Busca do site
menu

“Ser transgressor é um dever de existência”, disse Debora Diniz no World Bioethics Day

ícone facebook
Publicado em:04/11/2019

“Ser transgressor é um dever de existência”, disse Debora Diniz no World Bioethics DayO encontro anual fomentado pela Cátedra de Bioética da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês) trouxe para o centro do debate cinco mulheres que não apenas estudam e pesquisam temáticas relevantes à saúde e outros campos do conhecimento, mas que dedicam seus dias e produção em favor da defesa da vida e dos direitos humanos. “Mais do que nunca, a universidade é não apenas um espaço de pensamento, mas de transgressão. Ser transgressores não é mais uma escolha para nós, é um dever de existência! Temos que fazer uso daquilo que sabemos e podemos fazer para o engajamento e a transformação. Portanto, peço que não se acomodem. Usem o conhecimento para a transformação”, convocou Debora Diniz durante o World Bioethics Day 2019, sediado pela ENSP.

Além de Debora, que é professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), que participou virtualmente no encontro, estiveram presentes nas homenagens e debates a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, a também pesquisadora do Anis, Luciana Brito, a professora e pesquisadora do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima, Inara do Nascimento Tavares e a pesquisadora da ENSP, Roberta Gondim.

O evento aconteceu sob a responsabilidade do pesquisador da ENSP e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS/ENSP), Sergio Rego, contou com a coordenadora-geral do Programa, Marisa Palácios, e teve os debates da mesa redonda mediados por Luciana Narciso.

Na mesa de abertura do encontro, Sergio Rego, detalhou que o Dia Mundial da Bioética, comemorado em 19 de outubro, teve como tema proposto neste ano pela Unesco discutir - em todas as 150 unidade que integram a International Network of the Unesco Chair in Bioethics, do Centro Internacional de Saúde, Direito e Ética da Universidade de Israel (Haifa), o respeito à diversidade cultural. Ele explicou ainda que no evento da ENSP optou-se por abordar três dimensões fundamentais para a discussão da justiça no mundo de hoje: o racismo, a situação das mulheres e da população indígena. Nesse contexto, também como uma demanda da Unesco, decidiram homenagear Debora Diniz e Jurema Werneck. Sergio apresentou ainda a coleção Bioética e Saúde, lançada em 2018, pela Editora Fiocruz que traz diversos livros desenhados com base na grande área da bioética. Os títulos podem ser conferidos aqui.

O presidente da Sociedade de Bioética do Rio de Janeiro, João Andrade Sales Junior, também presente no encontro, falou sobre a importância de se ter uma estrutura acadêmica organizada para auxiliar e promover o processo de reflexão da bioética. Segundo ele, a ideia é ser mais um espaço de discussão, resistência e de debate da bioética e os valores humanos. “Para tanto, é necessário fortalecer a rede de apoio e solidariedade, a ideia de comunidade e espaço para trabalhar junto e, assim, não reforçar nem tampouco tematizar a ideia do homem como inimigo do próprio homem, segundo o conceito de Edgar Morin”.

“Que sorte a minha ter Debora, uma das mais importantes intelectuais brasileiras ao meu lado em pesquisas e projetos. Ela foi uma das responsáveis por inaugurar o debate e encontro entre bioética, gênero e feminismo no Brasil e na América Latina”, disse Luciana Brito que teve a honra e responsabilidade de homenagear a pesquisadora em desterro Debora DIniz. Ainda segundo Luciana, Debora recusa as amarras da preguiça intelectual e se move por dedicação e afeto. “Ela sempre se lançou e ainda se lança na vida acadêmica com princípios e compromissos éticos e políticos. Com ela, a generosidade torna-se regra no processo de construção coletiva. Também aprendi com Débora que em grupo somos mais poderosas e alimentamos a capacidade crítica para viver a criatividade e usá-la como instrumento para provocar o poder. Obrigada, Debora!”

Debora Diniz, por meio de uma chamada de vídeo, assistiu sua homenagem emocionada, porém sempre atenta e preocupada com o engajamento e o espaço de fala como lugar de resistência: “Mais do que nunca, a universidade é não apenas um espaço de pensamento, mas de transgressão. Ser transgressoras ou transgressores não é mais uma escolha para nós. É um dever de existência. Temos que fazer uso daquilo que sabemos e podemos fazer para o engajamento e para a transformação. Vocês estão em dois grande campos do conhecimento: saúde pública e bioética, nos quais as ferramentas são ferramentas de inquietação, de perturbação sobre como garantir direitos, sobre desigualdades, sobre como proteger as populações em situação de vulnerabilidade…Portanto, peço que não se acomodem. Usem o conhecimento para a transformação”.

