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Derramamento de óleo no litoral brasileiro: pesquisadores concluem que desastre configurou Emergência em Saúde Pública

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Publicado em:11/03/2020
Oficialmente identificado em 30 de agosto de 2019, um derramamento de petróleo ou óleo bruto atingiu a costa brasileira e alcançou a faixa litorânea. As primeiras ocorrências foram registradas nos estados de Pernambuco e Paraíba. Até o dia 22 de novembro de 2019,  4.334 km de costa em 11 estados do Nordeste e Sudeste, 120 municípios e 724 localidades tinham sido impactados, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. A origem presumida do desastre seria o acidente com um navio em trânsito pela costa brasileira, mas nenhuma hipótese foi confirmada pelo governo brasileiro. Esse desastre vem sendo considerado o maior derramamento de óleo bruto da história do país e um dos mais extensos registrados no mundo.
 
Estudos recentemente publicados no periódico Cadernos de Saúde Pública, em espaço temático destinado ao desastre ambiental, dão conta de avaliar a dimensão dos fenômenos, seu impacto social e ambiental, além das respostas das autoridades. O derramamento de óleo não é abordado como um fato isolado, mas sim na esteira de uma sequência de desastres ambientais de grandes proporções ocorridos nos últimos cinco anos em território nacional. 
 
No artigo Derramamento de óleo bruto na costa brasileira em 2019: emergência em saúde pública em questão, publicado na edição de fevereiro de 2020 do periódico, os autores apresentaram um quadro preliminar de danos possíveis à saúde decorrentes do derramamento e refletiram sobre a necessidade de ampliar o marco regulatório para que acidentes dessa magnitude sejam considerados situações de Emergência em Saúde Pública.
 
No artigo, Emergência em Saúde Pública foi definida como “a capacidade da saúde pública e dos sistemas de saúde, comunidades e indivíduos impedirem, protegerem, responderem rapidamente e recuperarem as condições de saúde, particularmente aquelas cuja escala, momento ou imprevisibilidade ameaçam superar a capacidade de resposta dos sistemas de saúde”. Portanto, a proposta de definição focaliza aquela situação “cuja escala, tempo ou imprevisibilidade ameaça sobrecarregar os recursos de rotina”. No contexto brasileiro do derramamento de óleo, os fundamentos regulatórios respaldam essa declaração, segundo os autores. A ausência dessa medida, na visão deles, retardou o preparo do setor Saúde no âmbito da vigilância e acompanhamento dos impactos, bem como desconsiderou a proteção das populações vulneráveis.
 
Além da exposição ao óleo bruto, as consequências econômicas causadas pelo derramamento contribuem para a ocorrência de distúrbios à saúde mental, em especial em populações em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica. As manchas de óleo colocam em risco a saúde de 144 mil pescadores artesanais do Nordeste do país, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além daqueles que vivem no litoral do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. São, aproximadamente, 724 territórios de pesca e extração de mariscos afetados até o momento. Para os autores, essas situações de exposição ocupacional exigem ações de proteção emergencial à saúde para reduzir danos de longa duração.
 
“O mais grave dessa população, de forma potencial exposta, se expressa pela vulnerabilidade revelada pela renda média de aproximadamente R$ 400,00 por mês, com jornadas extenuantes que agravam riscos relativos pelo tempo de exposição em ambientes contaminados. Adicionado a isso, pescadores, ambulantes e outras categorias informais não dispõem de equipamentos de proteção individual, nem treinamento para o uso adequado; assim como quando há exposição crônica aos agentes químicos, falta acesso e informações dos serviços de saúde para realizar exames periódicos”, registrou o artigo.
 
De acordo com os autores, existiam fundamentos regulatórios para respaldar a decretação de emergência sanitária, o que não aconteceu. “As características desse desastre de derramamento de óleo no litoral do Brasil, sinteticamente elencadas, indicam que havia a necessidade de declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública. O escopo regulamentar atual, mesmo centrado nas situações de emergência no campo das doenças infectocontagiosas, permite estabelecer a situação de emergência e organizar o setor Saúde para o enfrentamento da catástrofe”, afirmaram.
 
Para eles, a indecisão governamental gerou “despreparo, improvisos, inércia e/ou insuficiência de ações e extemporaneidades em algumas condutas do setor Saúde que expandiram enormemente os prejuízos primários do fato. Trata-se de danos políticos, socioeconômicos e culturais com efeitos perversos à saúde em curto, médio e longo prazos, instalando condições para consolidar formas de invisibilidade epidemiológica dessa tragédia”.
 
Outro artigo, intitulado Desastres tecnológicos e emergências de saúde pública: o caso do derramamento de óleo no litoral do Brasil discorre sobre o conceito de emergência em Saúde Pública, trazendo os critérios para a classificação de um evento. Os autores Eduardo Hage e Maria Gloria Teixeira apresentam, ainda, um fluxograma para a avaliação de desastres a fim de que seja classificado como Emergência de Saúde Pública.
 
