Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Arte e saúde mental: diversidade e cultura a serviço da vida

Utilizar a linguagem da arte como intervenção do tratamento e como forma de transformação do lugar social da loucura faz parte dos diversos dispositivos implementados pela reforma psiquiátrica. Foi com esse propósito que o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental da Escola Nacional de Saúde Pública (Laps/ENSP/Fiocruz) e o Espaço Artaud organizaram o II Encontro de Arte e Saúde Mental, que, no primeiro dia, reforçou a importância de lidar com a diversidade e apresentou experiências envolvendo a fotografia e a música no tratamento de pacientes com transtornos mentais.


A abertura do encontro foi realizada por Walter Melo, do Espaço Artaud; Antônio Ivo de Carvalho, diretor da ENSP; Adair Rocha, do Ministério da Cultura (Minc); Ademir Ferreira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); Lídia Maria Roberto, da Associação dos Terapeutas Ocupacionais do Estado do Rio de Janeiro (ATOERJ); e Ana Lúcia Furtado, do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CPR/RJ).

Em sua fala, o representante do Minc revelou que o ministério vem trabalhando em parceria com diversas instituições para a construção de políticas públicas voltadas para a temática da cultura e da loucura. De acordo com Adair, assim como a ENSP vem fazendo com a saúde pública, é necessário inverter a concepção de arte e cultura, por meio da quebra de diversos paradigmas. Em seguida, Ademir Ferreira ressaltou o trabalho da ENSP na formação de profissionais que atuam no campo da saúde mental e a importância da utilização da arte em contraposição ao modelo terapêutico de tratamento.

Ainda na abertura, Ana Lúcia reforçou o compromisso do CRP com as práticas que visam à diversidade do humano e afirmou que a não aceitação da diversidade também é uma forma de violência. Por último, Antônio Ivo revelou que a organização do evento demonstra mais uma inovação da ENSP, que, apesar de ser uma Escola de Saúde Pública, tem uma visão e produção voltada para o viver com qualidade. O diretor enfatizou a importância do campo da saúde mental no movimento da reforma sanitária. "O respeito às diferenças é uma das características presentes e teve grande influência no movimento de reforma sanitária".

Loucos pela Diversidade: importância de conviver com o diferente e expressar o sofrimento psíquico por meio da arte e da cultura

A primeira conferência do dia foi realizada pelo coordenador Paulo Amarante (Laps/ENSP/Fiocruz), que comentou a importância do projeto Loucos pela Diversidade na implementação de uma agenda nacional voltada para a temática da cultura e da loucura. O palestrante iniciou a apresentação lembrando que o evento, realizado na ENSP em 2006 com participação do ex-ministro da cultura Gilberto Gil, foi um momento histórico na discussão do papel da arte e da cultura na elaboração de políticas para o campo da saúde mental. "Na realidade, todo esse processo começou a partir da desnaturalização da reforma psiquiátrica como mera reorganização do modelo assistencial. No final dos anos 80, já tínhamos diversos serviços substitutivos e outras práticas assistenciais com ênfase nos recursos não hospitalares. Hoje, o movimento de reforma antimanicomial é incorporado como uma política de estado, mas nos incomodava a idéia de a reforma ser encarada apenas como o fechamento de leitos. Ela traz um conjunto de medidas mais amplas, que rompem com a idéia da patologização/medicalização e insistem na diversidade de culturas, sociedades, identidades".

Segundo Amarante, essas medidas visam à mudança de um modelo assistencial em que a dimensão sociocultural é de extrema importância. Para isso, também afirmou que é fundamental conviver com as diferenças e envolver os sujeitos no protagonismo desse processo. "A cultura produzida pelos sujeitos que viveram ou vivem a experiência do sofrimento, da medicalização, da discriminação, do estigma na transformação da sociedade é fundamental em todo o movimento. Isso nos leva a produzir novos significados, novos sentidos, um novo imaginário social". O pesquisador ainda reforçou a idéia de que a saúde não é mais encarada apenas como a ausência de doenças e a valorização pelo Minc da diversidade cultural brasileira.


