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Atenção a diferenças culturais pode minimizar medicalização do sofrimento

"É preciso dessocializar o sofrimento para naturalizar o conhecimento", afirmou Angel Martinez Hernaez, professor do Departamento de Antropologia da Universidade Rovira i Virgili (URV), da Espanha, na palestra 'A evidência social do sofrimento. Biopolíticas, mundos locais e tendências', em 13/08, na ENSP. O encontro foi coordenado pelo pesquisador Paulo Amarante, do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Daps/ENSP). Na palestra, Hernaez destacou a importância da reflexão sobre a construção do conhecimento em saúde e a cultura da medicalização do sofrimento.

Para o antropólogo, a ciência faz parte da cultura e da sociedade. Ele levou para a discussão a questão da relativização do conhecimento no processo saúde/doença. "Nossa visão da doença é muito influenciada pela biomedicina. Temos a tendência de 'patologizar' todas as expressões do humano. Tornar um momento de dificuldade, uma ansiedade, por exemplo, em doença. Precisamos relativizar, pois nas formas de vida, a experiência humana é completamente influenciada por características culturais locais, sociais. Isso faz com que os sinais humanos tenham significados diversos fora do mundo da patologia. O significado dos sintomas muda de acordo com a cultura", disse ele.

Ele expôs ainda três aspectos da construção da 'transparência' - teoria do pensador Francis Bacon sobre a construção da linguagem como espelho do mundo natural - que coloca como ilusão da ciência ocidental: associalidade, universalidade e neutralidade. "O 'retraimento social', característico da esquizofrenia, é ou não é um critério social? Então, como podemos analisar sem dessocializar? É preciso excluir o critério social para definir o transtorno mental. A biomedicina é um sistema cultural que está construído o mundo simbólico das palavras. É neste mundo que construímos as palavras, os mapas, estabelecemos categorias. E a esquizofrenia não é uma 'coisa', e sim uma categoria", explicou.


Hernaez falou também sobre as distorções e tendências do modelo biomédico na sociedade contemporânea. "Hoje, há uma mercantilização do sofrimento, nosso modelo está cada vez mais medicalizado; para tudo que as pessoas sentem existe um nome como sintoma e um monte de remédios, terapias e exames que podem ser receitados. Devemos ficar atentos, pois o descobrimento está no relato do sujeito. A escuta não deve levar em consideração apenas o aspecto psicoanalítico, mas também o contexto social cultural", analisou.

Segundo o palestrante, a indústria de medicamentos tem grande parcela nessa questão, pois os estudos tendem a ser mais favoráveis aos seus patrocinadores que à sociedade em geral. E o cientificismo acaba funcionando como anticiência. "A questão já está tão arraigada, que a patologização não é apenas um equívoco do modelo biomédico, ela é consciente. E fortalecemos essa visão industrial quando produzimos mais doenças. Assim, são produzidos mais medicamentos, os médicos medicalizam mais, as empresas vendem mais. Este ciclo não tem fim e fica cada vez mais poderoso", completou ele.

Paulo Amarante comentou que essa discussão é muito pertinente, pois a sociedade passa por um momento de desvalorização do humano. De acordo com ele, as pessoas estão sendo tratadas como grandes erros da natureza, quando, na verdade, são a experiência mais rica, com diversas formas de expressão. "Acabamos nos vendo como um grande conjunto de doenças. A exposição de Hernaez mostra como é importante valorizar o humano e a diversidade. A ideia não é abordar a diferença como normalidade, mas sim a diversidade como normalidade. Este é o conceito que temos trabalhado na ENSP", disse Amarante.

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