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ENSP 66 anos: racismo, desigualdade e crìticas à condução da política de saúde mental marcam segundo dia de atividades

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Publicado em:04/09/2020
ENSP 66 anos: racismo, desigualdade e crìticas à condução da política de saúde mental marcam segundo dia de atividadesNa quarta-feira (2/9), segundo dia de atividades comemorativas dos 66 anos da ENSP, aconteceu o seminário Saúde Mental antes, durante e depois da pandemia. No evento, organizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Laps/ENSP/Fiocruz), os participantes abordaram o racismo estrutural e seus reflexos sobre a produção de sofrimento e desigualdades na pandemia de Covid-19, e a condução da política de saúde mental pelo atual governo.
 
 
 
Sob a coordenação da psiquiatra Ana Paula Guljor, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz), o debate foi mediado por Paulo Amarante, professor do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz) e presidente de Honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). As apresentações foram dos convidados Leonardo  Pinho, vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e Roberta Gondim, professora e pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde Daps/ENSP.
 
 
A psicóloga Roberta Gondim iniciou sua apresentação tratando do tema do racismo estrutural que permeia as subjetividades e as relações no país. Para ela, o mito da democracia racial, com suas repercussões e expressões de uma dinâmica racializada de mundo, nos ajuda a olhar o campo da saúde mental. Para ela, a pandemia não impacta a todos da mesma forma, pelo contrário, “a Covid escancara a divisão racial do mundo”, afirmou.  
 
“As experiências de morte, de sofrimento, de isolamento, de restrição de circulação de pessoas, associadas a incertezas de ordem epidemiológica, social e econômica, têm atravessado o cotidiano de todos nós, porém de maneira absolutamente diferenciada.” Se, no início da pandemia, a proporção de casos e mortes na população branca era maior, com o decorrer das semanas epidemiológicas, e de acordo com a produção sociorracial do processo saúde-doença, conforme apontou a pesquisadora, essa proporção de óbitos se inverteu. “Esse tipo de evidência não pode ser mais invisibilizada”, ressaltou Roberta. “Há uma profunda heterogeneidade nos modos de viver dessa pandemia, especialmente para esses sujeitos subalternizados, cujos corpos são historicamente forjados pela ameaça da morte e do sofrimento pelos efeitos das desigualdades. A Covid vem imprimindo um verdadeiro genocídio seletivo”, destacou. 
 
 
Medidas antidemocráticas
 
 
Já Leonardo  Pinho falou sobre o processo jurídico político que vem alterando a condução da política de saúde mental no âmbito governamental nos últimos anos. Para o cientista social, a política vem se afastando dos ideais da luta antimanicomial, que têm na participação social um dos seus pilares. “O processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira nasceu no bojo de um processo maior de forte mobilização social e comunitária, dos usuários, familiares, associações profissionais”, lembrou.
 
 
Leonardo apontou a inflexão da política de saúde mental que vem ocorrendo nos últimos anos, em que  equipamentos e estratégias em saúde mental de base comunitária passaram a receber menos recursos orçamentários. “A gente observa uma inversão orçamentária na Rede de Atenção, e isso começa a ter impacto. Em 2019, se firmou, junto com o novo governo, por exemplo, a estrutura da Secretaria Nacional de Prevenção às Drogas (Senapred), dentro da estrutura do Ministério da Cidadania, que não dispõe de uma estrutura de controle social. Observa-se, a partir daí, o aumento do investimento em hospitais psiquiátricos e em comunidades terapêuticas”, pontuou. 
 
 
Em sua visão, as comunidades terapêuticas no país são “parte de um processo de contrarreforma de base religiosa que dá sustentação a novos enunciados”. Na verdade, segundo Leonardo, trata-se de um retorno a um modelo de asilamento e da lógica da internação. Leonardo Pinho teceu críticas às medidas e à condução atual da política de saúde mental, vista como antidemocráticas. “Nenhuma das medidas recentes dialoga com os espaços de participação e de controle social. Há interesse na internação de adolescentes e pessoas em situação de rua em comunidades terapêuticas, e algumas medidas são infralegais e escondem verdadeiros labirintos de interesses privados”, apontou. “Já observamos surtos e mortes por Covid em hospitais psiquiátricos, e há denúncias quanto à ilegalidade e à regressividade relacionadas aos direitos humanos no campo da saúde mental”, disse ele. 
 
 
Paulo Amarante, aposentado há um ano do posto que ocupou por trinta anos como fundador do Laps, comentou e corroborou as falas de ambos os convidados. “Temos dificuldade de discutir o racismo, uma vez que o modelo psicanalítico é construído dentro de um modelo de família europeia branca e no contexto capitalista, um modelo de dominação", observou. Para ele, no contexto da pandemia, estamos vivendo um momento de extrema violência, em que há ainda um “mecanismo de identificação com o opressor”. “As pessoas estão acreditando, se identificando e votando no opressor”, resumiu. 
 
 
Sobre a condução das políticas e alocação de recursos em estratégias de saúde mental voltadas para internações e comunidades terapêuticas, Paulo Amarante também foi enfático: “Não é um embate teórico, epistemológico, de modelo assistencial, são práticas absurdas de exploração da vida. Eu conheço pessoas que estão há mais de cinco anos internadas em comunidades terapêuticas”, declarou ele, para quem as políticas refletem “uma visão conservadora e  de um Estado hiperliberal”, criticou.
 
 
Os debates em comemoração aos 66 anos da ENSP se estendem até esta sexta-feira (4/9). Todas as atividades acontecerão de forma on-line e serão transmitidas pelo Canal da ENSP no Youtube. Não é necessário se inscrever para assistir.
 

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