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Seminário destaca desperdício da experiência dos anos 1980 com HIV/Aids

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Publicado em:20/02/2020
Seminário destaca desperdício da experiência dos anos 1980 com HIV/AidsO segundo dia (12/2) do Seminário ‘Coro de vozes numa teia de significados sobre o cuidado às pessoas vivendo com HIV/Aids na rede de atenção à saúde’ foi brindado com a presença de Richard Parker, diretor-presidente da Associação Interdisciplinar de Aids (Abia), que destacou o desperdício da experiência vivida desde os anos 1980 e o atual desmantelamento da resposta frente ao HIV.
 
Com a coordenação da pesquisadora da ENSP, Fátima Rocha, o seminário contemplou duas mesas de debate: 'Macro e micro políticas na resposta brasileira ao HIV/Aids nos dias atuais'; e 'A descentralização do cuidado às pessoas e os desafios para a atenção integral'.
 
Para Parker, a história social da epidemia teve quatro fases/ondas até o presente momento. “É uma história de sucesso, mas em plena desconstrução. O discurso sobre o fim da Aids é uma cortina de fumaça que esconde uma dura realidade.” A primeira fase, nos anos de 1980, alertou que o silêncio perante à doença poderia significar a morte dos pacientes soropositivos, que tinham ou não AIDS Além disso,  eles podiam transmitir o vírus a outras pessoas pelas relações sexuais desprotegidas, pelo compartilhamento de seringas contaminadas ou de mãe para filho durante a gravidez e a amamentação, quando não tomam as devidas medidas de prevenção. 
 
Parker lembrou da importância da 'Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde', realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em Alma-Ata, na República do Cazaquistão, em 1978, que expressou a “necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo”. A Declaração de Alma Ata – documento síntese desse encontro – afirmava a partir de dez pontos que os cuidados primários de saúde precisavam ser desenvolvidos e aplicados em todo o mundo com urgência, particularmente nos países em desenvolvimento. Naquele momento, conforme defesa feita pela própria OMS, a saúde era entendida como “completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade”. 
 
Com o processo de redemocratização por que passava o Brasil, culminando na promulgação da Constituição Federal de 1988 e na criação do Sistema Único de Saúde no mesmo ano, o Ministério da Saúde adotou 1° de dezembro como Dia Mundial de Luta Contra a Aids. O país já acumulava 4.535 casos da doença. Sendo que, desde 1984, São Paulo já havia estruturado o Programa da Secretaria da Saúde do Estado, primeiro programa brasileiro para o controle da Aids. Em 1986, foi criado o Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde. E, em 1987, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz já haviam isolado o HIV-1 pela primeira vez na América Latina. Mesmo ano do Início da administração do AZT, medicamento utilizado em pacientes com câncer, para o tratamento da Aids. Também nesse ano, a Assembléia Mundial de Saúde e ONU estabeleceram 1° de dezembro como Dia Mundial de Luta Contra a Aids e a OMS lançou o 1° Programa Global da Aids, posteriormente Unaids .
 
A chamada ‘segunda onda’, nos anos de 1990, foi quando desencadeou-se um movimento global pela Aids. Em 1996, foi criada a Unaids, programa das Nações Unidas que tem a função de criar soluções e ajudar nações no combate à Aids. O objetivo era prevenir o avanço do HIV, prestar tratamento e assistência aos afetados pela doença e reduzir o impacto socioeconómico da epidemia. Nesse período, explicou Parker, passou-se a repensar o risco da doença com dimensões sociais sob o paradigma da vulnerabilidade. 
 
Foi em 1990, disse Parker, que perceberam que a ‘terceira epidemia’ poderia ser mais grave. Tratava-se do preconceito e estigma, da discriminação e negação, que “ parecia ser o cenário para uma jaula, onde se encarcerariam a epidemia e os seus doentes. Pior ainda, onde seriam degredados aqueles que eram considerados os alvos preferenciais da epidemia, de início particularmente os homossexuais (depois outros “marginais” suceder-se-iam, correndo o mesmo risco de degredo e violência)”. Herbert Daniel (conhecido como Betinho, portador do vírus da Aids, já falecido) e Richard Parker escreveram um livro sobre a questão, onde abordam as ideias de saúde e doença, passando pela questão dos direitos do indivíduo ou do cidadão, até a discussão do sexo e da morte nas sociedades modernas. Para eles, aceitar e respeitar a intervenção médica não significa retirar dos que são sujeitos da experiência o direito de dizer o que pensam sobre a Aids e de se fazerem ouvir.
 
Nessa década, uma explosão de novos atores e ideias, tais como organizações não-governamentais e redes transnacionais foram surgindo. Também cresceu o movimento em prol do acesso a serviços e medicamentos, muito dispendiosos até então. Era o nascimento da indústria global da Aids. Foi criado o Fundo Global e diversas iniciativas de Saúde Global com recursos público-privado, e assim uma expansão massiva de acesso ao tratamento antirretroviral, altamente eficaz contra a infecção pelo HIV.
 
