Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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Globalização e saúde: relação complexa e ainda pouco estudada

"Chego ao Brasil com muitas perguntas e poucas respostas. Estou aqui para trocar experiências, conhecer outras realidades e aprender; ser aluno e professor ao mesmo tempo". Com essas palavras, o sanitarista norte-americano Bruce Fried iniciou sua palestra no Centro de Estudos (CEENSP) desta quarta-feira (28/05). Durante o evento, o professor procurou refletir, juntamente com o público, sobre como o processo de globalização afeta a saúde das populações e os sistemas nacionais de saúde.

Fried é diretor do programa de mestrado do Departamento de Políticas e Administração em Saúde da Universidade de Carolina do Norte e sua vinda à Escola, onde participa de inúmeras atividades, teve o apoio da Comissão Fulbright, de intercâmbio educacional entre os Estados Unidos e o Brasil.

De acordo com o palestrante, muito se tem falado e escrito sobre a globalização, mas muito pouco tem sido estudado sobre a relação entre esse processo e a saúde da população, os sistemas de saúde e a identidade nacional. "No caso da saúde da população, a globalização tende a ocasionar mudanças radicais nos padrões das doenças e na velocidade de disseminação das mesmas, entre outras coisas. Nos sistemas de saúde, vários aspectos são influenciados pela globalização, por exemplo, os mecanismos de financiamento, a regulamentação de produtos e serviços de saúde, a oferta de recursos humanos etc. A questão da identidade nacional também é importante, uma vez que os valores de uma sociedade estão embutidos em seu sistema de saúde e afetam diretamente as decisões políticas do setor", esclareceu.

O professor definiu três caminhos básicos para se analisar como a globalização afeta a saúde e os sistemas de saúde e de tomada de decisão: "Creio que podemos considerar o impacto da globalização sobre o desempenho econômico geral dos países, os inúmeros efeitos da redução das barreiras comerciais e o aumento de fatores de risco para doenças".

Globalização: um processo repleto de contradições

A globalização melhora o desempenho econômico dos países? De alguma forma isso tem trazido melhorias para a saúde da população? Segundo Bruce Fried, há algumas evidências de que os países globalizados tendem a apresentar uma melhoria na economia geral, com o aumento do PIB, entre outras coisas. "Não há, no entanto, nenhuma prova de que o incremento da economia de mercado melhore a qualidade de vida da população ou reduza as iniqüidades sociais, afetando o coeficiente Gini do país.

O que temos visto, em realidade, é a convivência, em países que cresceram muito com a globalização, como a China e a Índia, de ilhas de prosperidade e de bolsões de pobreza e miséria, o que revela as contradições do processo de globalização", afirmou, completando: "A globalização permitiu o aumento da disseminação do conhecimento, dos movimentos ambientais internacionais e dos direitos das mulheres, mas também vem causando desemprego e instabilidade política e social, redução das receitas públicas, por conta da queda de tarifas, com conseqüente deterioração dos serviços públicos, crescentes ameaças de epidemias globais e sérios problemas de degradação ambiental".

Com relação à redução das barreiras comerciais. Bruce Fried identificou como resultados positivos o aumento do comércio de bens relacionados à saúde, permitindo um maior acesso aos recursos necessários, a facilidade de circulação de pessoas - pacientes e profissionais - e de idéias, a telemedicina. Ele lembrou, no entanto, que o livre comércio e a queda das tarifas também significam disponibilidade (e preços mais baixos) para substâncias nocivas (por exemplo, tabaco, armas), bem como altos riscos para as indústrias nacionais. "Eu identifico dois cenários possíveis. Num deles, o livre comércio leva ao desenvolvimento econômico, ao aumento da renda pessoal, à redução da pobreza e, conseqüentemente, à melhoria da saúde e da qualidade de vida da população. No outro, o resultado do livre comércio é trágico. Nós temos redução da autoridade regulatória do Estado e da renda pública, falência do parque produtivo nacional, enriquecimento das elites, crescente empobrecimento das pessoas, desemprego, piores condições de vida, redução das políticas públicas de saúde e do investimento em saúde, com conseqüente piora das condições gerais da saúde da população".

Sobre o terceiro caminho - Globalização e aumento dos fatores de risco -, o palestrante que toda movimentação populacional carregou junto consigo microorganismos causadores de doenças, a questão agora é que isso acontece numa escala e numa velocidade muito maiores, trazendo sérios riscos para a população mundial. Ele enfatizou, no entanto, que existem muitos outros riscos que ultrapassam fronteiras. "O mal uso de antibióticos nos EUA acaba gerando cepas mais resistentes e isso, de alguma forma pode afetar a saúde de milhões de pessoas em outras partes do mundo", exemplificou.

Grandes problemas e otimismo

"A globalização torna as fronteiras nacionais menos relevantes. Será que ela também tem o poder de tornar menos relevantes os valores nacionais?", perguntou o professor, ao iniciar a segunda parte de sua apresentação.

Para ele, é fundamental se refletir sobre quatro aspectos. Será que as agências internacionais - FMI, BID etc. - estão incentivando a fragmentação e privatização dos sistemas de cuidados de saúde ao imporem programas de ajustamento estrutural aos países? Será que os países estão sendo levados a reduzir seu setor público inadequadamente, deixando desamparadas grandes parcelas populacionais? Será que os acordos comerciais facilitam investimentos estrangeiros na área da saúde? Quais as implicações da abertura das fronteiras para os sistemas de saúde e dos cuidados de saúde?

De acordo com o norte-americano, no que diz respeito ao comércio de serviços de saúde as análises devem observar o comércio além-fronteiras de produtos, o consumo de serviços de saúde no estrangeiro, a presença comercial de empresas estrangeiras que acabam se instalando nos países e o movimento dos profissionais de saúde. Dentre muitas coisas, ele citou o "turismo médico", quando pessoas viajam para obter ou tratamentos inexistentes em seus países ou tratamento mais baratos. "Esse é um quadro complexo, com várias facetas. Nós temos americanos que vão para a Índia fazer cirurgias pela terça parte do valor que pagariam nos EUA. Isso chega a ser incentivado pelas seguradoras americanas que visam um lucro cada vez maior. Na Índia, por sua vez, o hospital particular que faz esse tipo de cirurgia acaba atraindo profissionais que deixam o sistema público de saúde e assim por diante", disse, reiterando que não é possível tratar desse tema sem levar em conta a complexidade de cada aspecto.


Ele também apresentou inúmeras questões referentes à movimentação de profissionais de saúde entre os países, com conseqüências quase sempre danosas para os países mais pobres. "Muitos profissionais saem de seus países de origem em busca de melhores condições de trabalho e de renda. É a lei do mercado, as pessoas geralmente vão para onde podem ganhar mais. Isso muda toda a configuração de trabalho no país que recebe os estrangeiros e pode causar falta de força de trabalho na área da saúde dos países mais pobres. Hoje, cerca de 27% dos médicos que trabalham nos EUA não são formados no país. Eles, no entanto, não vêm do Canadá ou da Austrália, mas da Índia e da América do Sul", enfatizou.

Apesar de mostrar um quadro bastante preocupante e sombrio, Bruce Fried finalizou sua palestra de forma otimista. "A globalização pode ter impactos positivos e negativos sobre a saúde das pessoas e sobre os sistemas de saúde, mas os avanços tecnológicos criam oportunidades, em níveis sem precedentes, da cooperação global para enfrentar problemas de saúde", garantiu.

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