Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

Notícias

Notícias

Artigo sobre acesso a medicamentos para Aids no Brasil é publicado em revista internacional

Assinado pelo pesquisador Francisco Inácio Bastos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), e também coordenador do programa de pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), um artigo sobre o histórico e a importância do acesso aos medicamentos para tratamento de HIV/Aids no Brasil foi publicado na Health Affairs Journal, uma das mais respeitadas publicações da área de políticas de saúde do mundo. O trabalho foi desenvolvido em parceria com pesquisadores de universidades americanas, entre elas Harvard, e com Elize Massard da Fonseca, ex-aluna da ENSP/Fiocruz, hoje na Universidade de Edimburgo (Escócia). O tema principal da atual edição de Health Affairs Journal é o acesso aos medicamentos para 35 milhões de pessoas que vivem com HIV/Aids em diversos contextos no mundo.

Intitulado 'Aids Treatment In Brazil: Impacts And Challenges', o artigo analisou as políticas que o Brasil tem utilizado para promover o acesso ao tratamento da doença, bem como os desafios que o país enfrenta, entre eles o aumento dos custos desse tratamento. O estudo explora a relevância do programa brasileiro em outros países e as suas amplas implicações para a política de saúde global. "Creio que o sucesso brasileiro é explicado por vontade política, promoção de uma política pública de enfrentamento, parceria com a sociedade civil (ONGs) e respeito aos direitos humanos. O efavirenz nacional é um exemplo desse sucesso", diz Bastos. Sobre o assunto, o pesquisador afirma que, embora as agências internacionais se mostrem céticas quanto à viabilidade e ao custo-efetividade do tratamento do HIV/Aids, o Brasil apresentou evidências claras de que o programa de tratamento é acessível e viável, mesmo com recursos limitados.

Desde 2001, o programa brasileiro se caracteriza por um significativo esforço para transformar as políticas internacionais de saúde, direitos humanos, comércio e relacionadas aos medicamentos essenciais ao tratamento. Os esforços do Brasil significaram uma mudança global na pesquisa e no desenvolvimento de medicamentos, o que resultou na criação da Comissão das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos e aumentou a flexibilidade em relação ao acesso aos medicamentos nos países em desenvolvimento.

"O Brasil defende que, em um quadro muito complexo e dinâmico, não há como apostar em uma única política, mas em uma complexa combinação de iniciativas, a serem reavaliadas periodicamente", destaca Bastos. O pesquisador enfatiza ainda que, por meio de um conjunto de políticas que incluem a negociação, a produção nacional de genéricos e a emissão de licenças compulsórias, o Brasil mantém o tratamento gratuito e universal à terapia antirretroviral eficiente para todas as pessoas vivendo com HIV/Aids, desde 1996.

Medicamentos cada vez mais caros pelo contínuo interesse dos laboratórios e pela crescente resistência viral em todo o mundo são os principais desafios que os estudiosos enfrentarão com relação ao tratamento do HIV/Aids no futuro. "O mito de que com o barateamento dos medicamentos e com a produção de genéricos haveria falta de interesse por parte dos grandes laboratórios internacionais é uma bobagem. A crise provou que fabricar medicamentos é bem melhor do que fabricar carros", explica o pesquisador. Bastos também salienta que os investimentos em novos medicamentos aumentarão no mundo inteiro, inclusive no Brasil, e que as indústrias farmacêuticas seguirão sua trajetória, com ou sem genéricos.

A influência brasileira no combate à epidemia

Os esforços brasileiros ajudaram a tornar o tratamento do HIV/Aids mais disponível em todo o mundo. O Brasil provou que os países em desenvolvimento podem influenciar a dinâmica dos preços dos medicamentos no mercado global. De acordo com o estudo, a atuação brasileira no tratamento da doença não tem precedentes nas políticas de saúde. Ao incentivar debates públicos sobre o assunto e ao divulgar os custos do tratamento nos meios de comunicação, o país apostou na transparência dos preços dos medicamentos nos países em desenvolvimento.

Até 2009, 40% das 10 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids nos países em desenvolvimento receberam tratamento e muito desse progresso pode ser atribuído aos esforços do Brasil. Desde a década de 1980, o país tem implementado campanhas educativas e de prevenção, incluindo a distribuição de preservativos a nível nacional, bem como campanhas direcionadas a populações vulneráveis, tais como profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e homens que fazem sexo com homens. "Apesar do HIV/Aids ser uma doença tratável, devido aos coquetéis e terapias antirretrovirais, milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento ainda não têm acesso ao tratamento", enfatiza Bastos.

De acordo com um relatório das Nações Unidas, o governo federal gastou aproximadamente 850 milhões dólares no tratamento do HIV/Aids em 2007. Alguns autores argumentam que este valor é exorbitante para um país com uma prevalência inferior a 1% e que este dinheiro poderia ter sido gasto na prevenção de doenças de maior relevância para o Brasil, como a diabetes. Porém, segundo o pesquisador, não se trata de gastar menos com o HIV/Aids, mas de gastar mais e melhor com as demais doenças, especialmente com as negligenciadas, ignoradas pelos laboratórios multinacionais pelo fato de não terem mercado nos países mais ricos.

A publicação em uma revista de destaque internacional

"Espero que meu estudo contribua para a grande corrente de artigos brasileiros de boa qualidade, sempre a desmentirem pessimistas", salienta Bastos ao comentar sobre sua publicação em um periódico de renome. De acordo com o pesquisador, é possível fazer boa ciência no Brasil, assim como implementar políticas que respeitem os anseios da sociedade e os direitos humanos. "Os resultados em relação ao tema HIV/Aids são alcançados por meio de várias estratégias criativas, como a produção de medicamentos genéricos para conter a doença", destaca.

Bastos está entre as centenas de pesquisadores que lidam com o tema no Brasil e que, nos últimos anos, publicaram mais de 3 mil artigos sobre o assunto. "Temos uma grande atividade científica na área, ainda que com deficiências, assim como os demais países fora do eixo América do Norte-Europa Ocidental, mas, de forma alguma, a pesquisa em HIV/Aids no Brasil é deficiente em relação aos demais países de renda média; muito pelo contrário", diz Bastos.

As características da epidemia no Brasil

De acordo com o pesquisador, a epidemia no Brasil é concentrada em algumas populações especialmente vulneráveis, mas com taxas de prevalência baixas de um modo geral. "Previa-se uma catástrofe quando eu era jovem, mas envelheci e ela não se materializou. Assisti à pregação de vários profetas do caos, que envelheceram como eu, mas continuam a anunciar as mesmas desgraças", comenta Bastos. O pesquisador afirma que existe a possibilidade de ocorrer uma reviravolta, mas que não há sinais dela a curto e médio prazo.

Foto: Peter Ilicciev/CCS

voltar voltar

pesquisa

Calendário

Nenhum agendamento para hoje

ver todos