaço em vários organismos internacionais.

Angélica: Este ano, a comunidade internacional intensificou o esforço para fortalecer a produção de informações de contas nos países. O Banco Mundial produziu um relatório para avaliar o que ele chama de institucionalização das contas de saúde nos países e criou alguns critérios para isso. Esse relatório identificou 41 países que possuem um sistema institucionalizado. O grande diferencial da institucionalização é ter uma equipe qualificada e ajustada, além da produção de três ciclos de contas nos últimos cinco anos e do uso da informação para tomada de decisão. Na esteira desse esforço para aumentar o nível de institucionalização, os organismos internacionais têm a meta de, até 2020, chegar a 100 países com contas institucionalizadas. Há um ranking dos países em relação a esse esforço. O Brasil está no nível dois, quase institucionalizado. Nós temos dois ciclos de contas - e é necessário possuir três - e ainda precisamos resolver algumas questões, principalmente a da intensificação do uso das informações produzidas pelas contas de saúde por tomadores de decisão.

Portal ENSP: Como o Brasil pode apoiar e participar do desenvolvimento mundial da metodologia de contas de saúde?

Marina:
Como parte do esforço de institucionalização, foram promovidas várias reuniões internacionais neste ano. O grupo de contas de saúde brasileiro participou de pelo menos quatro encontros desse tipo - em Washington, Caribe, Paris e Lima.

Ricardo: Como há mais de uma metodologia para contas de saúde, essas reuniões tratam da situação de cada país e das possibilidades de harmonização entre as metodologias. O Brasil e alguns países da América Latina usam contas-satélites - com os conceitos e definições do Sistema de Contas Nacionais. O SHA, metodologia adotada pela OCDE, por exemplo, está sendo revisto e, na revisão, está se aproximando mais do Sistema de Contas Nacionais.

Angélica: Em função dessa tentativa de incorporar um número maior de conceitos do Sistema de Contas Nacionais na metodologia SHA, da OCDE, fomos convidados para participar de uma reunião da OCDE - em novembro, em Paris - e para contribuir mais diretamente com sugestões e críticas para a revisão do Manual do SHA. Essa foi uma grande oportunidade de ter uma interação maior com os países da OCDE. Logo que chegamos lá, eles destacaram que "o Brasil não é membro da OCDE, mas é um parceiro privilegiado". E isso traz desdobramentos. Devemos participar também de uma mesa para discutir metodologia de contas no Congresso Mundial de Economia da Saúde, em Toronto, ano que vem. Temos muito a evoluir e contribuir tanto a nível internacional quanto nacional. Mas falta, em nível nacional, um conhecimento maior da comunidade política e acadêmica sobre o uso das contas de saúde. Na prática, essa é hoje a principal lacuna para estarmos de fato com um Sistema de Contas de Saúde institucionalizado.

Portal ENSP: Quais são as interfaces e o papel da ENSP no Sistema de Contas de Saúde?

Angélica:
Quando nós montamos a plataforma institucional para produzir as contas de saúde, os dois principais papéis que imaginamos para a ENSP e o Ipea eram subsidiar a construção da conta com informações sobre a dinâmica do sistema de saúde que permitissem modelar as contas e pensar maneiras para disseminar e para capacitar os profissionais da saúde e gestores públicos para usar os dados produzidos.

Mariana Noronha: Foi exatamente pensando em fortalecer esse papel da ENSP que apresentamos o projeto Avanços na Conta-Satélite da Saúde ao Inova-ENSP no início deste ano. Hoje, temos recursos de sustentação acadêmica para pensar em uma disciplina, dentro do Programa de Saúde Pública, para discutir uso das contas de saúde e capacitar em elaboração das Contas. Estamos também desenvolvendo vários trabalhos que analisam informações das Contas de Saúde já produzidas ou de pesquisas em andamento, de certa forma traduzindo-as para uso mais intensivo pelos profissionais da área de saúde. A institucionalização da conta-satélite de saúde não passa apenas pela produção de informação, mas, principalmente, pela capacitação e uso das informações. Depois das contas produzidas, tem de saber usar, entender, e para isso é fundamental capacitar e traduzir os conceitos econômicos, às vezes complicados, para uma linguagem mais adaptada à saúde e ao tomador de decisão. Esse é exatamente o papel da ENSP neste momento para garantir a institucionalização das contas.

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