Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Presidente do IPEA defende novo padrão civilizatório contra mazelas do século XXI

Nesta segunda-feira (21/09), a ENSP recebeu o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, para a conferência de abertura da semana de aniversário de 55 anos da ENSP, que este ano tem como tema 'Saúde, inclusão social e cidadania: contra a fome e a miséria'. Durante uma hora, o palestrante abordou as mazelas sociais do século XX e as possibilidades de construção de um novo padrão civilizatório no século XXI, que exigem repensar a forma de se fazer políticas públicas.

Antes da palestra, o diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, entregou ao diretor do Ibase, Francisco Meneses, a adesão da Escola ao abaixo-assinado para aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 047/2003, que inclui a alimentação entre os direitos sociais estabelecidos no Artigo 6º da Constituição. A solenidade de abertura contou também com as participações do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e do secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães.

(Confira aqui os vídeos de abertura da semana comemorativa dos 55 anos da ENSP)

O diretor Antônio Ivo de Carvalho abriu a solenidade destacando a tradição da ENSP em celebrar e expressar seu desejo de que a Escola não seja apenas um local de ensino tradicional, mas uma instituição de integração de uma saúde pública comprometida com a ciência e a cidadania. Por isso, segundo ele, a Escola dedica a semana comemorativa ao debate dos desafios da pobreza e da fome no mundo. "A relação da saúde pública com esses temas é histórica, e não é possível fazer saúde sem que haja condições sociais básicas para a vida", disse.

Em seguida, o secretário Reinaldo Guimarães lembrou que a saúde pública vive hoje um momento sensível e de grande individualismo. Para ele, os sanitaristas são os guardiões da ética coletiva no campo da saúde pública, e essa ética vem sofrendo ataques no Brasil e no mundo. "Temos que exigir a construção da ética do coletivo, e desejo que a ENSP ajude a resolver esse problema", afirmou.

Antes da palestra principal, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, destacou que a Fundação foi convidada a assumir a presidência do Coep Rio. O Coep - Rede Nacional de Mobilização Social -, foi criado em 1993, no âmbito da grande mobilização social contra a fome e a miséria liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Foi uma iniciativa inovadora, que resultou em uma grande Rede de Mobilização Social de Organizações do Brasil e tornou-se referência em nível nacional e internacional. "Certamente, contaremos com a ajuda da ENSP nesse processo e temos a oportunidade de atuar cada vez mais no campo da inclusão social no país", informou.

"O século XXI nos traz um novo patamar de conhecimento, e a escola exerce esse papel de difusora de conhecimento"

Tratar da temática do padrão civilizatório e referências de cidadania foi o foco da exposição do presidente do Ipea, Marcio Pochmann. Para ele, a construção humana para enfrentar as mazelas sociais em nome da cidadania é algo muito próprio de todas as gerações que ajudaram a construir o século XX, acreditando que o mundo está diante da possibilidade de criar um outro padrão civilizatório, superior, para o século XXI. "Estamos vivendo em uma sociedade pós-industrial, que exige um repensar profundo na forma de se fazer políticas públicas e na produção de conhecimento, ao mesmo tempo que essa nova sociedade pressupõe uma refundação do Estado, porque acreditamos que o Estado que existe hoje é incapaz de dar conta da totalidade que representam os problemas do ponto de vista humano", afirmou.

Pochmann dividiu sua palestra em três partes, relacionando-as à história evolutiva do mundo, sendo a primeira voltada para a sociedade agrária. Neste período, segundo ele, o papel da sociedade era limitado e restrito, e há o surgimento do estado mínimo com apenas três funções: emissão monetária, monopólio da força militar e arrecadação de tributos. "Nessa época, o Estado absorvia cerca de 5% do PIB de cada país. A sociedade vivia da produção limitada de bens, mesmo com expansão das áreas de produção, uma vez que era impossível atender ao ritmo de expansão territorial", disse. Marcio Pochmann lembrou que as famílias mais pobres tinham filhos, mas sem condição de criá-los adequadamente, gerando fome, morte e doenças, pois não existiam formas de controlar isso.

Já no século XIX, a vida era fundamentalmente voltada para o trabalho. A expectativa de vida não passava dos 35 anos, e uma pessoa ingressava no mercado de trabalho aos 5/6 anos de idade, ajudando domesticamente e, depois, na área agrícola. A jornada de trabalho operava de acordo com a iluminação natural, gerando turnos de 14 a 16 horas. "Cabia ao homem trabalhar até morrer, e à mulher viver o papel secundário de ser uma máquina de reprodução humana, tendo de 15 a 20 filhos".