Segundo os autores, com base em diversos instrumentos jurídicos e publicações científicas, as situações de desastres podem constituir uma Emergência de Saúde Pública. Para contribuir com a aplicação do conceito em situações de desastres, os pesquisadores propuseram um fluxograma, constituído de perguntas condutoras organizadas em três etapas. Em seguida, os autores se propuseram a aplicar o caso do derramamento de óleo na costa brasileira ao fluxograma, como exercício teórico. A análise mostrou que o desastre preencheu vários critérios, tais como:
 
(a) O desastre implicou risco à saúde pública: foram detectados casos com sinais/sintomas compatíveis com intoxicação aguda devido à exposição ao óleo;
 
(b) O risco à saúde pública é relevante: embora, até a presente data, todos os casos apresentem quadros clínicos leves, não se pode afastar a possibilidade de ocorrência de efeitos de maior gravidade, no médio e/ou longo prazo, considerando-se a natureza da exposição, o tipo do produto e o relato de eventos em outros países, com características semelhantes;
 
(c) O evento demandou a adoção de medidas imediatas de saúde pública, especialmente a recomendação de evitar a exposição sem proteção adequada, a notificação imediata de casos, a prestação da assistência médica e a proposição de acompanhamento clínico, laboratorial e psicológico de pessoas expostas, com vistas a monitorar a eventual ocorrência de efeitos no médio e longo prazos. Outra medida que também tem relação direta com a saúde das populações afetadas, que deveria ser implantada, diz respeito à garantia dos meios de subsistência dos pescadores, marisqueiras e seus familiares, que foram seriamente atingidos pelo desastre, no propósito de impedir o desencadeamento do estado de insegurança alimentar, danos psicológicos, dentre outros.
 
Os autores reforçam também que, tendo como base essa avaliação, consequentemente, esse desastre deve ser classificado como uma emergência de saúde pública. A gradação da emergência foi considerada de nível médio (em uma escala em três níveis), tendo em conta as incertezas presentes quanto à gravidade dos efeitos adversos de médio e longo prazos. Pela extensão geográfica do desastre e dos efeitos na população, pode-se considerar esse evento de abrangência nacional, avaliaram os autores. 
 
“Independentemente da decretação ou não do Estado de Emergência de Saúde Pública, cabe ao governo adotar todas as medidas para apoiar as populações atingidas, no que se refere ao apoio financeiro suficiente para reduzir os prejuízos econômicos das populações vulneráveis atingidas, limpeza do meio ambiente, cuidado à saúde e monitoramento de pessoas expostas para a detecção de possíveis efeitos adversos à saúde, de médio e longo prazos, e apoio aos estudos científicos abrangentes e robustos o suficiente para produzir conhecimentos e aportar subsídios para o enfrentamento dos problemas oriundos deste grave desastre”, concluíram.
 
Em outubro de 2019, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) endossou, em sua página na internet, o posicionamento dos pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia (PPGSAT/UFBA), que recomendava às autoridades a declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública. Em nota, os docentes afirmavam que há sérias ameaças para a saúde da população: os componentes químicos do petróleo, como o benzeno, são cancerígenos e podem causar má formação fetal e patologias graves. A contaminação se dá por meio da ingestão, absorção pela pele e inalação, e as substâncias tóxicas podem atingir sistemas nervoso, hematopoiético/imunológico, respiratório, causar lesões na pele, alterações hepáticas, hormonais, infertilidade, dentre outras consequências.
 
Um terceiro artigo sobre o tema, intitulado Pescadores artesanais, consumidores e meio ambiente: consequência imediatas do vazamento de petróleo no Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil , trouxe a público os resultados das observações e entrevistas em campo realizadas com pescadores e comerciantes locais entre 24 de outubro e 16 de novembro, além de revisão da literatura sobre o tema. Os autores  lembraram que, à medida que as manchas e ondas impactantes e inesperadas de óleo bruto chegavam à costa do Nordeste, muitos voluntários locais se mobilizavam de forma espontânea, tanto individual como coletivamente. Apesar de movidos por forças humanitárias e ambientais para limpar as praias, os pescadores, residentes locais, estudantes, comerciantes, turistas e surfistas foram expostos a essas substâncias, colocando em risco sua própria saúde, muitas vezes sem equipamentos de proteção individual. “Os métodos profissionais de limpeza de manchas de petróleo utilizados no litoral da Galícia, na Espanha, são radicalmente contrários ao amadorismo verificado no desastre brasileiro”, escreveram os pesquisadores. Segundo o relatório da Secretaria Executiva de Vigilância Sanitária do Estado de Pernambuco, até a data da publicação do artigo, houve 149 casos suspeitos de intoxicação por petróleo. Os casos sintomáticos foram principalmente neurológicos (cefaleia, náuseas, tonteira), cutâneos (irritação e manchas), respiratórios (dispneia, faringite) e digestivos (vômitos, diarreia, dor abdominal). 
 
Os autores não deixaram de levar em conta os impactos para o ecossistema marinho e litorâneo e para a economia local. Os  mariscos são uma das principais fontes de proteína para consumo humano, sendo intensamente explorados no litoral nordestino. “As comunidades de pescadores já não conseguem comercializar os mariscos, ostras, mexilhões e caranguejos [...] Entre a segunda quinzena de outubro e a primeira semana de novembro de 2019, a venda desses produtos despencou entre 80% e 100% em Pernambuco. A venda de peixes de mar aberto (cavala, pargo e dourado) também foi afetada, diminuindo em pelo menos 60%, assim como, de espécies cultivadas (salmão, camarão), em torno de 50% em relação aos preços de mercado anteriores ao vazamento. Embora o setor pesqueiro tenha sido afetado em sua totalidade, os próprios pescadores foram os mais duramente atingidos, uma vez que pescam mariscos, ostras e mexilhões, perdendo sua fonte de subsistência. 
 

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