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Paulo Amarante: ‘É preciso cautela para não patologizar reações de tristeza e sofrimento na pandemia’

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Publicado em:03/09/2020
Paulo Amarante: ‘É preciso cautela para não patologizar reações de tristeza e sofrimento na pandemia’Pensar repetidamente em morte, temer a perda de parentes, sentir tristeza ou mesmo lavar insistentemente as mãos, fatores que poderiam apontar para sintomas de transtorno mental são, na verdade, experiências pertinentes ao cenário de pandemia, que o mundo inteiro vivencia. Sendo assim, é preciso cautela para “não patologizar” essas reações, alerta o pesquisador do Laboratório de Atenção Psicossocial (Laps/ENSP), Paulo Amarante, em comentário gravado em vídeo para o blog do CEE-Fiocruz. “Ou podemos criar um resultado pior ainda, à medida em que as pessoas passarem a recorrer a tratamento medicamentoso, sem uma devida precaução, sem o devido acompanhamento”, observa Amarante, integrante do Grupo Temático Saúde Mental da Abrasco e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).
 
O pesquisador aponta o que considera três tendências ou três narrativas importantes no que se refere às reações das pessoas à pandemia. “Uma é negacionista, diz respeito à recusa do entendimento de que exista o vírus, de que exista o contágio e, por esse motivo, levando a medidas contrárias à ideia de isolamento. Por outro lado, existe também uma narrativa muito alarmista, de identificação de crescimento de transtornos mentais, aumento de casos de alcoolismo, suicídio, de forma mais visível”, destaca, observando que as duas narrativas, opostas, “curiosamente, se encontram lá nos extremos”, tendo em vista que pessoas contrárias ao distanciamento social acabam também argumentando que têm adoecido por causa do isolamento.
 
Para Amarante, a narrativa alarmista, que aponta para a possibilidade de transtornos mentais, sustenta-se em pesquisas muito precoces e questionáveis. “Sabemos que as pesquisas científicas demoram meses ou anos para serem validadas, para passar por comitês de ética, avaliação de pares. Há pesquisas sendo feitas de forma muito apressada e para um determinado público, que tem acesso a meios virtuais, e que relacionam muito rapidamente o medo do contágio e hábitos como o de lavar as mãos com transtornos”, analisa.
 
“O hábito de lavar as mãos repetidamente, nesta situação de pandemia, a situação de pensamento repetitivo na morte, no medo de perda de parentes não podem ser considerados rigorosamente sintomas de transtorno”, afirma, acrescentando que muitas dessas pesquisas não reconhecem variáveis como classe social, gênero, etnia, situações de ausência, de constrangimento, de violência. “As pessoas estão submetidas a situações desiguais nessa pandemia e, portanto, sofrem muito mais como seres humanos, em sentido mais amplo, social e cultural do que de transtornos mentais”.
 
O pesquisador destaca que lidar com a pandemia tem gerado também resultados positivos, em nível tanto individual quanto coletivo, no caso das pessoas que transformam essa experiência em práticas solidárias, em práticas de autocuidado, em busca por reorganizar a própria vida, suas relações familiares e pessoais.
 
A terceira narrativa, assim, conforme enumera o pesquisador, seria a que se relaciona a uma maior cautela para lidar com a pandemia, com o entendimento de que se trata de experiências existenciais. “De crise, de sofrimento, mas que não são sinônimos de transtorno”, avalia. “É muito importante que as pessoas, neste momento, não recorram a medicamentos, principalmente, à automedicação”, recomenda Amarante. “Depois que se ingressa no uso de medicamentos, é difícil sair”.
 
Assista abaixo:
 
 

 


Fonte: CEE/ENSP

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