Já no final da sua apresentação, falou dos resultados produzidos pela Oficina Loucos pela Diversidade e ressaltou a importância de conviver com o diferente e expressar o sofrimento psíquico por meio da arte e da cultura. "A oficina buscou a participação dos atores, de experiências variadas, de todas as regiões do país. Compomos um relatório final com as diretrizes e ações encampadas pelo Ministério da Cultura, na qual objetivamos a criação de toda uma agenda nacional para esse campo. E também tivemos o lançamento do edital de premiação que privilegia os 'usuários'". Em seguida, também apresentou o DVD que possui um documentário sobre a oficina, produzido pela TV Pinel, e que possui clipes musicais, faixas musicais, o programa e fotos da oficina.

Mesas relatam experiências com fotografia e música

A artista plástica e professora de fotografia Claudia Lewinsohn iniciou sua palestra relacionando a ciência com a arte. Para ela, a pesquisa em arte tem o foco científico de tentar encontrar algo que possa transformar o ser social ou transformar o próprio indivíduo. A palestrante, que se classificou como uma 'artista de herança construtiva', disse que, em determinado momento, o artista vai de encontro a parede e, nesse momento precisa se renovar.

"Eu estive de frente para essa parede, mas busquei um momento de ultrapassá-la com uma nova linguagem. Durante três anos, desenvolvi um trabalho de óleo sobre tela, coisa que nunca tinha feito, e fui realizar pesquisas sobre isso. Com essa série de telas, fui para a França e fiquei três anos pesquisando esse processo de transmutação. No entanto, meu orientador me perguntou: óleo sobre tela é a sua linguagem? Descobri que aquele não era o resultado que eu esperava. Comecei a cortar meus trabalhos e com os outros instrumentos fui começando a criar volumes que me davam a sensação de pele, de crosta. Porém, ao mesmo tempo, havia uma sutileza de alguns caminhos que eram interiores. Isso tudo me causou processo de transformação e dei o nome a esse resquício de vida de Criaturas".

Na seqüência, Mauro Reis apresentou como os cursos de fotografia e cinema no espaço 'Alice, prepara o gato' foram bem-sucedidos. Segundo ele, assim que surgiu a idéia de levar os cursos para um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), seu grupo de trabalho passou a escutar melhor os outros. "Resolvemos passar um filme que não funcionou. Daí, perguntamos aos usuários qual história deles daria um filme e escutamos uma série de relatos. A partir desse momento, passamos a escutar as pessoas", contou. O palestrante, que também é professor de educação física, revelou que com o final do curso, o projeto foi submetido a um edital do Minc denominado 'Ponto de Cultura'. A partir daí, eles mudaram o nome de Oficina da Caps para 'Alice, prepara o gato' baseados numa brincadeira dos usuários ao jogarem cartas. "Nossos dois primeiros cursos foram destinados apenas aos pacientes dos Caps. Logo depois, recebemos pessoas de fora e, com o passar do tempo, não distinguíamos mais os usuários das outras pessoas".

Mauro também afirmou que, na oficina, não era trabalhada a noção de certo ou errado, que tudo dependia de um ponto de vista ou de algum objetivo alcançado. No fim, apresentou fotos dos participantes dos cursos e disse que uma delas havia sido publicada.

O papel da música na formação de identidades

A última mesa do dia, que se referia ao trabalho com a música, teve a palestra 'A Música e a Subjetividade: Articulações Identitárias nas Corporações Musicais dos Campos das Vertentes' proferida pelo professor da Universidade de São João Del Rei, Marcos Vieira Silva. De acordo com Marcos, seu trabalho tem o objetivo de realizar articulações entre as categorias afetividade, identidade, tradição e transformação implicadas no processo grupal e na produção musical.

Os resultados obtidos, segundo ele, apontam que a atividade musical exerce um papel significativo na formação da identidade coletiva dos músicos e no desenvolvimento das mais tradicionais comemorações da região. "A atividade musical tem-se direcionado como uma prática socioeducativa em função da característica Banda-escola tão presente nas corporações. O ensino musical atua como viabilizador de transformações socioculturais da realidade em que vivem os jovens músicos", finalizou. No final das apresentações, o grupo Sistema Nervoso Alterado se apresentou para o público presente.

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