Busca do site
menu

Código de trânsito: pesquisas vão de encontro à proposta de alteração

ícone facebook
Publicado em:11/06/2019
Código de trânsito: pesquisas vão de encontro à proposta de alteraçãoApesar de o mundo registrar cerca 1,35 milhão de mortes por acidentes de trânsito ao ano, e o número de feridos, muitos com sequelas permanentes, girar em torno de 50 milhões, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, deu entrada em um projeto de lei que altera trechos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, por meio de estudos, debates e as pesquisas que desenvolve, ressalta preocupação com as possíveis consequências de tais mudanças e destaca a necessidade premente de trabalhar essa questão na perspectiva da saúde pública, visto que a violência no trânsito é um problema global, incluído nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e na Agenda 2030.
 
A recente publicação Trânsito: um olhar da saúde para o tema, da Organização Pan-Americana da Saúde, aponta que de todos os sistemas com os quais as pessoas têm de lidar diariamente, o trânsito é um dos mais complexos e perigosos, respondendo, em todo o mundo, por mais de um milhão de mortes a cada ano. “Apesar de os traumatismos no trânsito figurarem atualmente entre as principais causas de morte no planeta, e serem nada menos que primeira causa de óbitos entre a população de 15 a 29 anos7, a área da saúde não havia abordado enfaticamente a questão até o início dos anos 2000”. 
 
Um estudo da ENSP aponta que, no Brasil, de 1996 a 2015, morreram mais de 21 milhões de pessoas, das quais quase 3 milhões por causas externas (12,6%). Dentre elas, os Acidentes de Transporte Terrestre (ATT) aparecem como a segunda causa mais recorrente, sendo responsável pela morte de 733,120 pessoas (27,6% das mortes pela causa e 3,5% do total de mortes no período). O artigo Mortalidade por acidentes de transporte de trânsito em adolescentes e jovens, Brasil, 1996-2015: cumpriremos o ODS 3.6? foi publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva e os autores são o Departamento de Ciências Sociais da ENSP Marcelo Rasga, José Mendes Ribeiro, Caio Motta e Inácio Motta. 
 
Em relação a pedestres, um estudo transversal realizado no período de setembro a novembro de 2014 em 24 capitais brasileiras e no Distrito Federal analisou variáveis que caracterizam a vítima, o acidente e sua gravidade e a evolução do caso. “Os resultados mostram que 34,3% dos atendimentos foi de indivíduos na faixa etária de 20 a 39 anos, 54,2% de pessoas de cor parda, e 35,9% de indivíduos com até 4 anos de escolaridade. Os atropelamentos ocorreram principalmente à noite (33,6%) e à tarde (31,3%). Em todos os grupos etários a maior parte dos casos evoluiu para a alta, mas 41,6% dos idosos (60 anos ou mais) necessitaram de internação hospitalar”.
 
Tais dados estão disponíveis no artigo Atendimento de urgência e emergência a pedestres lesionados no trânsito brasileiro das pesquisadoras do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP) Adalgisa Peixoto Ribeiro e Liana Wernersbach, escrito conjuntamente com Camila Alves Bahia e Mariana Gonçalves de Freitas, do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, que descreveu o perfil epidemiológico de pedestres que sofreram lesões no trânsito, atendidos em unidades de urgência e emergência participantes do Inquérito de delineamento transversal (Viva) de 2014 e a caracterização desses eventos e de suas consequências para essas vítimas.  O texto destacou a necessidade de investimentos públicos priorizando a circulação de pedestres no planejamento do trânsito e da infraestrutura das vias.
 
Outra pesquisa com foco em ciclistas revelou que o Brasil possui a sexta maior frota de bicicletas do mundo, sendo esse o veículo de transporte individual mais utilizado no país. Porém, poucos estudos abordam a temática envolvendo os acidentes com ciclistas, bem como os fatores que colaboram ou evitam essa ocorrência. O estudo Análise dos fatores associados aos acidentes de trânsito envolvendo ciclistas atendidos nas capitais brasileiras tem base em dados de 2014 e foi publicado pelos pesquisadores do Claves/ENSP Carlos Augusto Moreira de Sousa e Patrícia Constantino em parceria com Camila Alves Bahia, da Coordenação de Vigilância Epidemiológica, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. 
 
“As razões apontaram maiores chances de ocorrência de acidentes envolvendo ciclistas em indivíduos do sexo masculino, de menor escolaridade e que residem em área urbana e periurbana. Pessoas que não estavam utilizando a bicicleta para ir ao trabalho apresentaram maior chance de acidente. Além disso, o perfil encontrado no estudo corroborou achados de outros estudos, os quais consideram que a coexistência de ciclistas com os demais meios de transporte, no mesmo espaço urbano, resulta em uma maior chance de acidentes. A construção de espaços exclusivos à circulação de bicicletas e a realização de campanhas educativas são preconizadas. 
 
Gastos em Saúde
 
Segundo a publicação da Opas/OMS de 2018 Trânsito: um olhar da saúde para o tema, em termos financeiros, os aportes da comunidade internacional à saúde no trânsito, estimados entre 10 e 25 milhões de dólares por ano pela United Nations Road Safety Collaboration, perfizeram uma parcela muito inferior ao que se gasta com outros temas de saúde de igual significância. “Embora as cifras relacionadas a esses óbitos sejam por si impressionantes, é importante lembrar que as mortes decorrentes de lesões no trânsito e de violências interpessoais, entre outras causas ditas “externas” são apenas o topo de uma pirâmide na qual uma série de outros desdobramentos, que não as mortes, predominam. Muitas ocorrências resultam em incapacidades temporárias ou permanentes, de representação muito maior que os óbitos, sendo, por isso mesmo, particularmente preocupantes para o setor saúde”, diz estudo.
 
Tal trabalho da Organização Mundial da Saúde aponta ainda que no trânsito, os casos de lesões não fatais são estimados, em nível global, entre 20 e 50 milhões ao ano. Calcula-se ainda que, para cada pessoa morta nesses acidentes, há cerca de 70 atendimentos emergenciais e 15 internações hospitalares. Os traumatismos no trânsito resultam em sobrecarga dos setores de emergência, radiologia, fisioterapia e reabilitação, havendo casos nos quais essas lesões demandam mais da metade da ocupação dos centros cirúrgicos, e mais de 80% das hospitalizações, com uma média de 20 dias de internação. Soma-se a isso que as vítimas levadas a óbito ou feridas, temporária ou permanentemente incapacitadas, são parte de uma rede de familiares, dependentes e colegas, e outros, em alguma medida são também afetados. “Não é plausível “quantificar” sofrimentos individuais ou o preço da desestruturação de núcleos familiares, com o propósito de gerar um valor social decorrente. Contudo, esse aspecto é em parte tangenciável”, considera publicação. 
 
 
O artigo da ENSP Mortalidade por acidentes de transporte de trânsito em adolescentes e jovens, Brasil, 1996-2015: cumpriremos o ODS 3.6?, em 2013, destaca que, com as 170 mil internações ocorridas por ATT, o Sistema de Informações Hospitalares do SUS gastou mais de R$ 230 milhões. Além disso, aponta também que motociclistas responderam por 51,9% das internações, que geraram custos de cerca de cem milhões.


Nenhum comentário para: Código de trânsito: pesquisas vão de encontro à proposta de alteração