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Encontro de Saberes debate interculturalidade em evento na ENSP

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Publicado em:26/12/2019
Encontro de Saberes debate interculturalidade em evento na ENSP
Lutar, unir e, principalmente, resistir. Essas palavras permearam o segundo Encontro de Saberes, do Núcleo Ecologías, Epistemiologias e Promoção Emancipatória da Saúde (Neepes/ENSP), que trouxe o tema O Campo na Cidade: resistências, (re)existências e interculturalidades no cuidado e na alimentação, visando entender como os povos e comunidades tradicionais e camponeses se relacionam com as cidades, e como essas podem se tornar mais democráticas, inclusivas, saudáveis e sustentáveis a partir de práticas de cuidado e alimentação. Com o objetivo de criar um diálogo intercultural entre a academia e movimentos sociais visando fortalecer a produção de conhecimentos e as lutas nos campos e cidades, o evento reuniu lideranças indígenas, quilombolas, camponesas, entre outras, que, por meio de suas experiências, contribuíram para a criação de novas agendas de pesquisa.
 
Representando o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública, Hermano Castro, a vice-diretora de Pesquisa, Sheila Mendonça, reforçou a importância da caminhada da saúde coletiva com os saberes populares, apresentados no evento. “Que todos possam dialogar e contribuir para uma resistência mais forte. ”
 
O pesquisador e coordenador do evento, Marcelo Firpo, contextualizou a criação do Neepes e as principais atividades exercidas pelo Núcleo. Dentre elas, o Encontro de Saberes – em sua segunda edição –, cuja proposta é o diálogo interdisciplinar e intercultural entre as pesquisas acadêmicas e os saberes produzidos a partir das lutas sociais. “Precisamos criar condições narrativas, discursivas e epistêmicas para estabelecer diálogos respeitosos entre a academia e os saberes populares. E é isso que chamamos de diálogo intercultural envolvendo os saberes científicos com os vários saberes e práticas gerados pelos povos originários, tradicionais e outros movimentos sociais, como os envolvidos nas lutas por terra e moradia. ”
 
Na parte da manhã, os três grupos criados por meio de debates nos dias anteriores — defesa do território, cuidado e alimentação – apresentaram suas falas em forma de relatos orais, poesias, cartazes, música e cordéis com a presença de artistas plásticos e representantes do cordel, Rap e Poetry Slam.
 
Mostrando a dificuldade com a defesa do território, o primeiro grupo expressou o pensamento dos seus componentes que enfrentam essas situações. Indígenas e povos de matriz africana, entre outros, falaram da opressão e desrespeito que sofrem diariamente para manter viva suas raízes e seus espaços diante do racismo, da discriminação e da especulação imobiliária.
 
O segundo grupo, que discutiu o tema do cuidado a partir das experiências dos povos e movimentos sociais presentes, falou a respeito da importância de incorporar suas culturas e saberes para a promoção e proteção da saúde. Isso se refere não apenas aos povos e comunidades tradicionais e camponesas, mas também ao conjunto da cidade, inclusive diante da fragilidade da atenção da saúde realizada pelo Estado.
 
Em forma de música e poesia, o grupo que representou a alimentação fez um protesto sobre a desvalorização dos agricultores familiares e da agricultura urbana. “Se o campo não planta, a cidade não janta” foi um dos lemas da apresentação que intencionava mostrar a todos a importância do cultivo e proteção por parte dos trabalhadores rurais que, no caso da cidade do Rio de Janeiro, também plantam em favelas e quilombos. 
 
Mesa Reinventar o campo e humanizar a partir dos movimentos sociais do campo e da cidade
 
Várias lideranças que participaram da elaboração do Encontro e dos grupos de trabalho compuseram a mesa final para expor a realidade vivenciada por cada um deles no seu campo de luta e resistência. 
 
O indígena Valdemir Martins, da terra indígena Jaraguá de São Paulo, explicou que, com o passar dos anos, sua aldeia se tornou “metade urbana e metade nativa”, e ressaltou a importância de esclarecer para as pessoas seus objetivos. Segundo ele, apesar do forte preconceito que sofrem, alguns não entendem o porquê da resistência indígena junto às cidades e áreas de proteção ambiental. 
 
Adquirir conhecimento foi um dos motivos que trouxe o integrante da aldeia até a atividade, já que, para ele é “importante aprender um pouco mais com as outras lutas de resistência”. Valdemir também expôs seus receios, uma vez que a aldeia, segundo ele, vive sob ameaças, e a busca por defesa de suas origens não traz certezas de futuro. “Temos medo de ir à luta e não voltar mais. Meu irmão está desaparecido faz alguns dias, não temos notícias dele”, revelou.
 
Diante de tanta dificuldade e incertezas, o indígena torce para que o evento proporcione novos caminhos a serem trilhados. “Mesmo sabendo que todos nós somos diferentes, que possamos criar uma luta única”, finalizou. 
 
