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Desigualdade acelera avanço da Covid-19 nas periferias

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Publicado em:06/05/2020
A histórica desigualdade socioeconômica brasileira já modela a pandemia do novo coronavírus no país, com explosão de casos nas periferias. O acesso limitado a testes e atendimento hospitalar reduz a capacidade de diagnóstico e tratamento dos mais pobres, que também têm dificuldades de realizar quarentena.
 
Em São Paulo, negros têm 62% mais chances de morrer de Covid-19, e o número de mortes por 100 mil habitantes chega a crescer dez vezes entre áreas com maior e menor IDH. No Rio, a taxa de letalidade de 2,4% no Leblon contrasta com os 30,8% da Maré, e os óbitos dispararam nas zonas Oeste e Norte. O quadro se repete em outras capitais. “O Brasil se tornou um grande laboratório para se entender o impacto da doença na vida dos mais pobres”, diz o economista Marcelo Neri.
 
A epidemia que foi trazida ao Brasil pelas classes média e alta, pressionando a rede particular de hospitais, agora abate a periferia das grandes cidades do Brasil, com potencial de causar um estrago maior do que o registrado até aqui.
 
Na última semana, o Globo ouviu de médicos, infectologistas, acadêmicos, moradores de bairros pobres e autoridades à frente da luta contra o coronavírus um diagnóstico similar: o próximo pico vai castigar com ainda mais força a parcela da população que historicamente sofre com a desigualdade social, não conta com saneamento básico e depende da rede pública de saúde. Em São Paulo, cidade que teve o primeiro paciente e a primeira morte eque acumula o maior número de casos, a doença hoje já é bem mais presente e letal na periferia. — Se separarmos os bairros de São Paulo em três grupos, de acordo coma renda, observaremos que a mortalidade é bem menor nos distritos mais ricos, enquanto persiste nos de renda intermediária e baixa —afirma Paulo Lotufo, epidemiologista da USP.
 
Os índices de evolução da doença na maior cidade da América Latina ilustram o desafio que o país tem pela frente. O distrito que registra recorde de vítimas fatais pelo coronavírus em São Paulo é Brasilândia, o sétimo mais populoso da cidade, o quinto com a pior taxa de emprego formal e o segundo com a maior proporção de domicílios em favelas. Até sexta-feira, foram 81 mortes. Em uma única semana de abril, os casos fatais cresceram 50%. Na última quarta-feira, a reportagem conversou com moradores e líderes comunitários da região. Assim como em outras áreas da capital, as ruas estavam movimentadas. Principal arma usada hoje na luta contra a doença, o isolamento social é realidade distante. — Vamos pagar o preço da nossa desigualdade. E quem vai pagar a maior parte dessa conta serão os mais pobres, que não têm condições de ficar em casa, não têm saneamento, não têm nem sequer como lavar as mãos porque a água não chega — afirma o médico sanitarista Ivan França Jr, da USP.
 
PRETOS E PARDOS
 
Um dado do boletim epidemiológico da prefeitura de São Paulo ilustra o impacto da desigualdade. Até 17 de abril, a cidade registrava 14 mortes de pessoas com menos de 20 anos — todas em bairros pobres da cidade. Os números mostram que a pandemia mata mais pretos e pardos. As chances de morte entre pretos é 62% maior que a dos brancos. Comparando os pardos com os brancos, a chance de morte é 23% maior. O risco é inversamente proporcional à renda.
 
Segundo o IBGE, o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas (R$ 2.796) é 73,9% superior ao de pessoas pretas ou pardas. Na capital paulista, entre as pessoas na faixa de 40 a 44 anos, o risco de morrer por coronavírus nos bairros mais pobres é dez vezes maior do que nas regiões mais ricas. A taxa de mortalidade entre pessoas abaixo de 60 anos segue a mesma lógica. Bairros como Campo Limpo, Parelheiros, Itaim Paulista e São Miguel Paulista, todos entre os com menor Índice de Desenvolvimento Humano na cidade, apresentam a maior taxa de mortalidade nessa faixa etária. No outro extremo, Pinheiros, Vila Mariana e Santo Amaro apresentam os menores índices. — Isolamento dentro de casa como panaceia é um sonho de classe média. É preciso uma resposta global, social. O sistema de saúde tem que usar o teste ativamente para ir atrás dos casos. O teste é para saber onde a doença está e contê-la, sobretudo nas áreas mais pobres. Vamos esperar as pessoas nas unidades de saúde ou usar o teste como instrumento de contenção da epidemia? — questiona França Jr.
 
No Rio, números e relatos revelam um aprofundamento desse abismo. As taxas de letalidade chegam a 21% na Zona Oeste — onde ficam Santa Cruz, Sepetiba e Paciência —, e 13,7% na área da Maré, Penha, Ramos e Manguinhos. Mas na Barra da Tijuca e Zona Sul, onde a doença foi inicialmente registrada, têm taxas de 8,5% e 7,4%, respectivamente. Até ontem, o país registrou 96.559 casos e 6.750 mortes por coronavírus.

 

Fonte: O Globo
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