Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Projeto Mafalda: resultados mostram falhas no tratamento de malária no país

Depois de dois anos de muito trabalho, a equipe coordenada pela pesquisadora da ENSP, Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro, do Núcleo de Assistência Farmacêutica (NAF/DCB/ENSP), encerra o projeto 'Mafalda' com grandes motivos para comemorar. Os resultados preliminares do estudo serão apresentados na XI Reunião de Pesquisa em Malária, que ocorrerá em Manaus, de 25 a 29 de outubro deste ano, mas alguns números já comprovam o sucesso da iniciativa.

"Nós apresentamos 18 trabalhos em seis diferentes congressos, um artigo já foi publicado em 2007, três já encaminhados para publicação em 2008 e quatro estão sendo preparados. Fora isso, tivemos ainda alguns produtos adicionais como uma monografia de graduação em Farmácia, na Universidade Estácio de Sá (Unesa), uma dissertação de mestrado em Saúde Pública, na ENSP. e um subprojeto, de doutorado - a ser finalizado até março de 2010 - também aqui na Escola", enumera Claudia.

Conhecido como projeto 'Mafalda', o projeto 'Modelo de avaliação para assistência farmacêutica em endemias focais na Amazônia Legal, Brasil: prescrição, dispensação e adesão ao tratamento de malária não complicada por P. vivax e P. falciparum em municípios de alto risco' foi realizado com apoio do CNPq e teve por objetivo geral investigar os diferentes aspectos relacionados à assistência farmacêutica no enfrentamento da malária no Brasil, a fim de propor encaminhamentos ao Programa Nacional de Controle da Malária (PNCM) do Ministério da Saúde. "Nossa proposta foi apresentar e testar um modelo de avaliação que poderá ser utilizado posteriormente com outras doenças. Nós estudamos 600 pacientes em seis municípios e 600 prontuários de gestantes em quatro municípios", ressalta.

A equipe, coordenada por Claudia Osorio, é composta de mais seis pesquisadoras da ENSP - Mônica Campos, Adriana Ruiz, Gabriela Costa Chaves, Elaine Silva Miranda, Ana Cristina Soares Ferreira e Letícia Figueira Freitas - e uma do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) - Martha Suárez Mutis -, além de contar com vários colaboradores da Escola e de outras instituições.

Revisão bibliográfica: o primeiro passo do estudo

Segundo Claudia Osorio, o trabalho começou a partir de uma extensa revisão bibliográfica centrada na revisão dos trabalhos sobre tratamento com antimaláricos, com foco em malária não complicada por P. vivax e P. falciparum, realizados no Brasil nos últimos 30 anos. "Nosso objetivo, naquele momento, foi avaliar se, e de que maneira, essas evidências haviam sido incorporadas ao Protocolo Nacional de tratamento de malária no país. Depois, foi elaborado um modelo lógico com a determinação dos componentes da avaliação: contexto, organização de serviço (e logística), prescrição, dispensação e adesão. A partir desse modelo, foram construídos 25 indicadores, três deles de adesão, considerada, no projeto, como desfecho final e indicativo da efetividade das ações de Assistência Farmacêutica para malária".

Os instrumentos de coleta foram elaborados com base no modelo lógico, nas definições pertinentes e nos indicadores. Foram elaborados seis formulários para dados quantitativos, um para avaliação da Atenção Básica em áreas de ocorrência da doença e um formulário de coleta retrospectiva para gestantes. Também foram construídos três questionários para coleta qualitativa de percepções e práticas dos profissionais prescritores e dispensadores na atenção à malária e o Manual do entrevistador. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, e o estudo piloto realizado no município de Tucuruí-PA, em novembro/dezembro de 2006.

Quatro pesquisadores de campo visitaram 15 unidades e entrevistaram 605 pacientes nas cidades de Manaus e Presidente Figueiredo, no Amazonas; Porto Velho e Ariquemes, em Rondônia; Rodrigues Alves e Cruzeiro do Sul, no Acre. Para verificar dados sobre a Atenção Básica, foram entrevistados 297 pacientes. A verificação da adesão ao tratamento, por sua vez, foi feita por meio de visita domiciliar a 175 pacientes. A coleta de dados de gestantes foi feita nos municípios de Manaus, Presidente Figueiredo e Careiro, também no Amazonas, e Porto Velho.

