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Entrevista: Margareth Portela, pesquisadora da ENSP, fala sobre os 10 anos do Proqualis

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Publicado em:26/09/2019
Criado em 2009, o Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Proqualis) é uma fonte permanente de consulta e atualização para os profissionais de saúde por meio da divulgação de conteúdos técnico-científicos. Para a coordenadora do Proqualis, Margareth Portela, nesses 10 anos, merece destaque a interação do Centro com outra iniciativa da Fiocruz, o Curso de Especialização em Qualidade em Saúde e Segurança do Paciente (na modalidade Ensino a Distância). O Informe ENSP entrevistou a pesquisadora da ENSP, que fez um balanço da trajetória do Proqualis e traçou perspectivas futuras para o campo. Confira!
 
Informe ENSP: Como se delineou a criação do Proqualis?
 
Margareth Portela: O Proqualis foi concebido pelos pesquisadores Claudia Travassos e José Noronha, na perspectiva de divulgação de Entrevista: Margareth Portela, pesquisadora da ENSP, fala sobre os 10 anos do Proqualisconhecimento científico e práticas voltadas para a melhoria da qualidade do cuidado de saúde. Localiza-se institucionalmente no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), mas desde os seus primórdios envolveu a participação de pesquisadores da ENSP, tais como Mônica Martins, Walter Mendes e Suely Rozenfeld, assim como a colaboração de alguns alunos da pós-graduação. Materializa-se em um portal (www.proqualis.net), que disponibiliza em acesso livre, na língua portuguesa, documentos, artigos científicos, materiais produzidos por agências e instituições internacionais, aulas, vídeos e experiências nacionais de implementação de intervenções para a melhoria da qualidade do cuidado de saúde e segurança do paciente.
 
Informe ENSP: Completam-se 10 anos do Proqualis e qual o balanço que pode ser feito sobre a trajetória do Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente?
 
Margareth Portela: O Proqualis cumpriu um papel importante no processo de discussão e implantação do Programa Nacional de Segurança do Paciente, tendo liderado a elaboração do seu documento de referência. Por sua vez, também sofreu inflexões para responder a demandas que se colocaram para a implementação, pelos serviços de saúde do país, dos protocolos de segurança do paciente requeridos pelo Programa, como: identificação do paciente, cirurgia segura, prevenção de úlcera por pressão, higienização das mãos, segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos e prevenção de quedas.
 
No decorrer desses dez anos o alcance do Proqualis tem se ampliado de forma significativa, merecendo destaque a sua interação com outra iniciativa da Fiocruz, o Curso de Especialização em Qualidade em Saúde e Segurança do Paciente (na modalidade Ensino a Distância), envolvendo parceria da ENSP/Fiocruz e da ENSP da Universidade Nova de Lisboa, inicialmente coordenado por Walter Mendes e Paulo Sousa, e hoje, numa terceira edição, coordenado por Lenice Reis, Victor Grabois e Bárbara Caldas. O Proqualis oferece um espaço de educação continuada complementar ao curso.
 
Atualmente, o Proqualis atinge um patamar de cerca de 75.000 acessos mensais e contabiliza 600.000 visualizações de vídeos no seu canal no Youtube. Têm publicadas no Slideshare 89 aulas e palestras, com mais de 154 mil visualizações somente no último ano. Também tem produzido webinares, que permitem a interação da audiência com o palestrante durante a sua realização, e que depois são disponibilizados no portal. Esses webinares têm sido centrados em temas práticos relevantes, destacando-se como os mais vistos o que tratou de “erros de medicação”, da “Criação do Núcleo de Segurança do Paciente”, da “implementação do protocolo de quedas” e da “lesão por pressão”.
 
Informe ENSP: As conquistas já alcançadas nesse período representaram quais avanços para esse campo?
 
Margareth Portela: Nesse período houve avanço especialmente na incorporação do tema da segurança do paciente por muitos serviços de saúde do país; inicialmente, mais no âmbito hospitalar, mas, seguindo tendências globais, hoje também ganhando espaço no âmbito da atenção primária. Esta semana, por exemplo, registrou-se uma grande mobilização em muitos lugares do país em torno do dia internacional da segurança do paciente. Cursos de atualização, especialização e mestrado profissional na área têm sido ofertados, não se podendo deixar de destacar o papel do primeiro Curso de Especialização em Qualidade em Saúde e Segurança do Paciente oferecido pela ENSP, que cumpriu um papel inegável na formação de massa crítica inicial de 1.000 profissionais distribuídos por todo o país e que induziu a elaboração dos primeiros planos de segurança do paciente para mais de duas centenas de hospitais.
 
Muitos núcleos de segurança do paciente foram estabelecidos e a incorporação de práticas voltadas à melhoria da qualidade do cuidado e segurança do paciente tem sido perseguida, ainda que de forma incipiente.
 
Há também de se destacar iniciativas que vêm sendo conduzidas no âmbito do PROADI-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS), que reúne cinco hospitais privados sem fins lucrativos em torno da realização de projetos de fortalecimento do SUS, como alternativa ao gozo da Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social em Saúde (CEBAS).
 
De qualquer forma, é sempre bom lembrar que a preocupação com a qualidade do cuidado de saúde não é nova, sendo relevante considerar o acúmulo proporcionado por estruturas tais como as comissões de controle de infecção hospitalar, as comissões de revisão de óbitos, entre outras, que, em muitos casos, potencializaram as novas ações.
 
