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Necessidades de saúde das moradoras da favela da Rocinha: questão de estudo da ENSP

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Publicado em:31/08/2020

A aluna do mestrado em Saúde Pública da ENSP, Laís Peixoto Schimidt, tinha como inquietação principal a experiência de trabalho enquanto enfermeira da atenção básica na Rocinha, onde observava o quanto os serviços de saúde enfrentavam dificuldades para alcançar as necessidades das mulheres que buscavam atendimento. “As queixas delas ocultavam situações, principalmente, relacionadas à violência de gênero e à vulnerabilização do território onde moravam.” Laís apresentou sua dissertação, em julho, sob orientação da pesquisadora da ENSP, Denise Cavalcante de Barros, e coorientação de Marize Bastos da Cunha.


Com o tema A mulher na favela: necessidades de saúde, experiências de vida e a relação com os serviços de saúde das moradoras da Rocinha/RJ, o estudo de Laís teve como objetivo analisar as necessidades de saúde das mulheres moradoras da Rocinha e sua relação com os serviços de saúde locais a partir de suas experiências de vida e, especificamente,  conhecer as experiências de vida da mulher moradora da Rocinha, no que diz respeito à sua situação de saúde; identificar as necessidades de saúde das mulheres adultas moradoras da Rocinha; identificar as potencialidades e os limites dos serviços de saúde da Rocinha/RJ, a partir da visão das moradoras desse território; e descrever as potenciais redes de apoio e estratégias de cuidado elencadas pelas das moradoras da Rocinha.

Como resultados da pesquisa, Laís concluiu que as experiências de vida das mulheres mostraram que, apesar de destacarem aspectos positivos de viver na Rocinha, como a criação de redes sociais solidárias e afetivas e conhecimentos adquiridos, seus estados de saúde têm íntimas relações e consequências originadas tanto pela vulnerabilização do território, já dita acima, e com as violências de gênero sofridas, também citadas. “Contextos estes, disse ela, que afetam suas vidas e saúde desde a infância, se estendendo por toda a vida”. Os resultados trouxeram, principalmente, experiências relacionadas à violência doméstica, casamento, maternidade, sobrecarga de trabalho, discriminações em função do machismo, entre outros.  


No estudo, as necessidades de saúde destacadas estão relacionadas às boas condições de vida, como direito ao descanso e lazer, assim como, a importância de redes afetivas e de apoio. Foram destacadas, inclusive, necessidades de ações pelo Estado, como políticas públicas efetivas e serviços de habitação, saneamento e saúde, além de necessidades relacionadas aos serviços de saúde, acesso, cuidado integral e humanizado. A necessidade da oferta de serviços de saúde mental também foi evidenciada.
A pesquisa observa que os serviços de saúde apresentaram dificuldades para compreender as complexas questões que envolvem suas necessidades de saúde, não conseguindo alcançá-las e proporcionar uma assistência integral à saúde. “As mulheres apresentaram as redes de apoio e estratégias de lutas fora dos serviços como potentes formas de resistência contra as opressões sofridas no território e na sociedade. Ainda sinalizaram que algumas redes, como a religião, podem ser tanto uma rede de apoio, mas também podem reproduzir opressões.”


Laís explicou que o processo de inquietação sobre a saúde das mulheres na favela se iniciou ainda na época em que fazia especialização na modalidade residência (Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família (Presf) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde ela atuou como enfermeira residente na atenção básica na Rocinha, e precisava fazer um projeto de intervenção para promover uma melhoria no serviço de saúde. Nessa época, foi observado uma baixa cobertura na realização de citopatológicos da Unidade de Saúde - de acordo com os indicadores dos prontuários eletrônicos dos pacientes menos da metade das mulheres com idade alvo para rastreio de câncer de colo uterino, seguiam o acompanhamento estabelecido pelo Ministério da Saúde. “Me chocava ver esses indicadores, por saber que o câncer de colo uterino é um dos que mais acomete a população feminina e que tínhamos recursos para disponibilizar um exame barato e simples para o rastreio precoce, porém, algo impedia que esse rastreio ocorresse de forma adequada. Nessa época como trabalho de conclusão da residência busquei estudar sobre as barreiras de acesso e utilização dos serviços, com o objetivo de intervir nessa questão.”


Ela disse, também, que quando terminou a residência, continuou atuando na mesma Unidade Básica de Saúde na Rocinha, mas, como Preceptora de Enfermagem do Presf (onde ainda atua), após aprovação no processo seletivo. “Com isso, ao longo do tempo, me aproximei no público feminino, iniciei o Mestrado Acadêmico em Saúde Pública na ENSP/Fiocruz, e me debrucei sobre os estudos de gênero para realizar a dissertação”.


Para a aluna, se aproximar do público feminino que vive na Rocinha no sentido de  compreender experiências de vida, bem como estudar sobre gênero, o território da favela e o processo de determinação social da saúde, é extremamente necessário para entender as necessidades de saúde das mulheres moradoras desse território, visando a transformação da praxis nos serviços, de modo a promover uma assistência integral à saúde.


Laís lembra que a favela se apresenta como um território vulnerabilizado, sendo um espaço de luta pela cidade e marcado pelas ausências do Estado - e o sistema capitalista contribui, cada vez mais, para acentuar as desigualdades sociais existentes, o que influencia diretamente no processo saúde-doença da população. “É notório o quanto a falta de saneamento, habitação, acesso aos serviços de saúde, entre outras faltas, são prejudiciais à saúde dos moradores”, afirma.


Ao longo dos séculos, destaca Laís, a história da mulher é atravessada por opressões impostas pelo patriarcado e de lutas por direitos, ainda presentes atualmente. “As relações de poder estabelecidas pelo sistema capitalista contribuem para a subalternização da mulher na sociedade, sendo ainda mais fortes quando se somam, ao seu contexto de vida, elementos como a raça e a classe social. As diversas formas de opressão e violências de gênero trazem consequências graves para a vida e saúde, sobretudo para as mulheres que vivem na favela.”


Por fim, o estudo conclui que os serviços de saúde precisam, urgentemente, de um maior investimento em ações voltadas para mudanças sociais e políticas, que abordem o machismo, racismo, homofobia, misoginia e sexismo. “O fortalecimento da democracia deve ocorrer em diversos espaços, seja nos serviços de saúde, ou fora deles, por meio da arte, da cultura, ou da pesquisa.” A educação popular e a construção compartilhada do conhecimento devem ser reconhecidas como estratégias potentes de lutas que contribuem para promoção de políticas públicas de saúde ampliadas e não focalizadas na lógica biomédica, finaliza a aluna.

 


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