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'Suicídio não é somente um fenômeno individual, nem psíquico; mas multifatorial'

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Publicado em:13/09/2019

'Suicídio não é somente um fenômeno individual, nem psíquico; mas multifatorial'“Desespero, solidão. Sentimentos rotineiros”. A frase é um trecho da poesia escrita por um adolescente acompanhado pelo Centro de Atenção Psicossocial Carlos Augusto Magal (Caps Manguinhos). Segundo dados da OMS, a taxa de suicídio aumentou 7% no país desde a última pesquisa, no ano de 2016. Prevenir e ajudar essas pessoas na atenção básica foi o tema do terceiro dia de comemorações do aniversário de 65 anos da ENSP.

Em sua fala, a psicóloga do Caps Manguinhos Nara Góes trouxe a visão dos profissionais que acolhem diariamente tentativas de suicídio e violência autoprovocada. Nara salientou a importância de os Caps estarem cada vez mais perto do território, o que, segundo ela, permite que os profissionais enxerguem o fato de uma outra forma, trazendo outra repercussão e um novo olhar, além de novos aprendizados. “Nos faz entender que o suicídio não é somente um fenômeno individual, nem psíquico; mas multifatorial, que tem muito a ver com questões familiares, territoriais e do momento em que vivemos”, diferencia ela, já que antes o contato era feito, apenas, em momentos de crise.

Outro ponto observado diante dessa aproximação foi a compressão da multiplicidade que a violência autoprovocada tem apresentado. O grande número de jovens e adultos com mutilações apresenta algo importante para entender esses casos, já que, para a psicóloga, a tentativa de suicídio "vai estar dentro de uma lesão autoprovocada, mas essa lesão se expressa de várias outras formas".

Pensar no cuidado dessas pessoas com vocação suicida, prevenir esse comportamento e apoiar e cuidar dos profissionais são linhas de pensamento para amenizar o problema. Segundo Nara, o Caps busca dar suporte para esses profissionais da atenção primária. Já com relação à prevenção, a psicóloga defende o acolhimento, que vem diante do vínculo entre o profissional e o paciente.

Mas o que fazer se o pior acontecer? Para a palestrante, as escalas para avaliar o nível de suicídio e instrumentos de perguntas utilizados para identificação dos casos não são suficientes, uma vez que trata-se de com fenômenos multifatoriais. Ela, no entanto, reforça a importância de avaliar a rede de apoio dessas pessoas, tornando, assim, a atenção primaria importantíssima em tal processo.

Casos de profissionais

Nara ressaltou, ainda, que há grande demanda de profissionais necessitando de ajuda. "A ideia de suicídio é um grito, diante de tudo o que está acontecendo", afirmou. Além disso, mostrou como a observação se faz de extrema importância nesses casos. “Frases soltas em outros momentos podem ajudar na identificação de sintomas de suicídio”, concluiu.


O suicídio na era dos antidepressivos

Saindo do senso comum, o pesquisador da ENSP Fernando Freitas falou sobre como enfrentar esse fenômeno na era da psiquiatria biológica. Sua abordagem baseou-se em duas formas: biomédicas e psicossociais. “Eu falo ou não falo. Não existe complementariedade. É falso cientificamente dizer que precisamos ter um modelo biomédico psicossocial”, observou. Com base em evidências cientificas, Fernando contextualizou, por meio do pensamento hegemônico, que o suicídio é proveniente de uma depressão. Ele explica o modelo biomédico de abordagem da doença, composta pela condição médica, o desequilíbrio químico no cérebro e a solução.

Ao abordar evidências cientificas que, segundo ele, comprovam que a violência pessoal e a terceiros são induzidas pelos antidepressivos, gerando o suicídio, Freitas alertou para a dificuldade dos usuários de antidepressivos deixarem de ser dependentes desses medicamentos. “ As pessoas começam a ficar violentas e cometem suicídio. A literatura é abundante nisso, são sintomas da dependência do remédio, não da depressão”, salientou trazendo informes da ONU sobre o tema e evidenciando que o uso traz mais malefícios do que benefícios.

O pesquisador mostrou o conjunto de ações que geram a depressão e a ansiedade, tendo como causas fatores rotineiros da nossa vida, tais como a desconexão com o trabalho, com as pessoas, traumas infantis, entre outros, reforçando o conceito do psicossocial. “A forma que nós vivemos é o que nos deprime”.

No final de sua apresentação, apresentou soluções chamadas de antidepressivos naturais - contrapondo os medicamentos. Realizado por meio das abordagens psicossociais, o pesquisador reforçou a ideia de mudança do profissional atuante com esses pacientes. “ O profissional tem que ter coragem para enfrentar o paradigma biomédico”, concluiu lembrando as atuações de profissionais antes do uso medicamentos, como psicólogos e assistentes sociais.

Prevenção e pósvenção do suicídio

“Escutar nem sempre é ouvir, ou vice e versa”. É o que diz a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Arlinda Moreno que, no início de sua fala, fez um apanhado das informações apresentadas na primeira parte do evento, mostrando o suicídio como um problema de saúde pública.

A pesquisadora abordou o comportamento indicado para o profissional que trabalha com psicoterapia. "A gente entra na viagem do outro, só que aprendemos, no cotidiano, a possibilidade de entrar e sair com o outro. Esse é o nosso treinamento, e não estar fora desde sempre”, ressaltou a pesquisadora.

Dados já conhecidos como o fato de o suicídio ser uma preocupação global, e que homens, adultos jovens e idosos são os que apresentam maior taxa, a pesquisadora trouxe os aditivos dessas pesquisas. “Os homens apresentaram maiores taxas de mortalidade por suicídio do que as mulheres, em todas as idades, exceto na faixa etária de 15 a 19 anos”, finalizou.

Depois de apresentar os dos dados do suicídio no mundo e no Brasil, com taxas entre homens, mulheres e LGBT’s, Arlinda abordou a pré e posvenção do suicídio. Para ela, um grande erro percebido pelas pessoas é de que ‘suicídio não é doença, e não tem uma doença como causa, sendo um sofrimento’. Ela ainda reforçou a tese de que suicídio é um problema se saúde pública e que existem maneiras disso ser evitado, com intervenções relevantes de saúde e fatores de risco da sociedade, como as políticas de saúde mental e políticas para reduzir o uso nocivo de álcool.

Já para a pósvenção a pesquisadora mostra alguns dos objetivos, como trazer alívio dos efeitos relacionados com o sofrimento e a perda, prevenir o aparecimento de reações adversas e complicações do luto, minimizar o risco de comportamento suicida nos enlutados por suicídio, promover resistência e estratégias de enfrentamento em sobreviventes.

Para isso, ela saliente que precisa enfrentar alguns desafios para o desenvolvimento da posvenção no Brasil. Desse desafio podem ser listados alguns, como prover serviços em áreas rurais e sem acesso à internet, dificuldade em falar sobre a morte no Brasil, falta de interesse do governo e empresas privadas em investir na prevenção e posvenção do suicídio.



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