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Explode mortalidade em Manaus, epicentro amazônico da Covid-19

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Publicado em:16/07/2020

Manaus é o atual epicentro da epidemia da Covid-19 na Amazônia, com um aumento repentino de mortes, que preocupa gestores e sociedade. Um estudo com participação da ENSP, publicado no Cadernos de Saúde Pública, analisou o excesso na mortalidade geral, visando a identificar mudanças potencialmente associadas à epidemia em Manaus. A situação de Manaus expõe a gravidade da epidemia em contextos de grande desigualdade social e fraca efetividade de ações governamentais, em especial aquelas voltadas ao enfrentamento das desigualdades sociais e para a garantia e fortalecimento do SUS.

O artigo, de autoria de Jesem Douglas Yamall Orellana (Instituto Leônidas e Maria Deane/Fiocruz); Geraldo Marcelo da Cunha e Iuri da Costa Leite (ENSP); Lihsieh Marrero (Universidade do Estado do Amazonas); e Bernardo Lessa Horta (Universidade Federal de Pelotas, Pelotas), traz dados de mortalidade geral e grupos de causas obtidos na Central de Informações do Registro Civil Nacional e no Sistema de Informações sobre Mortalidade, para 2018, 2019 e 2020, e analisou faixa etária, sexo, local de ocorrência do óbito, semana epidemiológica (SE), ano-calendário e causas de morte.


No estudo calcularam-se também razões entre as mortes ocorridas em 2019/2018 e 2020/2019 para avaliar o excesso de mortes, com intervalos de confiança no nível de 5%. Não observou-se excesso de mortalidade geral significativo nas razões 2019/2018, independentemente da SE. Já as razões de 2020/2019 passaram de 1,0 na SE 12, para 4,6 na SE 17. Observou-se excesso de mortalidade geral com a progressão da idade, especialmente, em indivíduos com 60 anos e mais, os quais concentraram 69,1% das mortes. Em 2020/2019 para óbitos em domicílio/via pública foi de 1,1 na SE 12, e de 7,8 na SE 17.


De acordo com o artigo, em 20 de maio de 2020, dois meses após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a Covid-19 como pandemia, em torno de cinco milhões de casos e, aproximadamente, 320 mil óbitos foram registrados em 216 países/áreas/territórios. Atualmente, acrescentam os autores, mesmo havendo fortes evidências de subestimação de suas estatísticas oficiais, o Brasil é o terceiro país mais afetado, com cerca de 280 mil casos e 18 mil mortes.


Conforme relata o artigo, a distribuição dos óbitos por Covid-19 reflete a heterogeneidade geográfica e social do país, com apenas cinco estados respondendo por 81% das ocorrências: São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e Amazonas, sendo que este último apresenta a maior proporção de infectados, 10,6%.


O Estado do Amazonas, situado na Amazônia brasileira, região que ocupa aproximadamente 60% do território do nacional, a população tem sido historicamente submetida a condições de pobreza e desigualdade social. Um estudo sobre a Região Metropolitana de Manaus constatou elevada desigualdade no acesso aos serviços de saúde. “Essa é uma realidade comum para populações vivendo em regiões de acesso remoto e terras indígenas, cuja vulnerabilidade social e econômica restringe sua mobilidade espacial no território, tornando-as mais suscetíveis à dramática disseminação da Covid-19, em especial de suas formas graves”, alerta o artigo.


Os autores afirmam que, há mais de quatro semanas (dados de maio/2020), Manaus apresenta sinais de esgotamento na rede pública hospitalar, devido ao rápido aumento do número de casos de Covid-19. “Só na primeira quinzena de maio, foram quase sete mil novos casos, o dobro do número até então identificado. Ademais, de 19 a 28 de abril, a média diária de sepultamentos foi de 123, valor quatro vezes maior do que a média diária de 2019.” Chama atenção, dizem eles, que a média diária de mortes por Covid-19, reconhecida pelos serviços de saúde no mesmo período, tenha sido de apenas 14 óbitos, sugerindo ampla subnotificação, um problema mundialmente reconhecido, sobretudo em regiões de precária testagem e serviços de saúde deficitários. No entanto, segundo eles, apesar das incertezas sobre a mortalidade específica por Covid-19, indicadores do excesso de óbitos constituem parâmetros mais objetivos e comparáveis para avaliar o impacto da epidemia sobre a mortalidade.


Em 2018, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade, o número médio de mortes semanal, em Manaus, foi de 230, valor próximo do observado nos primeiros 70 dias de 2019 e 2020, segundo informações da Central de Informações do Registro Civil nacional, respectivamente, 225 e 218, óbitos.


A razão de mortalidade geral, 2019/2018, é muito próxima a 1, independentemente da SE; já 2020/2019 apresenta um comportamento semelhante apenas entre as SE 12 e 14, com aumento expressivo nas semanas subsequentes. De forma que a razão na SE 12 passa de 1,0 para 4,6 na SE 17, de acordo com os estudos.


As razões de mortalidade geral, 2020/2019, segundo faixa etária, não foram estatisticamente significativas em menores de 40 anos do sexo masculino, bem como nos menores de 30 anos do sexo feminino e em ambos os sexos, expondo, a partir de então, o excesso de mortalidade em 2020, principalmente no sexo masculino.


Os resultados científicos apontam que o total de óbitos registrados em 2019 é de magnitude similar ao registrado em 2018, entre as SE 12 e 17. Porém, a comparação entre o total de óbitos de 2020 e 2019 revela um excesso de mortalidade a partir da 15ª SE de 2020, com esta razão explodindo na SE 17, na qual o número de óbitos é 200% maior que o observado em 2019.
O aumento de mortes, a partir da SE 15, explica o estudo, ocorreu aproximadamente 15 dias após a confirmação dos 30 primeiros casos de Covid-19 em Manaus. Já na SE 17, o número anômalo de mortes coincide com o colapso da rede pública hospitalar. Nesse período, o número médio de sepultamentos diários triplicou. Mortes em casa/via pública também aumentaram, bem como os casos de Covid-19 em municípios vizinhos. Esse conjunto de acontecimentos resulta, provavelmente, de uma grande aceleração da epidemia em Manaus, nas semanas anteriores, completam os autores.


Esse estudo tem como ponto forte o uso do indicador de mortalidade geral para estimar o excesso de mortes, o qual parece ser um recurso útil para avaliações rápidas e de baixo custo, além de ser um indicador mais robusto e comparável em cenário pandêmico, afirmam os pesquisadores, pois ao contrário da mortalidade específica por Covid-19, independe de estratégias de testagem adotadas, da organização e do financiamento dos sistemas de saúde, da estrutura demográfica ou do denominador empregado, o que pode fazer com que as estimativas de letalidade variem amplamente.


Nesse cenário preocupante, concluem os autores, reforços devem ser envidados rapidamente por gestores das três esferas de governo, de modo a conter ou minorar o efeito deletério da Covid-19, sobretudo em áreas mais precárias, onde o impacto da pandemia sobre a mortalidade tende a ser mais acentuado.


Foto: Agência Brasil
 


Fonte: Artigo Cadernos Saúde Pública

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