A quarta onda prometeu ‘o fim da Aids?’. Segundo Parker, a construção dessa narrativa (‘Together we will end aids’, #endaids) veio embalada pelas respostas biomédicas eficazes, no ano de 2010, e o enfoque social perdeu espaço. Para Parker, quando essa ideia é aceita, é esquecido o sofrimento das pessoas que não têm acesso a medicamentos eficazes, ou só têm acesso aos baratos com provocam efeitos colaterais; outra consequência são as altas taxas de mortalidade por causa da doença que ainda existem em países como o Brasil.
 
Atualmente, disse Parker, observa-se a volta do estigma e da discriminação, da omissão e do descaso, e esses dois processos são interligados. “Um exemplo é o movimento da bancada religiosa no Congresso nacional que censura campanhas para gays e prostitutas”, disse.
 
Conforme dados de 2018 da Unaids, 37,9 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com HIV ; 24,5 milhões de pessoas com acesso à terapia antirretroviral; 770 mil  pessoas morreram de doenças relacionadas à Aids; 74,9 milhões foram infectadas pelo HIV desde o início da epidemia; e 32 milhões morreram de doenças relacionadas à Aids desde o início da epidemia.
 
Concluindo, Parker afirmou que não há como voltar ao passado, “mas isso não quer dizer que vamos ignorar as lições”. Para ele, uma das saídas para mudar a dura realidade é promover ações de base, por meio de políticas do Sistema Único de Saúde, porque “silêncio ainda é igual à morte”. Fátima Rocha, coordenadora da mesa, complementou ressaltando a importância da democracia para a saúde. “Falar de democracia, é falar de sujeitos, direitos, respeito às diferenças. Não é destruindo o SUS que se consegue avançar.”
 
Linha do tempo da epidemia da Aids (Fonte: Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde)
 
1977/1978 - os Estados Unidos, Haiti e África Central apresentam os primeiros casos da infecção, definida em 1982. 
 
1980 - primeiro caso da doença no Brasil, em São Paulo, classificado como Aids dois anos mais tarde. 
 
1982 - confirmação do primeiro caso de Aids no Brasil e identificação da transmissão por transfusão sanguínea. Adoção temporária do termo Doença dos 5 H - Homossexuais, Hemofílicos, Haitianos, Heroinômanos (usuários de heroína injetável), Hookers (profissionais do sexo em inglês). 
 
1983 - primeira notificação mundial de infecção por HIV em criança. Brasil identifica primeiro caso de Aids entre mulheres. Primeiros relatos de transmissão heterossexual do vírus e de contaminação de profissionais de saúde. Jornal do Brasil publica a primeira notícia sobre Aids no país: Brasil registra dois casos de câncer gay. Estados Unidos registram 3 mil casos da doença e 1.283 óbitos. O HIV-1 é isolado e caracterizado no Instituto Pasteur, na França. 
 
1984 - ano em que vírus da Aids é isolado nos Estados Unidos. Início da disputa entre pesquisadores franceses e norte-americanos pela autoria da descoberta. Estruturação do Programa da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, primeiro programa brasileiro para o controle da Aids. 
 
1985 - o agente etiológico causador da Aids é denominado Human Immunodeficiency Virus (HIV). Surge o primeiro teste diagnóstico para a doença, baseado na detecção de anticorpos contra o vírus. 
 
1986 - criação do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde. 
 
1987 -  pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz isolam o HIV-1 pela primeira vez na América Latina. Início da administração do AZT, medicamento utilizado em pacientes com câncer, para o tratamento da Aids. Assembléia Mundial de Saúde e ONU estabelecem 1° de dezembro como Dia Mundial de Luta Contra a Aids. 1° Programa Global da Aids na OMS.
 
1988 - o Ministério da Saúde adota 1° de dezembro como Dia Mundial de Luta Contra a Aids. Criação do SUS. Primeiro caso diagnosticado na população indígena brasileira. O país já acumula 4.535 casos da doença. 
 
1989 - pressionada por ativistas, a indústria farmacêutica Burroughs Wellcome reduz em 20% o preço do AZT no Brasil. 
 
1990 - mais de 6 mil casos de Aids são registrados no Brasil. 
 
1991 - O Ministério da Saúde dá início à distribuição gratuita de antirretrovirais. A OMS anuncia que 10 milhões de pessoas estão infectadas pelo HIV no mundo. No Brasil, 11.805 casos são notificados. O antirretroviral Videx (ddl) é aprovado nos Estados Unidos e a fita vermelha torna-se o símbolo mundial de luta contra a Aids.
 
A Fiocruz foi convidada pelo Programa Mundial de Aids das Nações Unidas e Organização Mundial da Saúde (Unaids/OMS) para participar da Rede Internacional de Laboratórios para Isolamento e Caracterização do HIV-1.
 
