Informe ENSP

Estudo investiga indicadores de estresse associado à violência urbana

Divulgação Científica - 13/08/2009

Investigar transtornos mentais ligados ao estresse, com ênfase no Transtorno de Estresse Pós-Traumático, considerado uma das principais sequelas da violência urbana, é o objetivo da pesquisa 'O impacto da Violência na Saúde Mental da População Brasileira', que engloba diversos projetos. Nesta agenda, estão estudos realizados com a população adulta das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, com as tropas de paz brasileiras enviadas ao Haiti, com as equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e com pacientes portadores de Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Os três primeiros estudos têm a coordenação do pesquisador da ENSP Evandro da Silva Freire Coutinho, e já apresentam resultados preliminares.

Todos os projetos vinculados a essa agenda de pesquisa são uma iniciativa do Laboratório Integrado de Pesquisa sobre o Estresse (Linpes), fruto de parceria que congrega diversas instituições, dentre elas a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. O Laboratório está sediado no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e privilegia uma formação multiprofissional e pluri-institucional na realização de pesquisas tanto na área básica como também pesquisas epidemiológicas e clínicas.

O Linpes é formado ainda pela Faculdade de Psicologia e pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), por meio do Departamento de Psiquiatria e do Laboratório de Neurofisiologia do Comportamento, e pelo Instituto de Pesquisa de Capacitação Física do Exército (IPCFEX).

As pesquisas conduzidas pelo Linpes são financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por intermédio do Instituto do Milênio, pela FAPERJ, pelo Ministério da Defesa junto com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. O Linpes recebe ainda apoio financeiro da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Inquérito busca indicadores de traumas em grandes cidades

O projeto intitulado 'A Epidemiologia do Transtorno de Estresse Pós-Traumático' tem como objetivo investigar a relação entre a exposição a situações de violência e o desenvolvimento de transtornos mentais na população das cidades de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Evandro explicou que esse projeto foi realizado por meio de uma importante parceria com pesquisadores do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. Para a pesquisa, foi selecionada uma amostra de aproximadamente quatro mil indivíduos de ambos os sexos, com idade mínima de 15 anos.

"Buscamos conhecer a prevalência de vários transtornos mentais, dentre eles o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Além disso, nosso intuito é identificar fatores que podem contribuir para a resiliência ou adaptação positiva do indivíduo, isto é, saber o que faz com que certas pessoas passem por situações traumáticas muito graves e consigam superá-las sem desenvolver um transtorno mental", apontou Evandro.

De acordo com o pesquisador, os dados de prevalência de transtornos mentais nessas populações ainda estão sendo analisados, mas já existem alguns resultados sobre os fatores relacionados à resiliência/adaptação positiva a traumas na população da cidade de São Paulo. Dados da tese de doutorado defendida este ano pela aluna do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP, Liliane Vilete, mostram que os fatores associados à adaptação positiva a traumas intensos no grupo estudado são: sexo masculino, ausência de transtorno mental nos pais, ausência de eventos traumáticos na infância, maior escolaridade, menor diversidade de traumas, ausência de desastres naturais, menor percepção de risco de vida, menor atribuição de própria responsabilidade pelos eventos traumáticos sofridos, menores escores na escala de afetos negativos e nas escalas de imobilidade tônica, dissociação e reações físicas vividas no momento do trauma.

Bom treinamento deixa tropas menos vulneráveis a transtornos de estresse

O projeto 'Estudo Prospectivo do Impacto da Violência na Saúde Mental das Tropas de Paz Brasileiras - Fatores de Risco e de Resiliência Emocional' investigou alguns dos contingentes de militares que foram enviados em missões de paz ao Haiti. Até agora, mais de 500 indivíduos já foram estudados. Segundo Evandro, o Exército Brasileiro faz um treinamento especial com esses militares antes de serem enviados ao Haiti. Uma das principais propostas do treinamento é reduzir o impacto do estresse sobre a saúde mental desses oficiais. Os militares são estudados antes e depois da viagem para analisar quais são as características que aumentam ou diminuem o risco desses indivíduos voltarem apresentando transtornos ligados ao estresse devido às situações vividas durante a missão.

Apenas os dados preliminares do estudo com um contingente de soldados brasileiros foi publicado até o momento. "É importante destacar que este grupo analisado esteve lá quando a seleção brasileira de futebol visitou o país, em um período menos conturbado. O grupo de militares apresentou escores de afeto positivo muito elevados, o que sugere um treinamento e seleção bem feitos. O número de situações traumáticas graves experimentadas durante a missão associou-se com a maior ocorrência de sintomas de estresse pós-traumático, mas não de forma homogênea. Os indivíduos com traços de afeto negativo mais acentuados sofreram um maior impacto dos eventos traumáticos do que aqueles com perfil de afeto negativo menos acentuado. Os dados foram divulgados na tese de mestrado de Wanderson Fernandes de Souza, que é aluno do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP, e também publicados em 2008 no Journal of Nervous and Mental Diseases.

TEPT pode influenciar na qualidade de vida

O terceiro projeto é 'Estresse em Profissões de Alto Risco: Um Estudo Epidemiológico em Membros das Equipes de Resgate do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro. Ele busca analisar a presença de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) nas equipes que fazem atendimentos de rua e lidam diariamente com diferentes situações em seu cotidiano. "Além de lidar com o estresse do atendimento que envolve o próprio socorro, esses profissionais se deparam com violência pessoal, desastres, grandes catástrofes. Todas essas situações são potencialmente traumáticas e os membros dessas equipes estão constantemente expostos a situações adversas.

Todas as equipes do Rio de Janeiro foram investigadas. Elas são compostas de um motorista, um médico e um enfermeiro. Ao todo, cerca de 300 indivíduos participaram do estudo, e esta avaliação indicou prevalência de 5,6% de TEPT (7% homens e 2% em mulheres). Segundo Evandro, "O grupo com TEPT apresentou indicadores de qualidade de vida mais comprometidos, tanto nos domínios físico como mental. A prevalência de TEPT parcial (forma mais branda) foi de 15%, sendo 13% homens e 20% mulheres. Porém, cabe ressaltar que essas prevalências são inferiores às observadas em estudos norte-americanos e da Europa Ocidental, o que pode sugerir, entre outras causas, um bom treinamento e seleção desses profissionais". Estes dados foram publicados em forma de artigo em 2007 no Journal of Traumatic Stress.

Evandro finalizou dizendo que com esses projetos estão sendo produzidos conhecimentos voltados para diferentes grupos populacionais. "Estamos investigando os perfis das pessoas, as circunstâncias relacionadas ao maior risco de desenvolverem esse tipo de transtorno. Também estamos estudando os fatores que influenciam na resposta ao tratamento, na evolução desses pacientes. Com esses indicadores poderemos identificar grupos mais vulneráveis, mapear esses traumas e, assim, subsidiar mudanças nas políticas públicas do país", concluiu ele.

Evandro destacou que o Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ oferece tratamento gratuito para esses casos. O telefone para informações é 9656-4020. O Ipub está localizado no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, na Avenida Venceslau Brás 71 - fundos (Ambulatório geral do Ipub).

http://www.ensp.fiocruz.br/informe/materia.cfm?matid=17830