Já a coordenadora da ONG Criola, Lucia Xavier, que atua na defesa e promoção de direitos das mulheres, jovens e meninas negras em uma perspectiva integrada e transversal, homenageou a amiga de vida e parceira de trabalho Jurema Werneck, que é diretora executiva da Anistia Internacional: “Ela é alguém com quem eu luto conjuntamente há quase três décadas em busca de uma sociedade melhor e mais justa. Falar dela é falar um pouco da luta e da vida que ela produz coletivamente. Jurema faz da luta política contra o racismo patriarcal, termo político cunhado por ela, um dos principais compromissos com a humanidade, em particular com as mulheres negras. Sua vida tem sido projetar o pensamento das mulheres negras para além dos muros da nossa comunidade. Ela escreve sobre nós, advoga por nossas vidas e empresta todo seu talento para fazer desse mundo um lugar melhor”.

Jurema disse sentir-se muito honrada e lembrou que racismo é desgraça, violência e injustiça. Ela falou sobre as pessoas que sempre a apoiaram durante toda sua trajetória de vida e trabalho e destacou que Lucia Xavier é uma delas. “Há muitos anos, em uma conversa com a filósofa e ativista norte-americana Angela Davis, ela me contou uma história que uma outra mulher havia contado para ela e que dizia que quando uma mulher negra ocupa determinadas posições é porque teve outra mulher negra que veio antes e serviu de apoio, ombro, escada… e é assim que me sinto. Nunca estive só e me sinto muito feliz por sempre ter andado em boa companhia”, ressaltou Jurema agradecida. Confira as homenagens:

 

 

Luciana explicou que sua proposta para a mesa é detalhar porque defende uma bioética feminista e trouxe temas vistos e vividos em seu trabalho na Anis. Ela falou ainda sobre como se move nessa Organização como “pesquisadora engajada” e por qual motivo defendem a postura de não serem neutras. “Eu espero que o mito da neutralidade tenha sido superado pela maioria dos cientistas - e aqui uso artigo masculino propositalmente - já que toda pergunta é movida por inquietações morais e políticas, e também porque são as perguntas que movem o rumo de um estudo”, elucidou ela dizendo ainda que é nesse sentido que [nós, pesquisadoras da Anis] entendemos o feminismo como modo de ver e mover-se no campo.

 

 

Racismo como operador de corpos foi o tema trazido para a discussão por Roberta Gondim. Ela comentou sobre a importância dessa discussão e salientou que “representatividade conta e que mulher negra produzindo, militando e transformando realidades conta muito pra gente”. Roberta citou seu histórico profissional devidamente registrado no currículo lattes, mas, em consonância com o tema que trouxe para o debate, falou sobre “apagamento” e a importância de seus ancestrais no lugar que hoje ela ocupa. Roberta deixou ainda uma indagação: De que forma a saúde coletiva incorpora os processos e dinâmicas do racismo na sua agenda de pesquisa, ensino e militância?

 

 

“É impossível pensar o que eu trouxe para compartilhar sem pensar o que me atravessa e o que me faz estar aqui, nesse lugar de fala, que é um lugar de poder”, disse Inara, durante sua apresentação. “Eu caí nesse lugar de pensar a produção do conhecimento no campo da antropologia da etnologia indígena sendo uma mulher indígena, mas não me colocando nesse lugar e falando sobre outros povos parentes meus. Demorei até entender que eu poderia falar do meu lugar. Foi um processo de retomada desse lugar em que eu sempre estive, mas sempre foi acobertado, silenciado e misturado. Hoje sou uma professora indígena, dentro de uma universidade indígena com alunos indígenas dentro de sala de aula e é nesse lugar que quero estar”, disse Inara, orgulhosa, constatando a necessidade de continuar a formação acadêmica também como um compromisso político baseado em muitas questões que a antecedem.

 


Seções Relacionadas:
Ensino Sessões Científicas

Nenhum comentário para: “Ser transgressor é um dever de existência”, disse Debora Diniz no World Bioethics Day