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Violência obstétrica: Proibição do termo. E as ações?

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Publicado em:09/05/2019
Violência obstétrica: Proibição do termo. E as ações?O grupo de pesquisa de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca elaborou nota de desagravo à proposta de abolição do uso da expressão “violência obstétrica”, por considerá-la imprópria. O termo se refere a uma série de procedimentos compreendidos como violentos, praticados durante o trabalho de parto, parto e pós-parto por profissionais da saúde, que podem ser de natureza física, psicológica, verbal, simbólica e sexual. Confira a carta. 
 
No dia 3 de maio de 2019, o Ministério da Saúde (MS) se posicionou, surpreendentemente, por meio de despacho, propondo a abolição do uso da expressão “violência obstétrica”, por considerá-la imprópria. Esse fato parece-nos bastante inoportuno, por ser uma expressão consagrada, empregada na literatura nacional e internacional, além de reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (2014). 
 
O termo se refere a uma série de procedimentos compreendidos como violentos, praticados durante o trabalho de parto, parto e pós-parto por profissionais da saúde, que podem ser de natureza física, psicológica, verbal, simbólica e sexual. Podem se traduzir por negligência, discriminação e condutas desnecessárias, tais como episiotomia, uso rotineiro de ocitocina para aceleração do parto, manobra de Kristeller e cesariana sem indicação, muitas vezes empregadas sem embasamento em evidências científicas. 
 
Deixar de se referir a um problema bastante presente nos serviços de saúde brasileiros, muito particularmente aqueles que atendem ao parto, contraria todas as recomendações recentes do próprio MS, especialmente após a publicação da portaria que cria a Rede Cegonha, a qual tem como um dos objetivos a mudança do modelo de atendimento obstétrico, buscando abolir as práticas violentas e vexatórias, denominadas “violência obstétrica”.
 
O grupo de pesquisa de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, da ENSP/Fiocruz, conduziu, em 2011/12, a pesquisa Nascer no Brasil, que apresentou, pela primeira vez, um panorama da saúde obstétrica e perinatal no país. Em 2016/17, realizou a avaliação da Rede Cegonha a pedido do MS. Dados comparativos entre o setor público do primeiro estudo – NB com os achados do segundo - RC demonstram resultados bastante favoráveis, com aumento das boas práticas e a redução das intervenções desnecessárias, apontando o sucesso das políticas públicas destinadas às mulheres implementadas pelo MS. Melhorou o manejo do trabalho de parto e do parto vaginal, aumentando de 29,2 para 56,7% o uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor; de 28,1 para 47,6% o consumo de líquido ou alimento; de 48,1 para 69,2% a deambulação e reduzindo as intervenções de 47,3 para 27,7% de episiotomia; de 71,8 para 58,3% o uso de cateter periférico e de 36,1 para 15,9% a manobra de Kristeller. Além de aumentar a presença de acompanhante de 46,4 para 84,7% no trabalho de parto e de 31,8 para 83,9% no parto, refletindo o êxito do MS como projeto RC. 
 
O posicionamento aponta profunda mudança de condução da área técnica de Saúde das Mulheres do MS, contrariando medidas relevantes preconizadas nos anos recentes em prol da saúde das mulheres e crianças, como a garantia dos direitos das mulheres e crianças. 
 
Diante desses fatos, no intuito de fomentar o debate democrático, a ENSP/Fiocruz se junta ao Ministério Público Federal, que recomenda ao Ministério da Saúde adotar as ações positivas previstas no documento da OMS mencionado, o qual reconhece a ocorrência de violência física, verbal e maus-tratos durante o parto, independentemente da intencionalidade do profissional em causar dano. Assim, deve abster-se de realizar ações voltadas a abolir o uso da expressão “violência obstétrica” e não só coibir práticas agressivas e de maus tratos, mas também promover as boas práticas, de forma que as mulheres tenham uma boa experiência de parto, respeitoso e digno.
 
Recomenda-se, ainda, que sejam aprofundados estudos sobre o tema, com ampla discussão dos resultados na comunidade acadêmica, organizações nacionais e internacionais, bem como com a sociedade civil. Almeja-se que sejam adotadas medidas efetivas de combate aos maus-tratos e violências praticados em face de milhares de mulheres ao longo da nossa história, considerando-se que a mera não utilização de um termo não implica inexistência do fato. Ademais, mudanças de práticas não são conquistadas meramente por imposições de troca de verbetes.
 
 
Organização Mundial da Saúde – OMS. (2014). Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Genebra: Autor
 

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