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Entrevista: Rosilaine Santiago analisa a decisão do juiz sobre a guarda do filho

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Publicado em:07/11/2019
Por Joyce Enzler
 
Entrevista: Rosilaine Santiago analisa a decisão do juiz sobre a guarda do filhoApós passar por um momento traumático, a perda da guarda do filho de 8 anos, em 12 de julho de 2019, a Agente Comunitária de Saúde (ACS) e moradora de Manguinhos, Rosilaine Santiago, analisa a decisão do juiz do Tribunal do Rio de Janeiro e conta como é sua rotina de trabalho, estudo e a criação dos filhos.

Os nomes dos dois filhos de Rosilaine foram omitidos porque o processo corre em segredo de justiça. Confira a entrevista para o Informe ENSP e leia a matéria sobre o caso. 

 

Informe ENSP: Como você analisa a decisão do juiz?

 

Rosilaine Santiago: Muito preconceituosa e machista. Qual lugar no Brasil que não tem violência? Então, achei um absurdo ele se basear nisso para tirar a guarda de um filho de sua mãe. Ainda mais essa criança que é bem assistida, não falta colégio, tem seu compromisso de vacina, de hospital tudo em dia. É uma criança saudável. Tem laços familiares e de amigos bem grande na comunidade que ela nasceu e está crescendo. O juiz não está olhando o bem- estar da criança. Segurança meu filho tem. Dentro da minha casa, dou segurança para ele, mas, na rua, não conseguirei dar essa segurança para ele em lugar algum, nem aqui, nem no Rio, nem em São Paulo, nem em Joinville. Ao mesmo tempo que está tudo tranquilo, pode acontecer um assalto do nada. 

 

Informe ENSP: O juiz alegou que é perigoso viver no Rio de Janeiro, mas existem várias formas de violência, que não serão resolvidas somente pelos moradores. O desemprego, a falta de moradia, de saneamento básico não são também formas de violência? 

 

Rosilaine: Perigoso é mesmo, mas eu consigo dar segurança ao meu filho dentro da minha casa, não é uma criança que vive largada na rua. A segurança do meu filho eu consigo administrar muito bem; já a do Estado não é competência minha, mas do país. Na minha casa, dou tanta segurança para o meu filho que criei coragem para me separar, porque meu relacionamento com o pai envolvia bastante briga. Não quero que as crianças cresçam assistindo a violência dentro de casa. Então, no meu lar, eu consigo manter a ordem.

 

Informe ENSP: A sentença afirma que o menino necessita de um exemplo paterno, por ser do sexo masculino; como avalia essa declaração? 

 

Rosilaine: Isso é machismo. Não sabia que existia tempo para o filho ficar com a mãe, isso para mim é novidade. E por ele ser do sexo masculino precisa do pai? Não sei o que o juiz quis dizer com isso. Meu filho tem várias referências masculinas: professores, tios, amigos, que dão muito mais atenção a ele. 

 

Informe ENSP: Sua família mora em Manguinhos?

 

Rosilaine: A maior parte; tenho muito parente aqui. Eu nasci e cresci na comunidade de Manguinhos, e minha família toda, que é enorme. Eu nasci em casa, dentro da favela. Quase todos os partos da minha mãe foram dentro da residência. A família do meu pai também é toda de Manguinhos. Então, há muitos primos por perto, e meu filho brinca, convive com todo mundo. Atualmente, alguns saíram de Manguinhos, mas estão próximos, em Ramos, Olaria, e nós sempre nos falamos, nos reunimos. Tenho um irmão que mora mais distante, em São Pedro da Aldeia, mas nem sentimos a distância, porque a casa dele passou a ser refúgio para passear, viajar no carnaval. 

 

Informe ENSP: Quando você se separou o menino tinha quantos anos?

 

Rosilaine: Três anos e quatro meses.

 

Informe ENSP: Há quantos anos, o pai dele não o vê?

 

Rosilaine: Desde os 3 anos e quatro meses até hoje, e ele está com 8 anos. São quase cinco anos. 

