Saúde dos Agentes de Combate a Endemias foi tema de debate na ENSP
O Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) realizou uma live, no Facebook, sobre Saúde e trabalho dos ACE em tempos de pandemia: processo de adoecimento e morte causado pelo uso de agrotóxicos neurotóxicos e cancerígenos banidos em outros países, aprofundado por Covid-19. A atividade contou com diversos pesquisadores e representantes de sindicatos que mostraram o descaso com a saúde dos trabalhadores que lidam diariamente com veneno em seu ambiente de trabalho. A atividade teve coordenação da pesquisadora do Cesteh Ariane Larentis que apresentou o terceiro boletim Saúde e Trabalho: Estudo do Impacto à Saúde de Agentes de Combates a Endemias do Rio de Janeiro, que tem como foco os riscos que esses agentes de combate de endemias correm frente à pandemia e já está disponível no site do Cesteh, e mediação do também pesquisador do Cesteh, Leandro Carvalho.
A abertura contou com a presença do coordenador do Cesteh, Luiz Cláudio Meirelles, apresentando o Projeto Integrador Multicêntrico, que objetiva avaliar os impactos na saúde de agentes de combates de endemias pela exposição de agrotóxicos no Estado do Rio de Janeiro, subsidiando as políticas públicas, construindo experiências formativas e desenvolvendo estratégias de atuação e enfrentamento. “É um projeto muito importante porque atuamos em conjunto com os sindicatos, com a participação efetiva dos trabalhadores”, falou o pesquisador.
Luiz destacou a realização de oficinas para discutir com os trabalhadores os impactos por conta de um número excessivo de mortes. “Precisávamos enfrentar e compreender isso”. Luiz contou que foi montada uma equipe na intenção de reunir mais informações sobre os casos, já que, segundo ele, muitas mortes podem estar associadas à exposição de substâncias químicas.
A identificação das nocividades do processo de trabalho também são vistas pelo projeto, já que existe relato de como o processo de trabalho pode ser danoso aos trabalhadores. Luiz alerta que, muitas vezes, essas identificações não ocorrem, mas, quando existem, elas são realizadas de uma forma falha. “São, simplesmente, a partir de exames de colestase sanguínea para verificar se essa enzima estava num nível adequado ou não no sangue; porém, ela fala muito pouco da situação de saúde do trabalhador. O correto é que você tenha uma avaliação clínica, epidemiológica e laboratorial conjunta e discutida para chegar à conclusão dos efeitos da saúde em exposição permanente de agrotóxico”, reforçou.
O Cesteh montou um atendimento no ambulatório como estratégia de acompanhamento, a fim de entender como o processo de intoxicação impacta o ACE. “Isso permite que a gente organize, melhore a vida do profissional que está envolvido nesse processo, além de ajudar na organização do Cesteh para uma intervenção mais adequada destinada a esses trabalhadores”, explicou o pesquisador.
Além disso, Luiz Cláudio Meirelles trouxe alguns dados do trabalho de pesquisa realizado com a categoria. Ele citou, como exemplo, o elevado número de trabalhadores de guardas de endemias que tiveram diagnósticos de tremor essencial, o que identificou a necessidade de mudança no modelo de controle de vetores e no processo de trabalhos dos agentes de combates de endemias. “A pandemia deixou claro algumas vulnerabilidade, por isso é importante ter em mente que só defendendo o SUS vamos conseguir resolver os problemas dos guardas e de outras categorias da saúde”, finalizou o pesquisador.
A Toxidade do inseticida Cielo, substitutivo da Malationa foi o assunto abordado pela pesquisadora do Cesteh Ana Cristina Simões. Essa substância foi recomendada pelo governo e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como mais segura do que anterior. A pesquisadora, em sua fala, analisou os documentos emitidos pelo governo sobre a recomendação ao produto Cielo — é uma combinação de outras substâncias tóxicas, como a praletrina e imidacloprida — e as contradições apresentadas no teste realizado pelo representante que comercializa o produto.
Ela ressaltou que a utilização do produto é voltada para o combate às principais arboviroses do país – Dengue, Chikungunya, Febre Amarela e Zica —, destinada aos mosquitos adultos. Para explicar a toxicidade do produto, a pesquisadora utilizou os testes realizados pela empresa, entre o Cielo e uma análise das substâncias que compõem o produto em separado, o que levanta um questionamento. “A empresa diz que a toxidade aguda dos inseticidas não potencializa o perfil toxicológico, mas a empresa não considera a via dérmica e inalatória. Se, nas outras vias, potencializa, não dá para fazer uma afirmação categórica, já que as outras vias mostram o contrário. É uma afirmação perigosa”, salientou Ana, mostrando que elas têm toxidades bastante perigosas em longo prazo, como a perda de peso, alopecia, tremores, dentre outros, e, mesmo assim, a empresa continua atestando a baixa toxidade. Além disso, o produto tem uma alta toxidade no ambiente, atingindo diretamente as abelhas.
A pesquisadora questiona os resultados apresentados pela empresa. Ela alegou que a análise das substâncias apenas pela toxicidade aguda não reflete na principal forma da qual os trabalhadores e nós, população ambientalmente expostas, estaremos convivendo e tendo contato com essa substância. “Daqui a alguns anos, poderemos contar os casos do Cielo como estamos contando agora de outras substâncias”, concluiu.
Experiências exitosas de controle de vetores sem uso de agrotóxico e proposta para a proteção dos trabalhadores expostos
Mas existe a possibilidade desse controle sem o uso de agrotóxico. Foi esse o tema abordado pela pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães, da Fiocruz de Pernambuco, Aline Gurgeel.
Para explicar sobre o tema, a pesquisadora voltou ao ponto de origem das arboviroses. “As pessoas acham que a culpa é do mosquito e do vírus. Somos treinados a achar que o grande responsável é o mos,quito; porém ele existe dentro de um contexto”, o que a pesquisadora explicou sendo uma junção de desigualdade estrutural com péssimas condições de saneamento. “A gente tenta resolver com veneno um problema que não tem origem no veneno, e achamos que, se colocarmos ele dentro de um reservatório de água, irá resolver todo o problemas, mas não vai”, salientou.
A pesquisadora apresentou gráficos publicados pela revista Lancet comprovando que a utilização do veneno não resolve o problema, além de gerar maior resistência dos insetos e prejudicando cada vez mais o meio ambiente. Mas, para tal fato, Aline apresentou o que acredita ser a solução. “As questões do saneamento ambiental, assim como ações educativas horizontais e controle mecânico e biológico”. Para esclarecer, a pesquisadora mostrou o alto número de casos na região metropolitana mais vulnerável no Recife, epicentro da epidemia do zica vírus, mostrando que a falta de saneamento influencia diretamente na propagação dos mosquitos.
As ações educativas, defendida pela pesquisadora, são atividades construídas coletivamente, atendendo a necessidade de cada território. A pesquisadora apoia o combate dessas substâncias principalmente com a utilização de saberes ancestrais, apresentando uma lista, fruto de um trabalho em que foram levantadas espécies nativas do sertão pernambucano, que têm alguma eficácia para o controle do Aedeys; todas elas com comprovação científica no combate do mosquito.
Divulgação Científica