1992 - Pesquisadores franceses e norte-americanos estabelecem consenso sobre a descoberta conjunta do HIV. A Aids passa a integrar o código internacional de doenças e os procedimentos necessários ao tratamento da infecção são incluídos na tabela do SUS. Combinação entre AZT e Videx inaugura o coquetel  anti-aids.
 
1993 - O AZT começa a ser produzido no Brasil. A OMS anuncia a ocorrência de 10 mil novos casos por dia no mundo e aprova a primeira vacina candidata a testes em larga escala em países pobres. No Brasil, o total de casos chega a 16.670.
Implantação da Rede Nacional de Isolamento do HIV-1 no Brasil, criada com suporte do Ministério da Saúde e da Unaids/OMS para mapear a diversidade genética do vírus no país e orientar a seleção de potenciais vacinas e medicamentos antiaids a serem utilizados por brasileiros.
1994 - Acordo entre Ministério da Saúde e Banco Mundial impulsiona as ações de controle e prevenção da Aids no Brasil.
 
1995 - Estados Unidos aprovam nova classe de medicamentos antirretrovirais, os inibidores de protease. Novos medicamentos são lançados, aumentando as opções de tratamento. Criação do Simpósio Brasileiro de Pesquisa em HIV/AIDS (Simpaids).
 
1996 - Primeiro consenso em terapia antirretroviral regulamenta a prescrição de medicamentos anti-HIV no Brasil. O tríplice esquema de antirretrovirais, que combina dois inibidores de transcriptase reversa e um de protease, começa a ser utilizado. A Lei 9.313 estabelece a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores de HIV. Com mais de 22 mil casos de Aids, o Brasil registra feminização, interiorização e pauperização da epidemia.
 
1997 - Implantação da Rede Nacional de Laboratórios para o monitoramento de pacientes soropositivos em terapia antirretroviral no Brasil. 
 
1998 - Pesquisadores norte-americanos dão início ao primeiro teste de um produto candidato a vacina anti-HIV/Aids. O Ministério da Saúde recomenda a aplicação da Abordagem Sindrômica das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) para seu tratamento oportuno e conseqüente diminuição da incidência do HIV.  Lei 9.656 define como obrigatória a cobertura de despesas hospitalares com Aids pelos seguros-saúde privados, sem assegurar despesas com a terapia antirretroviral. 
 
1999 - O Governo Federal divulga redução em 50% de mortes e em 80% de infecções oportunistas, em função do uso do coquetel anti-aids. O Ministério da Saúde disponibiliza 15 medicamentos antirretrovirais.
 
2000 - Cinco grandes companhias farmacêuticas concordam em reduzir o preço de medicamentos antirretrovirais utilizados por países em desenvolvimento. No Brasil, a proporção de casos de Aids notificados é de uma mulher para cada dois homens.
 
2001 -  Implantação da Rede Nacional de Genotipagem do HIV-1 do Ministério da Saúde. Brasil ameaça quebrar patentes e consegue reduzir o preço de medicamentos antirretrovirais. Aprovação da Lei 10.205, que regulamenta a coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados e proíbe o comércio destes materiais no Brasil. O país acumula 220 mil casos da doença.
 
2002 - Criação do Fundo Global para o Combate a Aids, Tuberculose e Malária, para captação e distribuição de recursos em países em desenvolvimento para o controle das três doenças infecciosas que mais matam no mundo.
 
2003 - O Programa Brasileiro de DST/Aids recebe prêmio de US$ 1 milhão da Fundação Bill & Melinda Gates em reconhecimento às ações de prevenção e assistência no país, que abriga 150 mil pacientes em tratamento.
 
2004 -  Recife reúne quatro mil participantes em três congressos simultâneos: o V Congresso Brasileiro de Prevenção em DST/Aids, o V Congresso da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids e o I Congresso Brasileiro de Aids. Mais de 360 mil casos de Aids são registrados no país. O Dia Mundial de Luta contra a Aids aborda a feminização da epidemia. 
 
2005 - O tema do Dia Mundial de Luta Contra a Aids no Brasil aborda o racismo como fator de vulnerabilidade para a população negra. O Brasil abriga a 3ª Conferência Internacional em Patogênese e Tratamento da Aids, realizada pela International Aids Society (IAS).
 
2006 - A campanha do Dia Mundial de Luta contra a Aids é protagonizada por pessoas vivendo com Aids, numa tentativa de desmitificar o estigma da doença. Brasil acumula mais de 430 mil casos de Aids.
 
2007 - 20 anos após o isolamento do HIV-1 no Brasil, pesquisadores investigam novos alvos terapêuticos. Relatório da Unaids divulga que, em todo o mundo, 33,2 milhões de pessoas estão infectadas pelo HIV. Somente este ano, 2,5 milhões novos casos foram registrados. 
 
O evento foi organizado pela ENSP/Fiocruz, Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz e Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense, com o apoio da Fundação Casa de Rui Barbosa e Faperj, além da parceria com as Secretarias de Saúde do Estado e Município do Rio de Janeiro.
 

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