O Programa Nacional de Segurança do Paciente, entretanto, vive hoje uma situação menos favorável do que a de sua implantação, tendo apresentado, no decorrer dos seus seis anos, limites na capacidade de modificar a cultura dos serviços de saúde em prol da segurança do
paciente. Muitos núcleos de segurança do paciente acabam se constituindo em estruturas burocráticas e pouco legitimadas nas unidades onde se inserem, assim como se dá de forma burocrática, em muitos casos, a incorporação de protocolos. Atividades inicialmente previstas pelo Programa praticamente não se concretizaram, dentre as quais o fomento de pesquisas de interesse na área. Sem dúvidas, há conquistas, mas ainda há muito a ser feito.
 
Informe ENSP: Quais os entraves que dificultam as melhorias para os pacientes e profissionais da saúde?
 
Margareth Portela: Vou me ater ao contexto brasileiro. Uma primeira questão grave é a precariedade material hoje observada em grande parte dos serviços de saúde. A provisão do cuidado de saúde de qualidade requer instalações adequadas, a disponibilidade de tecnologias e insumos, pessoal em número e qualificação satisfatórios. Um outro ponto é a dificuldade de transformar a cultura dos serviços de saúde em prol da qualidade do cuidado e segurança do paciente. A dificuldade do trabalho multiprofissional e problemas de comunicação entre profissionais e entre profissionais e pacientes são ainda gritantes nos serviços de saúde. Frequentemente os profissionais são refratários à admissibilidade de erro, e relações hierárquicas minam a possibilidade de constituição de um ambiente tranquilo para a abordagem de situações em que o cuidado de saúde é, de algum modo, inapropriado, e expõe o paciente a riscos desnecessários. Os sistemas de  informação são fragmentados e pouco contribuem para sinalizar alertas ou monitorar indicadores da qualidade do cuidado prestado, assim como indicadores da ocorrência de incidentes passíveis de ameaçar a segurança do paciente.
 
Considerando o cuidado hospitalar, foco inicial de ações da melhoria da qualidade, vale ainda destacar o imenso parque hospitalar brasileiro, com mediana inferior a 36 leitos. Parte desse parque sequer atende condições de funcionamento verdadeiramente como hospital.
 
Os desafios são inúmeros, e não posso deixar de colocar a angústia de perceber que vai se estabelecendo uma enorme desigualdade relativa ao acesso à qualidade e segurança na utilização de serviços de saúde.
 
Informe ENSP: Quais as perspectivas futuras para a área da qualidade e segurança do paciente?
 
Margareth Portela: Por um lado, coloca-se o aumento da complexidade dos pacientes, que serão cada vez mais idosos. A necessidade de gerenciamento de múltiplas morbidades, com o uso de múltiplos exames, medicamentos e equipamentos, certamente imporá novas questões e desafios para a área. Um outro ponto a ser equacionado é como dar resposta a desafios crescentes, possivelmente, com recursos cada vez mais escassos. Há a questão da resistência bacteriana, cuja tendência de crescimento é altamente impactante na área. Por outro lado, vislumbra-se a ampliação do escopo da área com maior incorporação de questões pertinentes à atenção primária, serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT), entre outros.
 
A medição e monitoramento de indicadores continuará sendo relevante, colocando-se também a exploração do potencial do uso de big data para a identificação de problemas de qualidade do cuidado e segurança do paciente.
 
Por fim, é fundamental que se tenha a perspectiva de compreensão dos contextos onde se desenvolvem as ações de cuidado e as intervenções são implementadas. A qualidade do cuidado de saúde e segurança do paciente são contexto-dependentes, e intervenções para a melhoria de qualidade do cuidado interagem com tais contextos, modificando-os e sendo modificados por eles. Contextos podem ser determinantes das chances de sucesso ou fracasso de intervenções.
 
Informe ENSP: E as perspectivas do Proqualis?
 
Margareth Portela: Uma das perspectivas do Proqualis hoje é estabelecer articulação com outras unidades da Fiocruz, especialmente o Instituto Fernandes Figueira e o Instituto Nacional de Infectologia.
 
Consideramos importante produzir e divulgar mais material sobre a qualidade do cuidado de saúde e segurança do paciente a partir das áreas de atenção à saúde em que a Fiocruz atua. Em médio prazo a aproximação com unidades de assistência da instituição também deveria se ampliar na inclusão da atenção primária. Está também entre nossos planos estender ações na área do ensino e pesquisa. Queremos investir mais em espaços voltados para pacientes, o que sempre esteve no horizonte do Proqualis, mas se desenvolveu menos. Prezamos e nos comprometemos com a manutenção da qualidade editorial que sempre caracterizou o portal, com seleção criteriosa de materiais, traduções cuidadosamente feitas e revisão técnica rigorosa.
 
Acreditamos no importante papel que cumprimos para a melhoria da qualidade do SUS e nos orgulhamos de ser a mais relevante e duradoura iniciativa do tipo na área, em uma instituição pública, com a compreensão da importância do acesso aberto e independência em relação a interesses de mercado. O nosso compromisso maior é trabalhar pela redução de desigualdades no acesso a serviços de saúde de qualidade.
 

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