 
 
Encontro de Saberes debate interculturalidade em evento na ENSP
 
 
“Que plano de cidade é esse e para quem? ” Essa é a pergunta que Ana Santos, do Centro Educação Multicultural e da Rede Carioca de Agricultura Urbana, fez para tentar entender o racismo e preconceitos na cidade do Rio de Janeiro. A integrante da Rede, que busca mostrar às pessoas que a cidade do Rio de Janeiro também tem agricultores, abordou, em sua fala, um discurso de protesto e defesa dos trabalhadores rurais cariocas. 

Para Ana, produzir nas favelas é falar de luta contra racismo, violência. “Não basta só ocupar espaço urbano, mas disputar espaço político”, enfatizou a representante. Mesmo com tanto retrocesso, Ana salientou que a luta organizada vai aumentando a cada dia, dando voz aos excluídos. 

Alimentação de qualidade ainda é algo raro para uma camada excluída da população, o que, segundo Ana, motiva para novas mudanças. “Precisamos reinventar o campo e humanizar a cidade, aproximando suas lutas”, salientando outro ponto, como a produção de moradia, que caminha lado a lado com a produção de alimentos. 

A representante do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma) trouxe, em sua fala, a importância de dialogar sobre a alimentação desses povos. “Lutávamos para fortalecer outras lutas, e não a nossa. Tivemos a necessidade de diferenciar a religião dos povos tradicionais dos saberes que marcam nossa identidade e lutas”, salientou a representante. 

Ela reforçou a importância dos saberes dos povos tradicionais, já que, segundo ela, esses povos têm saberes e práticas que permitem pensar que outro mundo é possível. Por onde começar a reinventar o campo e humanizar a cidade é um questionamento que a representante faz, inclusive diante dos assassinatos e violências sofridas por pais e mães de santo. Apesar da preocupação, ela vê esperanças na coletividade. “O campo já demonstrou que consegue se reinventar. Minha preocupação é para onde vão nossos saberes e como podemos nos defender das aniquilações que nossos corpos sofrem a séculos. Para isso, fortalecemos a nossa coletividade. ”

O espaço de vendas itinerantes foi defendido pela representante, sendo uma nova forma de conceber e distribuir esses alimentos. “E precisamos conhecer esses novos alimentos”, defendeu ela, em relação aos alimentos 100% orgânicos produzidos pelos povos e movimentos do campo. 

As estratégias de sobrevivência criadas dentro de territórios do movimento dos sem-teto da Bahia (MSTB) foi tema da fala da Rita de Cássia Ferreira dos Santos, representante do movimento. “Não temos acesso ao SUS porque não temos um comprovante de residência. Somos excluídos por isso e, então, nos organizamos” enfatiza a representante.

A importância das mulheres dentro desses espaços também foi abordada por Rita. “Nós, mulheres, enfrentamos os combates feitos pelo estado para nos expulsar do espaço que ocupamos” salientou. Ela ressaltou a importância do cuidado e da proteção daqueles que atuam nos movimentos e sofrem com as violências, salientando ela que “militante bom é militante vivo”.

Pensando na saúde dentro das comunidades, a representante pauta a discussão da agroecologia. “Pensamos nisso porque os nossos estão morrendo e precisamos nos cuidar” enfatizou ela, relembrando que as pessoas desses lugares não têm acesso ao CAPS e ao SUS. 

Diante dessa circunstância, Rita cita a criação das farmácias vivas dentro das comunidades, com o trabalho das ervas medicinais, ensinamentos deixados pelos seus antepassados. “Não reinventamos, retomamos a sabedoria dos nossos”, finalizou ela demonstrando a importância de passar esses saberes para os mais jovens.

O evento contou com o lançamento de dois livros. Pilares - Raízes espelhadas foi o livro lançado no segundo encontro de Saberes. Um livro de coautoria da participante do evento Jéssica Marcelle, com Jaque Alves. O texto traz uma coletânea de poemas, com uma linguagem de “poesia marginal”, que, segundo Jéssica, não segue o padrão da literatura e expressa sua militância no movimento de rua Poetry Slam. 

Já o livro Saúde como dignidade: riscos, saúde e mobilizações por justiça ambiental, dos pesquisadores Marcelo Firpo, Renan Finamore e Diogo Rocha, objetiva dar suporte conceitual e metodológico para a compreensão e enfrentamento dos riscos ambientais e problemas de saúde em contextos de injustiças e conflitos ambientais. O livro também propõe uma visão abrangente de saúde que a relaciona não apenas com as doenças e mortes, mas com a vida, a natureza, a cultura e os direitos territoriais e humanos, ecoando vozes de inúmeros povos que vêm lutando pelo direito à vida e aos bens comuns e contra os impactos de setores como a mineração, o agronegócio e a indústria do petróleo.

Para download completo do livro, clique aqui

 



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