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Pandemia escancara vulnerabilidade de 50 milhões da nova classe C

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Publicado em:15/05/2020

Desde 2002, a classe C foi o pilar econômico que sustentou o desenvolvimento no Brasil. Agora, com a pandemia, pouco se fala sobre ela. Dois em cada três brasileiros pertencem às classes CDE. A relevância dessa parcela da sociedade é notável.

Segundo Maurício Prado, sócio e diretor-executivo da Plano CDE, empresa de consultoria e pesquisa com foco nessas classes, há um número aproximado 130 milhões brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, na comparação internacional.

Como você avalia o impacto da Covid-19 para as classes C, D e E no Brasil?

Há uma série de hábitos e dinâmicas familiares que embasam minhas análises sobre essas classes. São fenômenos identificados que podem ser aplicados para inúmeras dimensões: renda, saúde, educação, inclusão produtiva, habitação e várias outras.

Um exemplo: a pandemia inflacionou os preços para alimentos para essa população. Antes havia grupos de compras coletivas nos atacados, amigos iam de carro juntos para conseguir descontos. O WhatsApp e a aquisição de carros próprios fizeram uma revolução no atacado. Depois da pandemia, as compras passaram a ser individuais e nos mercadinhos locais, que costumam praticar preços bem mais altos que o atacado.

Então a renda foi a maior perda?

Essa foi a dimensão mais impactada, pois quanto menor sua classe social, mais variáveis são as rendas das famílias. Uma família classe E possui uma variação de rendimentos enorme entre 4 meses. Percebemos isso em nossa última pesquisa. Mais de 51% das famílias de classe D e E perderam metade ou mais das suas rendas.

Você poderia explorar melhor o recorte da classe C?

Apesar de identificarmos a classe C como uma classe média no Brasil, ela ainda é muito vulnerável. Os critérios de pobreza e extrema pobreza foram flexibilizados e isso gerou distorções.
 
Temos uma classe média que ganha entre R$ 2.000 e R$ 6.000 por mês. Estamos falando de 80 milhões de pessoas nesse "miolo social".
 
Porém, é uma classe média pobre em comparação a outros países. A grande maioria dessa classe C seria considerada pobre em critérios do Banco Mundial, ao aplicar a linha de rendimentos acima de 8 dólares por dia.
 
O exemplo prático disso: somos o país do elevador social e do elevador de serviço. Há um número aproximado 130 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza internacional.
 
Pandemia escancara vulnerabilidade de 50 milhões da nova classe C
 
Como você avalia o que está sendo feito?
 
O auxílio emergencial, de R$ 600 ou R$ 1.200 para mães ou pais solteiros, foi uma boa política focalizada para atender o grupo de classes D e E. Para um piso superior, a classe C2, a política de auxílio emergencial acaba dando conta de uma boa parcela. Aqui estão 30 milhões que vão ganhar o benefício.
 
Porém, o extrato total da classe C é composto por 80 milhões. Há outros 50 milhões de brasileiros que compõem a classe C1, sem benefícios. Eles ficaram no buraco.
 
Por que isso é preocupante?
 
50 milhões é um número muito grande. Segundo nossa pesquisa, menos de 20% tem dinheiro para chegar até o próximo mês. E, em média, 30% da renda anterior da classe C1 estava comprometida com dívidas passadas.
 
A baixa poupança e quebra de fluxo das pessoas não vão gerar renda de curto prazo para essa parcela. Dessa forma, o crédito não é suficiente.
 
A pessoa não vai conseguir pagar esse empréstimo no futuro. A necessidade urgente é de um benefício direto e possíveis abonos de contas de luz ou outras despesas.
 
E quais os impactos na área da educação?
 
O aumento de desigualdade tende a acontecer. 15% da nossa rede é privada e 85% é pública. Com o coronavírus, a debate da educação foi sobre a falta de acesso de internet. É relevante, porém, 85% das famílias acabam tendo acesso à internet. O lado negativo é que grande do acesso é pelo celular. E o celular é uma mídia muito limitada para educação. Os problemas são mais estruturais.
 
Primeiro ponto. Faltam equipamentos. Somente 20% das residências de jovens em escola pública possuem computador para um estudo de qualidade.
 
Segundo, há moradias sem espaço adequado. Devido à alta densidade populacional das casas, não há um espaço separado para as crianças realizarem seus estudos. Além de não haver cômodo, não há mesa e luz adequadas e cadeira confortável. Sem contar o apoio da merenda balanceada para o dia a dia das crianças e famílias.
 
Terceiro, há um baixo letramento digital dos pais. A maioria dos materiais que são dados acaba sendo complexo para os alunos entenderem de forma autônoma. Os pais precisam ajudar com buscas pela internet ou explorar arquivos digitais. Mas a grande parte deles não tem o letramento digital necessário para desempenhar essa função.
 
Há impactos mapeados em outras áreas?
 
Há um dado curioso do Brasil. Desde o Plano Real, a gente deixou de ter problema com desnutrição e a obesidade passou a ser a prioridade.
 
Com o aumento de renda nas classes CDE nos últimos tempos, aumentou também o consumo de alimentos. Porém, faltou uma educação alimentar para que alimentos de qualidade fossem ingeridos. Não há consumo de frutas e verduras, e há uma baixa taxa de atividade esportiva. Isso faz com que a população dessas classes tenha mais fatores de risco.
 
Aumentou consumo de alimentos processados, bolacha recheada, doces, refrigerantes. Resultado: há mais pessoas com comorbidades. Temos mais obesos, hipertensos e diabéticos.
 
Como você observa o cenário pós-covid-19?
 
Haverá um alto endividamento, principalmente para classe C1. A classe C já tinha um endividamento maior do que D e E. Essa parcela teve mais acesso a crédito, porém não recebeu educação financeira para saber usar o crédito.
 
Para classes D e E o risco é de fome mesmo. Principalmente se não haver continuidade no auxílio dos R$ 600,00. Apesar do enorme esforço do 3º setor ajudar, só o governo é capaz de executar a política mais universal.
 
Há alguma maneira de enxergar pontos positivos?
 
Sim. Por outro lado, existe uma oportunidade gigante para o governo conhecer melhor as 80 milhões de pessoas da Classe C. Boas políticas foram feitas para classe D e E. São 50 milhões de pessoas atendidas pelos Cras e Bolsa Família, questionários que foram feitos para entender se os filhos vão para escola.
 
Isso poderia ser expandido para a Classe C, como uma oportunidade fantástica. Ação de microcrédito poderia ser impulsionada, política de inclusão produtiva seria fantástica, um Pronatec 2.0.
 
Para finalizar de maneira positiva, eu resumiria a oportunidade de qualificar o acesso em 3 frentes. As famílias na base da pirâmide tiveram acesso, o próximo desafio seria de qualificar.
 
A classe C ascendeu graças às inclusões nesses 3 eixos: acesso a alimentos, bancos e tecnologia/internet. Porém o acesso não é de qualidade.
 
O caminho é qualificar para uma melhor cesta de alimentos, uma melhor educação financeira no uso de crédito e um acesso de qualidade na inclusão tecnológica.

Fonte: UOL

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