Resultados mostram que ainda há muito com o que se preocupar

De acordo com a equipe de pesquisa, a análise das entrevistas realizadas e dos dados coletados mostrou que a metodologia foi capaz de captar os aspectos necessários para a avaliação dos componentes da Assistência Farmacêutica para malária, na Amazônia Legal. "Essa avaliação é muito importante e necessária, uma vez que a Assistência Farmacêutica para malária guarda aspectos pouco explorados na literatura, que podem ter influência negativa no controle da doença e que podem ser aplicadas a outras endemias no país", justifica a coordenadora do grupo.

Entre outras coisas, o estudo mostrou que o Manual Terapêutico da Malária (MTM) precisa ser revisado urgentemente, uma vez que a edição atual utiliza poucas evidências de adequado nível de recomendação para sugerir incorporação de terapêutica, e, embora haja adesão ao Protocolo Nacional, os profissionais de saúde envolvidos na atenção ainda carecem de conhecimento adequado para lidar com as especificidades da doença, que tem diagnóstico e tratamento bastante complexos. "Essa falta de conhecimento dos profissionais pode acarretar falhas de orientação no momento da dispensação, e isso pode acabar resultando em não adesão ao tratamento", enfatiza Claudia Osório.

Em desacordo com o recomendado pelo Ministério da Saúde, há pouca e inadequada integração entre Atenção Básica e serviços de atenção à malária. Os programas de visita domiciliar pouco atendem à realidade das necessidades da doença, e apenas parte dos agentes é treinada para tal.

No que diz respeito à Assistência Farmacêutica, o quadro também apresenta problemas. "A organização dos serviços de Assistência Farmacêutica para atenção à malária é inadequada", lamenta a pesquisadora. Segundo ela, apesar de o abastecimento ser constante e não terem sido identificados medicamentos vencidos, a programação e o armazenamento são mal executados, resultando em excedentes que podem ocasionar falha de qualidade e falha terapêutica. "Houve situações que os pacientes não receberam todos os medicamentos necessários ao regime indicado", acrescenta, ressaltando: "A falta de prescrição é a realidade dos serviços. Praticamente, não há médicos atendendo malária nas unidades de saúde, e os pacientes não recebem um documento ou panfleto explicativo que corresponda a algum tipo de orientação escrita. A cópia da ficha de notificação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (Sivep), onde existe uma tabela indicando qual o tratamento que aquele paciente está recebendo, também não é fornecida ao paciente", explica Claudia

Os medicamentos dispensados não são rotulados, e a orientação recebida pelos pacientes quanto a efeitos adversos, regime terapêutico e características dos medicamentos é falha. A adesão ao tratamento, medida por relato ou contagem, é baixa o que, segundo a pesquisadora, mostra o desfecho final da Assistência Farmacêutica para malária e pode ajudar a explicar, nos municípios estudados, a situação de prevalência de malária. "Os resultados evidenciam a necessidade de intervenções na atenção prestada pelo Programa Nacional de Controle da Malária, de cunho gerencial e clínico", conclui.

Malária: um enorme desafio para a saúde global

Em 2004, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase metade da população mundial vivia em áreas de risco de transmissão de malária (ou paludismo), doença que, anualmente, chega a matar 3 milhões de pessoas e que registra entre 350 e 500 milhões de novos infectados. A África concentra 90% dos casos, e cerca de dois terços dos casos restantes ocorrem no Brasil, Índia e Sri Lanka.

Mais de 60% do território brasileiro é favorável à transmissão da malária e quase 95% dos casos ocorrem na Amazônia Legal, região na qual são registrados perto de 500 mil novos casos por ano. No país, a doença é causada pelos protozoários Plasmodium falciparum, P. vivax e, mais raramente, pelo P. malariae. O P. vivax é responsável pelo maior número de casos, e o P. falciparum é responsável pelo maior número de mortes. A doença não se distribui geograficamente de forma homogênea, o que pode contribuir para diferenças na eficácia e efetividade dos tratamentos propostos.

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