Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Reforma da saúde nos EUA pode afetar sistema brasileiro

Os elementos que desencadearam a reforma do sistema de saúde dos Estados Unidos, promovida pelo presidente Barack Obama e aprovada no último domingo na Câmara de Deputados dos EUA, foram abordados pelo ex-secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, José Carvalho de Noronha, no primeiro Centro de Estudos da ENSP de 2010, na quarta-feira (24/03). Em sua palestra, Noronha comentou a criação do sistema americano, as características da reforma apresentada pelo presidente Obama, e como os arranjos de mercado para fortalecer os planos e seguradoras de saúde podem afetar o sistema de saúde brasileiro.

O filme Sicko - SOS Saúde foi apresentado antes do debate para o público presente. Nele, o diretor Michael Moore traz relatos de cidadãos americanos que tiveram suas vidas arruinadas pelo sistema de saúde do país, mostrando que a crise não afeta apenas os milhões de cidadãos que não possuem seguro de saúde, mas também milhões de outros que pagam suas prestações e estão frequentemente lutando com a burocracia e com suas regras oficiais obscuras.

Ao inciar a sua palestra, José Noronha disse que um dos aspectos mais impressionantes no filme é o fato de o país que mais gasta com saúde no mundo possuir um sistema extremamente desigual. Para comprovar a afirmativa, revelou, baseado em dados comparativos da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento de 2007, que os EUA comprometem 16% do seu Produto Interno Bruto com saúde, chegando a gastar, por habitante, 7.290 dólares. Ao comparar com outros países, revelou que o Canadá, que possui melhores indicadores de saúde, gasta 3.895 dólares, enquanto a França gasta 3.601, e Cuba em torno de 600 dólares.

"Só para comprovar, a expectativa de vida nos EUA é de 78 anos, enquanto na França é de 81, e no Canadá de 87 anos. A mortalidade infantil nos EUA (2006) é de 6,7 por mil nascidos vivos; de 3,8 na França; 5,0 no Candá; 4,3 em Cuba; e 19,7 no Brasil. Enfim, há alguma coisa intrinsicamente errada".

De acordo com o palestrante, que também é ex-presidente da Abrasco e ex-secretário de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, a primeira tentativa da criação de um seguro social universal nos EUA foi durante o 'new deal', que trouxe uma série de programas implementados pelo presidente Roosevelt, na tentativa de recuperar e reformar a economia norte-americana, e assistir aos prejudicados pela Crise de 1929. "Nas décadas de 30 e 40, houve um movimento para criação de seguros universais de proteção à saúde, que defendiam um sistema universal de cobertura. No entanto, essa proposta teve a oposição da associação médica americana, dos hospitais e dos grupos médicos que começaram a organizar formas que se opunham a criação de um mecanismo universal de proteção, e o receio do fim da liberdade com o avanço do socialismo".


Segundo Noronha, os planos de saúde prosperaram de forma muito intensa no pós-guerra. No entanto, entre as décadas de 50 e 60, passaram a sofrer dois tipos de pressão: das pessoas que não eram cobertas por planos e seguros de saúde, ou seja, de uma parte significativa da população que não tinha plano de saúde contratado pelos seus empregadores; e das próprias operadoras de planos de saúde, que começaram a ter seus negócios comprometidos. "Com a melhoria da qualidade de vida dos americanos, houve um aumento na expectativa de vida e um aumento da população idosa. Ao contrário do que dizem, quanto mais saúde o povo tem, de mais assistência médica ele precisa. A velhice vem acompanhada de outros problemas de saúde, necessita de outras formas de organização. Com isso, as despesas assistenciais aumentaram muito, os planos deixaram de ser rentáveis e as seguradoras demandaram do governo algum tipo de mudança".

A expansão do Estado de bem-estar social levou a aprovação de dois grandes programas estatais norte-americanos: o Medicaid, um sistema de cobertura para cidadãos americanos abaixo da linha da pobreza e que não contemplava imigrantes legais ou ilegais; e o Medicare, voltado para o atendimento das pessoas com mais de 65 anos, administrado pelo governo federal, com regras contributivas específicas.

Noronha revelou que o crescimento com as despesas em saúde, o elevado preço dos planos e a insatisfação pela falta de cobertura de 40 milhões de pessoas favoreceram a reforma no sistema de saúde americano. "O presidente americano criou uma estratégia de ampliação da cobertura, por meio de mecanismos que pudessem garantir os ganhos das seguradoras, que agradassem os médicos e, aumentando o número de pessoas com suas prescrições atendidas, as indústrias farmacêuticas também ganhariam. Esse equacionamento entre o interesse dos necessitados, os interesses empresariais e comerciais fizeram parte do movimento da reforma".

Receita dos planos de saúde já ultrapassa orçamento do SUS

A reforma americana aprovada na Câmara dos Deputados traz uma série de mecanismos que estendem a cobertura de 32 milhões de americanos antes desassistidos do sistema. A lei aumenta a cobertura dos programas Medicare e Medicaid, acabando com as exceções dos planos para doenças pré-existentes. Além disso, impede as seguradoras de saúde de cobrarem aumentos abusivos ou taxas extras para cobrirem eventuais prejuízos por conta de erros médicos. Também dará subsídios para que trabalhadores de média e baixa renda tenham o seguro e obriga o pagamento de multa para todas as famílias de classe média que não tenham seguro-saúde e para os pequenos negociadores que não contratarem plano de saúde para seus empregados.

"O modelo proposto por Obama ainda opera pela lógica do mercado, mas só o tempo vai dizer se o mecanismo será capaz de se sustentar. No entanto, o que eles esperam é que esse balanço e contrabalanço forneça pacotes mais baratos e aumente o controle e fiscalização sobre os produtos ofertados. A lógica ainda é o incentivo à demanda".

Na opinião de Noronha, a reforma dos Estados Unidos ainda estimula a presença dos segmentos privados na saúde, e isso pode afetar o Brasil, pois o perfil de gasto entre o público e o privado já é maior que nos EUA. "Aqui no Brasil, desde 2005, a receita dos planos de saúde já supera o orçamento do Ministério da Saúde. Isso porque eles atendem 25% da população. Temos que refletir sobre isso, pois estamos avançando não em direção à expansão do SUS, mas em relação aos arranjos de mercado. Estou convencido de que a maior defesa do SUS é a democracia. O segmento privado no Brasil, assim como nos EUA, é fortemente subsidiado".

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