De acordo com o palestrante, no século XX, quando ocorre a transição da sociedade agrária para a urbana/industrial, o Estado toma para si o papel de fornecer educação. "A educação passa a ser um pressuposto para a inserção no mercado de trabalho", afirmou. Naquela época, o homem passou a residir fora do ambiente de trabalho e, nesse novo modelo de sociedade, os filhos passaram a se casar com 15/16, e as mulheres passaram a ter, em média, de dois a três filhos. Para oferecer educação à sociedade, o Estado inicia uma tributação sobre a riqueza e moradia de forma a ajudar o financiamento social. A saúde passa também a ser percebida como um dever do Estado.

Há ainda o surgimento do exercício da cidadania, dos sindicatos profissionais e a construção de partidos políticos e leis para a organização pública. "O Estado intervém cada vez mais na sociedade, e a vida não se limitava apenas ao trabalho", ressaltou. "Há uma universalização do conhecimento com crianças, adolescentes e jovens na escola. Esse acúmulo de conhecimento permitiu ao homem exercer melhor sua atividade profissional", ressaltou o pesquisador.

Chegando ao século XXI, Marcio Pochmann afirma que hoje 70% da população vive no setor terciário, atualmente calcado no trabalho intelectual. "Estamos trabalhando mais hoje que na época da revolução industrial e suas altas horas de jornada de trabalho", criticou. O economista lembra que uma pessoa hoje leva trabalho para casa, fica conectada praticamente 24 horas por dia e recebe cada vez mais informações de todas as áreas. "Na sociedade do conhecimento, precisamos elaborar uma profunda revolução da propriedade intelectual".

Para o pesquisador, na sociedade pós-industrial, a força física vale menos que o conhecimento, pois é esse conhecimento que define o profissional e, devido a isso, as mulheres vão muito melhor que os homens. "Futuramente, as mulheres dominarão o mercado de trabalho e serão necessárias, cada vez mais, políticas voltadas para os homens. A reprodução ficou em segundo plano. Nessa nova sociedade, o protagonismo é feminino, e o número de pessoas que morre é menor que o de nascimento", disse.

Marcio Pochmann acredita ser necessária uma mudança no papel da escola, uma vez que não há razão para uma pessoa ingressar no mercado de trabalho antes dos 25 anos. E explica: "Quem estiver melhor preparado obterá as melhores vagas de trabalho. O mercado de trabalho está se tornando um instrumento de desigualdade, uma vez que filhos de gente rica ficam mais tempo se dedicando aos estudos, enquanto os filhos de pobres precisam trabalhar desde cedo como forma de financiar seus estudos. A pessoa que estuda e trabalha ao mesmo tempo tem a mesma jornada de trabalho de alguém do século XVIII. Na sociedade do conhecimento, se podemos chamá-la assim, é preciso estudar a vida toda".

Entretanto, o pesquisador critica o excesso de informações que uma pessoa recebe durante sua vida. Para ele, é inviável para qualquer um ter a capacidade de processar todo o volume de informações gerado todos os dias. "O conhecimento, como conhecemos, não é simplesmente ter mais informações. Quanto mais informações nós temos, mais nos tornamos ignorantes. Temos que aprender a filtrar as informações e selecionar aquelas que são adequadas a nós", afirmou.

O palestrante defendeu uma profunda reformulação do Estado como conhecemos, passando por dois pontos. O primeiro é promover uma transição do Estado de 'caixinhas' para uma estrutura matricial, sendo necessária a integração de várias áreas para se elaborar políticas públicas eficientes. O segundo ponto é a necessidade de reinvenção do mercado, que está longe do que foi a origem do capitalismo. Não há liberdade de competição nos mercados atuais, submetidos à lógica do monopólio. É fundamental promover uma política de cooperação do ponto de vista da produção e distribuição em micro e pequenos empreendimentos do ponto de vista da distribuição local.

"Tudo isso que falei pode ser uma grande utopia, tal como aqueles que fizeram afirmativas nesse sentido no século XIX. Aquilo que era uma utopia se transformou numa realidade a partir da luta social e política. E esse, talvez, seja o nosso grande desafio na construção de uma sociedade superior. Nada nos impede de alcançar a sociedade ideal além do medo de ousar e o medo de transformar. E acredito que, nesta Escola, este medo não exista", encerrou.

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