 

Informe ENSP: Ele pergunta pelo pai?

 

Rosilaine: Não, ele não pergunta nada. Eu mostro as fotos para ele saber quem é, porque meu filho não lembra dele. Só conhece o pai pelas fotos.

 

Informe ENSP: Qual a periodicidade de ligações telefônicas do pai para o filho?

 

Rosilaine: Nunca ligou. Nem no aniversário do menino, no dia 24 de dezembro, uma data que não tem nem como ele esquecer, véspera de Natal.

 

Informe ENSP: Fale um pouco da sua rotina com as crianças. 

 

Rosilaine: Trabalho como ACS na Victor Valla a quase quatro anos. A maior parte da minha família é voltada para a área da Saúde, trabalham como técnicas de enfermagem e também na administração. Minhas irmãs, tal como minha mãe, trabalham na Fiocruz. 

 

Além do trabalho, faço curso técnico em Agente Comunitário de Saúde, na EPSJV/Fiocruz, às segundas e quartas, das 8 às 17h. Como sou liberada pela minha gerente, não fico fora de casa à noite. Passo muito tempo com as crianças, a nossa rotina é assim: elas acordam, vão para a escola; meio-dia, pego os dois, levo para casa e almoçamos os três juntos. 

 

Após o almoço, volto para o serviço, e eles ficam ou com minha irmã ou com minha vizinha. Porém, quando elas têm algum compromisso, eles vão para a clínica comigo. À tarde, eles fazem dever de casa e, depois, brincam ou assistem à televisão até a hora de dormir. O mais novo me pediu para entrar no judô, e eu estou procurando algo perto de casa; já o mais velho, nas quartas-feiras, fica direto na escola, porque tem aula de teatro. 

 

Informe ENSP: Qual o lazer preferido das crianças?

 

Rosilaine: Jogar vídeo game e ver TV, ligada direto em desenho animado.

 

Gostam muito de brincar na rua, mas só vão comigo. Estou sempre de olho. Nos fins de semana e às vezes até a noite, quando está calor, ficamos na porta de casa, e eles brincam de bicicleta, skate, bola e de pique com outras crianças. 

 

A gente passeia muito. Quase todo final de semana vou para casa de uma tia minha, em Ramos, porque tem uma piscina boa, e eles adoram. Lá, almoçamos, fazemos churrasco. Às vezes, tem festinha de aniversário ou vamos ao cinema, ao shopping ou ao parque, de acordo com a minha situação financeira. 

 

Fomos várias vezes ao Museu da Vida, eles gostam muito de andar pela Fiocruz. Na Escola Politécnica, houve dois passeios ao CCBB e ao Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói. Consegui levar o pequeno comigo para o MAC, e ficamos o dia todo lá. O maior teve aula. O pequeno teve uma festinha na escola, mas preferiu ir para o museu. Também visitamos uma exposição na UFF. Ele gostou muito. Ficamos o dia todo lá, fizemos piquenique e foi muito bom.       

 

Faço parte de alguns grupos de saúde e, quando há algum filme voltado para criança, vou com os dois. Também os levo quando tem orientação alimentar, bucal, ensino de escovação.

 

Informe ENSP: Como seu filho encarou essa decisão? 

 

Rosilaine: Sempre conversei abertamente, faço questão de ele saber de cada passo desse processo. Desde o início, venho preparando meu filho. Digo que, caso o juiz decida retirá-lo de mim, continuarei lutando. 

 

Meu filho chorou bastante, disse que não queria ir, mas eu expliquei que, se for essa a decisão, ele terá que ir para Joinville. Ele disse que iria fugir. Falei: “Não dá, meu amor. Mas a mamãe vai continuar lutando. Vamos tentar mudar isso.” Então, de lá para cá, ele ficou muito triste, mais calado, fechado e mais rebelde. O irmão também ficou triste e calado. Estou marcando psicólogo para conversar com os dois. Tudo isso abalou uma estrutura familiar que é muito harmônica e feliz.

 

 

 

 


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