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Sanitarista da ENSP questiona testagem em massa para Covid-19

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Publicado em:01/07/2020

O médico-sanitarista, professor aposentado da ENSP, Eduardo de Azeredo Costa, produziu artigo sobre a busca ativa de casos da Covid-19. Para ele, a ‘testagem de massa’ soa como mais uma quimera, que precisa ser desconstruída para o uso correto da testagem.

Eduardo Costa aponta falhas graves. “Embora fosse natural que no afã dos primeiros preparativos para a epidemia no Brasil a expansão dos leitos de UTI, um dever de Estado, fosse uma prioridade a ser realizado pelo conjunto dos serviços, ficou claro que sem uma orientação epidemiológica não conseguiria equilibrar as grandes desigualdades no acesso aos hospitais em um país com enorme concentração de renda, e que não dispõe de planejamento voltado para a equidade na saúde”, disse. Outro ponto observado pelo sanitarista são as falhas na comunicação e primeiras decisões, “até certo ponto esperadas numa situação inteiramente nova, levaram a que as pessoas evitassem a busca para atendimento precoce”. Em consequência, completou ele, “começamos a ter óbitos não assistidos em casa e uma pletora de casos já graves aos serviços de saúde”.

Confira o texto!


“Busca ativa ou testagem de massa?

Eduardo de Azeredo Costa*

O noticiário brasileiro há algumas semanas traduz como ‘testagem de massa’ a iniciativa de busca ativa de casos da COVID-19, sem explicá-la, tornando a atividade de testagem um mero indicador para comparações de ações entre países. Assim, como o Brasil não a pratica, fica criada a corrida pela testagem. E nem mesmo conseguimos ainda agregar dados de resultados dos testes de rotina dos serviços de saúde para fins diagnósticos.

Embora fosse natural que no afã dos primeiros preparativos para a epidemia no Brasil a expansão dos leitos de UTI, um dever de Estado, fosse uma prioridade a ser realizado pelo conjunto dos serviços, ficou claro que sem uma orientação epidemiológica não conseguiria equilibrar as grandes desigualdades no acesso aos hospitais em um país com enorme concentração de renda, e que não dispõe de planejamento voltado para a equidade na saúde. Falhas na comunicação e primeiras decisões, até certo ponto esperadas numa situação inteiramente nova, levaram a que as pessoas evitassem a busca para atendimento precoce. Em consequência, começamos a ter óbitos não assistidos em casa e uma pletora de casos já graves aos serviços de saúde.

Ainda que não se deva minimizar a ação desorganizadora e danosa do Governo Federal e do Presidente da República até agora, já clara e universalmente reconhecida, há problemas que na ausência de uma estrutura administrativa ágil, precisam ser ventilados para todos aqueles prestadores de serviços de saúde, dispersos e fragmentados pelo tipo de organização do SUS, poderem realizar atividades com foco e eficiência.

Faltou clareza, ou apoio epidemiológico competente para o tipo de problema, em todo o processo de enfrentamento à COVID-19. Ainda que a informação seja falha, há conhecimento disciplinar histórico das ações de combate às doenças agudas de alta contagiosidade, que permite agir com eficácia.

Por isso, a ‘testagem de massa’ soa como mais uma quimera, que precisa ser desconstruída para o uso correto da testagem. Isso, quando, por informações que disponho, há disponibilidade de testes sem uso em alguns locais, pela simples falta de plano ou de pessoal treinado para seu uso. Há alguns municípios brasileiros que estão trabalhando corretamente nesse sentido, mas sem todos se capacitarem o resultado pode ser falho em termos nacionais.

Os países asiáticos tiveram enorme sucesso no controle rápido da epidemia. Além de dirigentes qualificados  e respeitados pelos seus povos, usaram a epidemiologia clássica para poderem ser bem sucedidos. De um lado o foco no isolamento geral, por recomendação a todos e desmobilização de serviços não essenciais, e de outro a busca ativa e o rastreamento de casos. No caso da China, essas atividades de vigilância epidemiológica se iniciaram ainda antes que estivessem disponíveis os testes diagnósticos, que com eles ficaram mais robustos.

Em que consistem essas duas atividades?

O rastreamento parte de casos conhecidos que procuram atenção médico-hospitalar. A equipe de visitação sanitária (agentes de saúde ou outros profissionais de enfermagem) é comunicada imediatamente nos pontos de atendimento e vão à residência e ao trabalho (se estiver ativo) de quem adoeceu e testa todos os membros da família e seus amigos mais próximos nas comunidades para a presença do vírus na garganta (infectantes) e testes sorológicos. Todos o que tiverem febre e outros sintomas compatíveis com o diagnóstico inicial de SRAG serão postos em isolamento, se tiverem condições favoráveis em casa, com recomendações e, se possível contato diário para saber da evolução das pessoas. E se necessário encaminhar para um local de isolamento comunitário qualificado. Note-se que o uso de telefonia celular e internet viabiliza que essa ação seja rápida.

A busca ativa foca nos grupos profissionais que não podem parar, como saúde, frigoríficos, indústria de alimentos, transportes coletivos, motoristas de carga, entre outros; faz-se ‘swab’ indiscriminado nos trabalhadores, o que se repete periodicamente, para a coleta de material naso-faríngeo. Os positivos são isolados e postos em observação com o mesmo trabalho de rastreamento já descrito. A busca ativa na entrada e saída de cidades menores devem ter consequências sanitárias, não ser apenas para obter imagens. Além de desestimular a movimentação desnecessária, devem servir para que possa ser localizado e informado naquele positivo.

O complemento do uso de testes para diagnóstico, busca ativa e rastreamento, são os estudos sorológicos sequenciais em painéis da população por amostragem, como a iniciativa da Universidade Federal de Pelotas. Por eles pode-se agregar segurança para o acompanhamento nacional da epidemia.

Essas ações estão sendo feitas simultaneamente ao isolamento social indiscriminado também em países da América Latina com sucesso. E são obrigatórias que se mantenham depois que a epidemia é controlada, para não sermos surpreendidos com ‘segunda onda’.

Para essas ações não é necessário importar 42 milhões de testes. 10 a 20% já seriam muito bons se usados adequadamente. E com isso é possível racionalmente flexibilizar algumas atividades de isolamento social e ainda assim ter a supressão da epidemia. Há modelos que o demonstram, especialmente quando o objetivo é reduzir a taxa de reprodução de casos de menos de 1,5 para abaixo de 1.

Rio de Janeiro, 13 de junho de 2020."

*Eduardo de Azeredo Costa, PhD em Epidemiologia, é médico-sanitarista, professor titular de Epidemiologia da ENSP/Fiocruz aposentado, ex-Secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e ex-Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS. Atualmente é Assessor de Cooperação Internacional da ENSP/Fiocruz.



 


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