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Arte e cultura: ferramentas utilizadas para cura no campo da saúde mental

"A arte é contrária ao poder e inimiga da autoridade. Sua função é alimentar e ampliar a empatia do homem com o diferente. Portanto, é possível afirmar que a arte cura a loucura", afirmou o psiquiatra Ernesto Venturini, referência mundial da área de saúde mental, durante o Seminário Internacional Cartografia Cultural: as dobras da loucura, realizado na ENSP entre os dias 1º e 3/12. O encontro foi promovido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP.

Paulo Amarante, coordenador do Laps/ENSP, iniciou o evento lembrando que a reforma psiquiátrica não é uma reforma de serviço, e sim reforma do modelo assistencial. Para ele, é fundamentalmente a transformação do lugar social da loucura, da pessoa com sofrimento mental. "Mas, para transformar esse imaginário social, é estratégico utilizar dispositivos da cultura. Sabemos do nosso protagonismo aqui na Fiocruz, na ENSP e, em especial, no Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial; aprofundar esse debate tem sido a nossa preocupação e interesse", disse Amarante.

"O banditismo e o tráfico são uma ponta muito explícita da violência, principalmente no Rio de janeiro. Mas a violência não é apenas isso. Ela está espalhada por toda a sociedade e pode ser vista claramente no preconceito contra o que é diferente, como a loucura", afirmou o secretário substituto de Identidade e da Diversidade Cultural, do Ministério da Cultura (SID/MinC), Ricardo Lima, que também participou do evento. Segundo Lima, é preciso aceitar a loucura como parte da diversidade brasileira. "Enquanto a sociedade não entender que universos diferentes precisam ser respeitados, não resolveremos o problema cultural da violência. Não podemos achar que o diferente é inferior. O país está pronto para dar um salto de qualidade social e civilizatório. As condições estão dadas. Basta fazermos".

Lima comentou que o Ministério da Cultura deu um grande passo quando assimilou a loucura como parte da diversidade brasileira. "Existe uma produção cultural artística no universo da loucura. Nós entendemos, aceitamos e criamos políticas públicas para essa produção cultural como se cria para qualquer cidadão ou classe, fomentando, financiando, distribuindo, fazendo difusão e preservando a memória dessa parte da cultura da sociedade. O MinC reconhece artistas na diferença", constatou Lima.

Na ocasião, Paulo Amarante apresentou um DVD editado pelo Laps/ENSP e lançado em novembro de 2010 durante o IX Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos - Madres de Plaza de Mayo. O vídeo foi feito no II Fórum Internacional de Saúde Mental, Saúde Coletiva e Direitos Humanos, realizado no Brasil, em 2008. Esse projeto contém um documentário feito pela equipe de jornalismo do Vídeo Saúde e um documentário específico sobre a parte cultural desse fórum. De acordo com Paulo Amarante, foi possível dar um novo recorte aos encontros culturais que normalmente acontecem à margem das discussões oficiais dos encontros. "Discutimos politicamente a questão da cultura. Como uma forma de intervenção no próprio espaço do seminário. Abordamos a ideia de utilização da cultura como estratégia de transformação das relações entre a sociedade e os sujeitos com transtornos psíquicos", disse.

Sem liberdade pode existir arte, mas nunca poderá existir terapia

"A diversidade refere-se ao inalienável direito do indivíduo de viver, realizar e se expressar em toda sua original plenitude", assegurou Ernesto Venturini no início de sua palestra intitulada A cultura cura a loucura?. Venturini defendeu que uma sociedade de sujeitos não originais é uma sociedade totalitária, perigosa e destinada à autodestruição. Mas, segundo ele, existe uma propensão a uniformização, pois uma sociedade uniforme é mais facilmente controlada.
"Uma sociedade de sujeitos diversos é mais difícil de se controlar porque ela é crítica, dinâmica e complexa. Aí está a diferença entre ensinar e educar. Ensinar vem do latim insignare, que é indicar, fazer sinal, apontar numa direção. Já educar quer dizer conduzir para fora, extrair. Portanto, ensinar leva à normalidade, educar leva à diversidade. A complexidade do caráter e das formas é o maior valor de uma cultura, de uma sociedade", assegurou.

Ele lembrou que o reconhecimento da loucura como diversidade ainda constitui uma difícil questão. "Na História, o louco sempre foi visto como um indivíduo que perturba o senso comum da sociedade uniforme. Mas, para enfrentar esse assunto, temos de introduzir outros conceitos, como a desigualdade, que é um processo social no qual alguns indivíduos têm menos chance, acesso e recompensas sociais do que outro. O sofrimento dos usuários dos serviços de saúde mental e de seus familiares não deriva dos efeitos da diversidade, mas sim dos efeitos das desigualdades sociais, que impossibilita a diversidade. Por isso sempre julguei prioritário intervir contra as desigualdades sociais. Quando permitimos que os usuários tomem consciência de seus direitos e exerçam o poder nas práticas da cidadania, também damos poder a ele. Durante esses anos, pude verificar que o exercício do poder é terapêutico, explicou.

Venturini alegou que a própria psiquiatria tradicional do manicômio reduz a diversidade à doença, pois não reconhece valor algum nela. "A linguagem do louco e a estrutura do seu pensamento são diagnosticados como patologia, como alteração da racionalidade. Essa psiquiatria é simplesmente a expressão médica de uma forma analógica de pensamento. É uma lógica que tem a cura baseada exclusivamente na medicalização dos sintomas e em tecnologias disciplinares, na preservação da ordem e normatização da diversidade. Mas a cura abrange a vida, emoções, sabores, sonhos, histórias... Ela não pode ser reduzida a uma tecnologia. A cura verdadeiramente científica deve ser baseada no pensamento crítico. Ela significa fornecer aos cidadãos os instrumentos para enfrentar a loucura, desenvolver conhecimento e competência, para assim apoiar concretamente a reintegração social, incentivar o convívio dos usuários com os familiares, entre outros".

Venturini disse que a função da arte é alimentar e ampliar a empatia do homem com o diferente. Portanto, é possível afirmar que a arte cura a loucura. "A ideia de que a arte pode ser útil ao doente mental já é antiga e deriva também do mito de que os gênios e os artistas têm sempre um pouco de loucos". Ele alertou ainda para o perigo da manipulação no uso da arte. "O risco é o trabalho da arte se tornar caricatura na psiquiatria, se transformar em uma modalidade de exploração física e intelectual que corresponde ao entretenimento nesse tipo de tratamento. Penso que, no inferno do manicômio ou em todos os outros lugares onde exista repressão e marginalização, algumas obras de internos até podem ser obras artísticas, mas as técnicas não são terapêuticas, pois sem liberdade pode existir arte, mas nunca poderá existir terapia. A arte é contrária ao poder e inimiga da autoridade. Ela é cultura, e cultura fomenta reflexão, desenvolve pensamento crítico", defendeu.

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